Quando uma história de amor acaba
Nossa editora e colunista Liliane Prata pergunta: os términos são complexos ou, pelo contrário, são sempre muito simples?
Quando uma história de amor acaba, por mais que os envolvidos se percam em explicações e argumentos numa racionalização infinita, o motivo que levou ao término costuma ser simples: o amor chegou ao fim, ou foi a paciência que chegou ao fim, ou uma traição não foi superada, ou um queria ter filho/se mudar de país/outro projeto do tipo e o outro não, ou alguém se apaixonou por outra pessoa. A teoria é de um amigo meu, que está especialmente inspirado no nosso café, em uma tarde de domingo. “Pode haver um ou outro motivo além desses, mas todos eles poderiam ser resumidos em uma linha. A gente fica perdendo tempo e se frustrando num labirinto racional sem saída por conta da angústia inerente ao ser humano, por falta do que fazer, vício em pensar, petulância neurótica de querer entender…”.
Lembro de Clarice Lispector: em A Paixão Segundo G.H., um livro que provavelmente vou citar minha vida inteira, essa nossa necessidade de querer apreender racionalmente tudo o que nos acontece é descrita como uma “mão grossa, cheia de palavras”. Em outro trecho, ela escreve: “A mim, como a todo mundo, me fora dado tudo, mas eu quisera mais: quisera saber desse tudo”.
“Histórias de amor são complicadas por natureza”, me garante uma amiga, em quem penso voltando do café. “Se não fosse assim, por que haveria tantas canções sobre amor, tantos poemas, livros, filmes… Por que a gente empregaria tanto tempo falando sobre isso, pensando sobre isso… Se não fosse algo tremendamente complexo? As relações começam de um jeito confuso e terminam de um jeito mais confuso ainda. Como tudo na vida, os términos são um tiro no escuro.”
Será?
Em Minha querida Sputnik, de Haruki Murakami, há o seguinte trecho: “Tem de ser um princípio por trás da realidade. Aceitar coisas que são difíceis de compreender, e deixá-las ser o que são”. Um princípio tão simples que é quase impossível de ser seguido, principalmente pelas pessoas mais dadas à reflexão. O simples tem isso: às vezes, é coisa tão fina, tão delicada, que chega a ser translúcida e a gente não consegue enxergar, tem dificuldade de apreender. Quantas vezes o simples é escorregadio e nos escapa? Nossos olhos são mais treinados para a ótica do difícil, do complicado? Quantos de nós garantem que querem encarar as relações (e a vida) com uma abordagem leve e descomplicada, mas são sugados pela turbulência quase hipnótica da confusão?
Não sei se as relações terminam por motivos simples e é a gente que não admite isso, ou se tudo é muito complexo mesmo e ainda que dediquemos uma vida inteira de reflexão só vamos entender migalhas: migalhas das histórias dos outros, migalhas menores ainda da nossa própria história, sempre mais nebulosa – como o simples, o próximo demais é difícil de ser visto. Inconstante por natureza, sou capaz de pensar numa segunda-feira como meu amigo e numa quinta como minha amiga. Ou, vai ver, todos nós somos assim, inconstantes, indecisos – alguns só disfarçam melhor que os outros.
Talvez a única verdade (ô mania de querer colher algumas verdades pessoais na estrada das minhas experiências, mas vamos lá, sinto que preciso agarrar pelo menos algumas convicções na minha jornada e esta é óbvia) é que, quando o assunto são relações amorosas, entendendo ou não o que se passa, estamos todos condenados à nossa própria companhia até o fim. Eu disse “condenados”? Talvez seja mais belo pensar em “amparados”. Eis uma relação de sucesso: cada um de nós amparando a nós mesmos, haja o que houver. Entregando-nos com todo o nosso ser às relações que surgirem, mas com inteligência e em respeito a essa companhia que, diferentemente de qualquer outra, vai estar conosco até o final… Preservando com teimosia a lucidez de que é preciso reduzir a tristeza ao mínimo possível. Não se apegando à dor quando ela vem visitar e insiste em ficar. Estando casado, solteiro, viúvo, rodeado por ninguém ou por cem, não percamos tempo com certezas demais, mas, por favor, não maltratemos a nós mesmos.
Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve esta coluna aqui no site toda quarta-feira. Para falar com ela, clique aqui!