Prestes a virar freira, ela se descobriu lésbica no convento
"Mudança de Hábito" ou "Noviça Rebelde"? Clichês à parte, a história da paulista Thaís Mariane realmente daria um filme.
Thaís Mariane tinha 16 anos quando anunciou à família que queria tornar-se freira. Os pais não ficaram muito contentes com a decisão, mas ela seguiu esse caminho mesmo assim e, aos 18 anos, iniciou o processo de formação para a vida religiosa.
“Eu participava de muitos retiros e encontros vocacionais na igreja. Em um desses momentos eu conheci uma congregação franciscana e me apaixonei pelo trabalho deles. A partir daí quis me tornar freira”, contou Thaís no Facebook, através de um grupo secreto. Para a sua surpresa, o post viralizou e ela passou a ser conhecida como a “freira de Taubaté”.
Foram cinco anos no convento, quando, na última etapa do processo para tornar-se freira, Thaís resolveu largar o hábito. A vontade de se afastar do noviciado aconteceu, pois ela começou a se envolver com uma menina em pleno convento. “Fiquei com uma amiga, rolou mais de uma vez e rolou uns carinhos mais intensos”, revelou na conversa que teve com o MdeMulher.
Thaís conta que passou anos lutando contra esse desejo, até que o primeiro beijo lésbico de sua vida aconteceu, quando ela tinha 21 anos. Aquela não foi a primeira vez que o clima esquentou entre ela e outras noviças, mas antes as coisas nunca haviam passado de carinhos e um selinho.
Durante os anos como missionária, ela visitou diversas cidades e sempre conhecia garotas novas. “Daí dormia perto e eu queria fazer umas coisas erradas”, relembra. Thaís conta que sentimento de ter que se separar das freirinhas que foi conhecendo era sempre muito triste.
“Cada lugar que morava era um tormento diferente, porque eu queria pegar alguém e não podia. Hoje eu dou risada, mas era sofrido”. Antes de entrar para o convento, ela chegou a namorar brevemente alguns meninos e diz que nunca havia suspeitado que era lésbica.
Depois do primeiro beijo, Thaís sentiu-se culpada e chegou a buscar orientação. “Eu contei para minha superiora e a reação dela foi bem escrota, porque ela me perguntou se era tão bom quanto as pessoas diziam”.
Aos 23, decidiu largar a vida religiosa. Faltavam apenas 6 meses para que ela fizesse a profissão dos votos – que é uma espécie de formatura para tornar-se freira oficialmente. “Eu decidi não seguir mais a vida religiosa depois que fiquei com a menina no noviciado, porque fomos ficando todos os dias, daí eu sabia que não condizia com a vida que eu tinha escolhido ali. Também não queria ser motivo de escândalo para eles”.
A história de Thaís desperta curiosidade, mas o mais impressionante é saber que ex-noviças lésbicas não são uma raridade tão grande assim. Ela conta que pelo menos cinco garotas que conheceu no convento hoje também são assumidamente homossexuais. E é triste imaginar o quanto essas mulheres sofreram na trajetória de autoaceitação.
Mesmo fora da congregação, assumir-se lésbica foi um processo complicado para Thaís. Ela ainda era muito ligada à religião e acabou se envolvendo com uma menina da igreja que, segundo conta, “era bem bitolada”. Nessa época, até mesmo um padre lhe aconselhou a tentar engatar o namoro com a menina, mas nem isso adiantou.
“Ela não aceitava de jeito nenhum, até hoje não se aceita, e eu comecei a entrar em parafuso. Fiz terapia e comecei a me desvincular um pouco da igreja”. Foram três anos nessa relação conturbada, cheia de dúvidas e culpa. Aí Thaís resolveu mudar de cidade para se afastar da garota. Foi quando conheceu Aléxia, com quem namora até hoje.
Essa nova fase se iniciou quatro anos atrás e Thaís finalmente conseguiu tirar das costas o peso de viver se escondendo e se enganando. Ela conta que assumir-se lésbica para a família foi mais tranquilo do que anunciar que queria ser freira. “Todos aceitaram numa boa. Minha mãe disse que já desconfiava”. Atualmente, aos 32 anos, ela é sócia de um bar e trabalha como sommelier de cervejas.
Hoje, Thaís reconhece que os dogmas rígidos do cristianismo certamente dificultaram muito seu processo de autoaceitação. Ela ainda é católica, mas frequenta cada vez menos a igreja – por falta de tempo e pelo desconforto de conviver com a intolerância.
Mesmo assim, acredita que a atual postura do papa Francisco está sendo importante na mudança dos paradigmas. “Acho que o papa está ajudando bastante ao se abrir mais para o diálogo e a aceitação, mas existe muito tradicionalismo dentro da Igreja, o que complica demais. Só que, ao mesmo tempo, conheço inúmeras pessoas que são bem praticantes no catolicismo e estão com o coração aberto para esse assunto”.
Para Thaís, todo cristão deveria respeitar os LGBT, mesmo que não concorde com as diferenças. “É como Jesus, que não concordava com o pecado, mas amava e respeitava o próximo, mesmo se ele vivesse no pecado”.
E seria então a homossexualidade um pecado, afinal? Durante muito tempo, Thaís acreditou que sim, mas hoje pensa diferente. “Acho que viver em pecado é viver sem amor, com rancor e fazendo mal para as pessoas”, finaliza.