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Saiba os prós e os contras da educação domiciliar

No Brasil, como no exterior, cresce o número de pais que optaram por educar os filhos fora da escola. Conheça a opinião dos especialistas e a experiência de famílias que adotam esse estilo de vida

Por Debora Pivotto (colaboradora)
Atualizado em 15 abr 2024, 08h35 - Publicado em 12 out 2016, 07h00
ThinkStock/Pyotr021
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Nada de van escolar, lancheira, boletim: para um número cada vez maior de famílias, estudar é algo que se faz em casa – e só em casa. Já são cerca de 3,2 mil membros da Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned). “Sabemos que esse número é estimado para baixo”, explica Ricardo Iene, presidente da Aned. “A prática cresce, em média, 50% ao ano no país.” A tendência não é exclusiva do Brasil. O ensino domiciliar é regulamentado em mais de 60 países, como França, Canadá e Austrália. Nos Estados Unidos, mais de 2 milhões de crianças não frequentam instituições de educação regular.

São vários os motivos que levam a essa escolha. Depois de entrevistar dezenas de pais que adotaram o ensino doméstico, a educadora Maria Celi Vasconcelos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), constatou que o principal deles são os conflitos vividos no ambiente escolar, como violência ou bullying. Em seguida, é citada a divergência entre crenças e valores morais e religiosos da família e o conteúdo dado em sala de aula – para pais que acreditam no criacionismo (que o Universo foi criado por Deus), por exemplo, o evolucionismo de Darwin não deveria ser ensinado como verdade absoluta. “Alguns discordam do conteúdo de livros que falam de igualdade de gênero e sexualidade”, cita ela. Há também os que fazem a opção porque essa alternativa é mais econômica e ainda os que veem no ensino em casa o melhor caminho para filhos que têm alguma deficiência – para poder dar a eles um tratamento mais individualizado ou mesmo mais confortável, de acordo com suas limitações. 

Leia mais: Desescolarização: conheça o modelo de educação que prioriza as experiências do cotidiano – e não a vida escolar​.

A forma como esse ensino doméstico se dá não é única. A maioria pratica o chamado home schooling, em que os pais, com ou sem a ajuda de professores, dão aulas seguindo métodos e programas curriculares. Ou seja, trazem a escola para dentro de casa. Também há os entusiastas da chamada desescolarização, que não seguem método algum. “Nesse caso, cada família cria o próprio formato. Algumas desenvolvem projetos, outras primeiro observam o que os pequenos apresentam. O ensino deixa de estar separado da vida”, explica Ana Thomaz, educadora que adotou a prática com os três filhos e se tornou referência no tema (leia depoimento na próxima página). Na desescolarização, não há necessariamente divisão entre disciplinas como geografia e matemática. A ideia é deixar que o aprendizado flua, aprofundando-se em áreas pelas quais a criança demonstre mais interesse. Os adeptos veem essa opção como um caminho para fugir da comparação, das ameaças e dos demais padrões típicos do ambiente escolar, que, acreditam, podem prejudicar o desenvolvimento da criança e de suas potencialidades.

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Para auxiliá-los, existe uma série de fóruns e comunidades online. Neles, é intensa a troca de experiências e a discussão de alternativas para educar de forma personalizada e mais livre. Mesmo com perfis diferentes, aqueles que adotam a desescolarização têm em comum a vontade de participar da educação dos filhos e melhorar sua qualidade. Trazer para perto essa responsabilidade, porém, é uma tarefa complexa e ainda bastante criticada por especialistas. Uma das maiores críticas: a falta da socialização proporcionada pelo ambiente escolar. “A educação passa pela aquisição de conteúdo e também ensina valores como diversidade, frustração (o ganhar e perder), compartilhamento, defesa. Isso é impossível em casa”, afirma Silvia Colello, educadora e professora de psicologia da educação na Universidade de São Paulo (USP). Carlos Roberto Jamil Cury, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda: “Por mais que as crianças possam socializar em outros espaços, nenhum convívio é igual ao escolar. É o único lugar na sociedade contemporânea onde as crianças convivem durante pelo menos quatro horas por dia, cinco vezes na semana, o que é muito importante para aprender a aceitar o outro”

Veja também: 6 princípios que a escola e os pais devem ensinar às crianças​.

Colello também alerta que a casa pode ser um ambiente superprotegido e prejudicial à formação. “Questões como a diversidade sexual e a homossexualidade estão no mundo. Não adianta achar que, só porque você não fala do assunto, a criança não vai saber. Ao mesmo tempo, o bullying, tão ligado à escola, também pode acontecer no clube e em outros ambientes. Depois, a pessoa cresce, vai para o mercado de trabalho e se depara com desafios (como trabalhar em grupo e aceitar a orientação de um supervisor) sem estar preparada”, afirma. Apesar de todos os problemas da educação no Brasil, a especialista acredita que criar o próprio sistema doméstico, além de ser uma solução individualista, é até antidemocrática. “A escola está uma droga e você vai resolver apenas a questão do seu filho. E os outros? Que tipo de formação política está dando? Acho que temos todos de lutar por melhores escolas.” Já Ana Thomaz defende que educar a criança para que ela consiga ser ela mesma só contribui para uma sociedade melhor. “Se um dia conseguirmos criar outro tipo de desenvolvimento humano e a escola se transformar ou mesmo deixar de existir, é porque ganhamos como sociedade.”  

