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Realmente importa dizer que a nova prefeita de Chicago é negra e lésbica?

Lori Lightfoot não foi eleita por ser uma mulher negra e lésbica, mas esse detalhe acabou fazendo com que ela virasse um dos principais assuntos da semana.

Por Júlia Warken
Atualizado em 15 jan 2020, 20h51 - Publicado em 4 abr 2019, 19h41
CHICAGO, ILLINOIS - APRIL 02: Lori Lightfoot kisses her wife Amy following her victory speech after defeating Cook County Board President Toni Preckwinkle to become the next mayor of Chicago on April 02, 2019 in Chicago, Illinois. Lightfoot will become the first black female mayor of the city and its first openly gay mayor. (Photo by Scott Olson/Getty Images) (Scott Olson/Getty Images)
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Lori Lightfoot tornou-se uma das personalidades mais comentadas da semana após ser eleita prefeita de Chicago na última terça-feira (2). A notícia da posse repercutiu globalmente por causa de um detalhe: Lori é negra e assumidamente lésbica, o que faz com que sua vitória seja um acontecimento histórico.

Mas será que faz sentido dar destaque ao gênero, à raça e à orientação sexual da prefeita? Por que isso importa? Afinal, o que levou ela ao cargo foi sua competência e não o fato de ela ser negra e lésbica.

Com a repercussão da notícia, muita gente trouxe esses questionamentos à tona. Há quem acredite, inclusive, que falar sobre cor de pele e sexualidade é algo que contribui para a discriminação e que todos deveríamos ser vistos apenas como seres humanos.

Acontece que esse pensamento vai na contramão de um detalhe muito importante: a sociedade não trata todos os seres humanos da mesma maneira.

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Nem todos os seres humanos têm sua existência plenamente respeitada. Nem todos os seres humanos são amplamente representados na política. As oportunidades não são iguais para todos os seres humanos.

Sendo assim, ver uma pessoa como Lori Lightfoot numa posição de poder, infelizmente, ainda é muito raro. E falar sobre isso é necessário. Refletir sobre isso é necessário. Comemorar isso é legítimo.

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Para compreender melhor quais são as batalhas específicas de uma mulher negra e lésbica na sociedade em que a gente vive o MdeMulher conversou com Fernanda Gomes, que trabalha ativamente no que ela chama de auto-organização das mulheres lésbicas e bissexuais negras. Fernanda participa de dois coletivos engajados na causa, a Coletiva Luana Barbosa e o Brejo da Sul, e faz parte da organização do 1° ELBP – Encontro de Lésbicas e Bissexuais Periféricas de São Paulo.

O ELBP acontece no último fim de semana de abril – ainda sem local definido – e as organizadoras lançaram uma vaquinha virtual para viabilizar o evento. Quer contribuir? Clique AQUI.

MdeMulher – A eleição de Lori Lightfoot está sendo muito comentada pelo fato de ela ser uma mulher negra e lésbica. Qual é importância de falarmos sobre isso?

Fernanda Gomes – Falarmos sobre uma mulher negra e lésbica que se tornou prefeita da cidade de Chicago é algo significativo e representativo. Eu ficaria aqui dando muitos e muitos motivos sobre a importância dessa notícia, um deles é o impacto positivo que tem uma representante de estado negra em relação à população, o segundo é pensar (usando o Brasil como referência) em quantas mulheres em cargos de poder assumem ou falam sobre a sua sexualidade? Não falam – e as que falam morrem!

Não sejamos hipócritas. Dificilmente um homem branco (porque são eles que estão no poder) pensará, aprovará ou dará prioridade a políticas – seja ela de saúde, educação, habitação – que atenda com respeito e responsabilidade as mulheres negras, lésbicas, ou até mesmo a população negra num todo, incluindo os homens negros. Eleger uma mulher negra e sapatão em qualquer cargo público também faz parte da reparação histórica dessa dívida que a branquitude tem conosco.

MdM – Há quem diga que o fato de ela ser negra e lésbica não deveria ser comentado, usando o argumento de que “somos todos humanos”. O que você teria a dizer para quem pensa assim?

FG – “Não somos todos iguais, não somos todos humanos”. E a reprodução dessas falas [de que somos] é o resultado da herança escravocrata que o mundo teima em reproduzir. Não somos iguais nas filas da saúde, nas vagas de emprego, nas relações sociais.

MdM – Você é muito engajada no movimento em prol das negras lésbicas e bissexuais. Se organizar em nichos tão específicos não acaba contribuindo ainda mais para a segregação?

FG – Sobre mulheres negras lésbicas e bissexuais se auto-organizarem e não terem uma aceitação da branquitude, é só mais um posicionamento do incômodo racista, pois esse movimento de se auto-organizar é um movimento legitimo, antirracista e antiLGBTfóbico – e com certeza vai incomodar. Foram as auto-organizações de resistência que contribuíram para políticas de ações afirmativas do povo negro, da população LGBT. Somos nós, grupos organizados de periferias, de ontem e de hoje, que lutaram por escolas, por transporte, pela saúde, por mercado de trabalho digno e igualitário (que ainda não é uma realidade), por cotas, por liberdade e emancipação.

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MdM – E quais são as demandas específicas das negras lésbicas e bissexuais?

FG – Existem demandas que são específicas de mulheres. Nós mulheres – seja lésbica, hetero ou bissexual – não nos sentiríamos à vontade para conversar sobre violência sexual na frente de homens. Porque é uma demanda de nós, mulheres, e nós não conseguiríamos nos organizar com segurança, caso as discussões ou articulações de ações antimachistas fossem pensadas na frente de macho.

Do mesmo jeito acontece com a gente, mulheres lésbicas e bissexuais negras. Temos nossas próprias demandas, que não são as demandas das lésbicas e bissexuais brancas por exemplo – a sexualidade nos une e as violações de raça nos separam. É preciso um lugar seguro para que possamos nos organizar sem medo do que vamos sofrer. No caso do Brejo da Sul, estamos organizadas para pensar no “auto cuidado ou na falta dele” das mulheres lésbicas e bissexuais negras. Pensamos em como se dão as nossas relações e violações, para minimizar as dores causadas pelo racismo nas relações entre mulheres.

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