O que diz a lei 

A educação domiciliar não é regulamentada nem reconhecida pelo Ministério da Educação brasileiro. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente também estipula a obrigação de matricular filhos ou pupilos na rede regular de ensino. Os defensores da nova prática, porém, se apoiam no artigo 205 da Constituição Federal, que diz que a educação é dever do Estado e da família e que crime é o abandono intelectual, e não o ensino doméstico. Iene, presidente da Aned, calcula que hoje ao menos 50 famílias que praticam o home schooling respondam a processos. “Geralmente são avós, diretores de escolas ou vizinhos que os denunciam. Muitas vezes, o conselheiro tutelar vai às casas, gosta muito do trabalho feito pelas famílias, mas ainda assim leva a denúncia adiante.” Os pais denunciados podem ser multados e obrigados a matricular os filhos em uma escola – o que as instituições são obrigadas a aceitar a qualquer tempo. 

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Para evitar essa briga, a Aned e seus parceiros lutam há anos para que a educação domiciliar seja reconhecida e regulamentada, em um sistema que envolva Estado e família. “Propusemos o mesmo que existe em alguns países europeus: as crianças passam por avaliações psicopedagógicas periódicas e o governo permite que o ensino seja feito em casa”, diz o advogado e especialista em educação desescolarizada Édison Prado de Andrade, de São Paulo.

Atualmente, encontram-se em discussão na Câmara dos Deputados dois projetos de lei parecidos que propõem a regulamentação da educação domiciliar: o primeiro de Lincoln Portela (Projeto de Lei nº 3179/2012) e o outro de Eduardo Bolsonaro (nº 3261/2015). Apesar das propostas e do crescente interesse pelo tema, especialistas acreditam que a aprovação ainda está longe de acontecer. “Os governos estão mais preocupados em criar escolas com horário integral e aumentar as horas que a criança passa nas instituições”, observa Andrade. Um fato importante a ser considerado é que o jovem que foi educado em casa pode ingressar em qualquer faculdade desde que tenha uma boa pontuação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e seja maior de 18 anos – desde 2012, o MEC reconhece a aprovação no exame como certificação de conclusão do ensino médio.  

Depoimentos

Ana Thomaz, 47 anos, educadora: “Quando meu filho fez 13 anos, me pediu para sair da escola. Era um ótimo aluno, estava em uma escola Waldorf, mas muito desmotivado. Concordei, desde que ele ficasse um ano inteiro sem videogame, TV e computador, para não perder tempo com outras coisas. Achei que ele fosse desistir, mas topou. E assim foi. Fiz um programa de desintoxicação para ele voltar a gostar de aprender. Fui atrás de professores bacanas de música e artes e ele continuou com as aulas de futebol e um trabalho corporal comigo. Deu certo. Ele voltou a crescer, a ficar alegre, curioso. Comecei a trabalhar mais em casa para acompanhar o processo. Nossa vida ficou muito rica. Tive minhas outras duas filhas e, com elas, o processo de ensinar em casa se deu desde o começo. Estudei muito sobre educação porque tinha uma responsabilidade nas mãos. E ficou claro que eu não queria uma educação livre. Livre do quê? Da escola, sim, mas pode fazer o que quiser? Não é assim. Queria construir uma educação em que elas pudessem ser elas mesmas. E trabalhamos muito o não comparar, o não ter a resposta pronta e única para tudo. Tivemos de desconstruir essa escolarização.”

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Renata Idargo, 44 anos, empresária: “Aqui, não temos uma rotina, nada é programado. Quando a criança se encanta por música, incluímos aquilo em nossa vida, com um professor e o instrumento para experimentar. A alfabetização foi um pouco mágica. Não sei dizer como aconteceu, mas elas foram alfabetizadas igual a qualquer criança. Sempre tiveram acesso a livros. Estamos sempre muito atentos e especializados no ser humano, não necessariamente na educação.”O Uerá passou seis meses em uma escola que escolhi por ser um lugar onde brincar era a coisa mais importante. Eu gostava de lá, mas, quando ele tinha 2 anos, assiti a uma palestra sobre educação que foi muito importante para mim. Decidi tirá-lo dali e acompanhá-lo de perto. Fiz cursos sobre desenvolvimento infantil e reorganizei a vida para ficar com ele, que está com 8 anos, e com o Yeshe, agora com 4. Passo um tempo cuidando da casa, dos meus negócios e, quando sinto que é hora de ficar com eles, fico. Sempre que esbarro em alguma questão, chamo educadoras para me dar orientação ou atuar com eles. Minha casa tem muitos materiais de marcenaria, fantasias, tintas, areia. No jardim, há árvores, balanço. Na nossa rotina diária, os dois escolhem livros e a gente vê o que aquilo tem a nos dizer. Também vamos muito a bibliotecas. Quando o mais velho começou a querer ter contato com as letras, fui atrás de metodologias e passei a trabalhar como se eu fosse uma criança aprendendo. Só eles sabem do que precisam. Temos de ficar atentos e não atrapalhar.” 

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