“O diagnóstico de autismo me deixou feliz: agora sei ajudar meu filho”
A pedagoga e publicitária Ana Cíntia Diosti conta sua trajetória até a descoberta tardia de que Estéfano é portador de TEA.
Em março deste ano, alguns meses depois do diagnóstico definitivo, Ana Cíntia Diosti revelou ao filho Estéfano, de 8 anos, que ele é portador de TEA (transtorno do espectro autista). A primeira pergunta do garoto foi: “Mamãe, você ficou muito triste e chorou quando soube?”. Ela não pensou duas vezes para responder: “Não, meu amor. Não derramei uma lágrima, nem fiquei triste. Jamais chorarei por isso e agradecerei eternamente o privilégio de ser sua mãe.”
Foi um diagnóstico tardio – via de regra, casos de TEA são detectados até os três anos de idade. A pedagoga e publicitária contou ao MdeMulher que passou anos com a desconfiança de que havia algo a ser desvendado em seu filho e, por isso, a confirmação foi um momento de felicidade e alívio. Sua reação imediata foi dizer à psiquiatra: ‘Doutora, então agora vamos tratar do que fazer, de como cuidar disso tudo.’
Inspire-se, a seguir, com o depoimento de Ana Cíntia sobre sua trajetória com Estéfano.
“Notei que o Estéfano tinha alguma questão quando ele entrou na primeira escola. Não era problema de adaptação, mas de conteúdo. Até então, ele tinha se desenvolvido dentro dos marcos que as mães costumam comemorar e nunca notei nenhum atraso de fala, de andar, nada.
Quando ele foi para a escola, com dois anos e quatro meses, a adaptação foi normal, mas logo começou a questão com os conteúdos. Ele estava em uma escola em que 80% das aulas eram em inglês, além do ensino de matemática em frente a um tabuleiro. E, aos três anos, ele não queria, não se interessava por aquilo. A escola me chamou e pediu para eu levá-lo a um profissional para ver se estava tudo certo.
Procurei um neuropediatra conceituado e, depois de muitas horas no consultório, ele falou que o Estéfano não tinha nada. Ele disse: ‘É compreensível uma criança de três anos não querer ficar sentada aprendendo matemática na frente de um tabuleiro. Ou ele se adapta à escola ou a escola se adapta a ele ou ele tem que mudar de escola, aquela não é a escola para ele.’ Eu fiquei com aquilo na cabeça, insistindo, e ele falou: ‘Mãe, de uma vez por todas, seu filho não tem problema nenhum, nenhuma síndrome, ele é completamente normal.’
Depois dessa chamada da escola, fui pesquisar sobre autismo, e ele não se enquadrava em nada; fazia contato visual, brincava com brinquedos dando a eles as devidas utilidades, era um pouco tímido, mas se relacionava com as pessoas, tinha amigos… Tudo normal.
As pessoas começaram a falar que ele era ‘o típico filho único’: único neto, mimado, que todo mundo fazia tudo que ele queria, que o comportamento dele era típico de filho único. Nunca me conformei com isso.
Insisti mais um tempo nessa escola, ele ficou lá quase dois anos. Mas continuei com isso na cabeça, ‘essa escola não está fazendo bem para o Estéfano’. É uma escola ótima, não tenho nada contra ela. Pelo contrário, era a escola que eu tinha idealizado: ele iria pra lá e depois mudaria para algum colégio tradicional de São Paulo.
Mas isso na minha cabeça de sonhos, no meu mundinho perfeito. Tive que desconstruir tudo isso e pensar ‘é meu filho, é a felicidade dele, não o que eu quero para mim, então vamos mudá-lo de escola’. No segundo semestre de 2014, coloquei-o em uma escola sócio-construtivista, mais democrática, e ele se encantou, curtiu a escola pra caramba e está lá até hoje. A única reclamação dos professores e da equipe era alguma questão no social.
No final daquele ano, resolvi voltar ao mercado de trabalho – em comum acordo com meu então marido, eu havia parado de trabalhar quando o Estéfano nasceu, para acompanhar o desenvolvimento dele. Só que, por causa dessas questões com ele, eu havia pesquisado muito sobre métodos de ensino e o ‘bichinho da educação’ tinha me picado. Queria fazer pedagogia. Meu ex-marido me apoiou, fui estudar pedagogia.
Descobri e estudei muitas coisas. Em junho de 2015 me separei e continuei a faculdade. Me formei em 2017, fiz vários estágios em escola particular e pública, em CEI e EMEI. Na faculdade, tive muito contato com superdotação, síndromes, transtornos. Fiz muitas amizades no meio pedagógico. Uma amiga descobriu o filho autista e me aproximei mais dela, pela pedagogia e para ajudá-la também. Nessa época, fiquei sabendo de duas profissionais excelentes para indicar para ela e para outras amigas com as mesmas necessidades.
Paralelamente a isso, eu acompanhava o desenvolvimento do Estéfano na escola. Desde pequeno, ele tinha algumas características peculiares. Sempre quis saber de países, fazer contas de cabeça, aprendeu a escrever sem a minha ajuda, o português e o vocabulário dele são ótimos e perfeitos. Isso causava, na fase da alfabetização, uma certa admiração. Ele sempre foi excelente, mas as questões de sociabilização persistiam.
Não saía da minha cabeça que havia alguma coisa ali, embora os pediatras dissessem que estava tudo normal. Meu coração de mãe dizia que não. E aí teve um episódio que foi um marco, um acesso de desorganização completa para lidar com uma coisa super simples. E depois, um problema com uma amiguinha da escola: a mãe dela disse que o Estéfano estava amedrontando a garota. Minha reação foi falar pra ele esquecer essa menina; apaguei o incêndio, mas fiquei com aquilo na cabeça. Além disso, nos dois últimos anos ele tinha desenvolvido uma estereotipia de brincar com as meias e fazer barulhos com a boca, o que me deixava com aquela cisma de ‘tem alguma coisa’.
Coincidentemente, nessa época uma outra amiga me pediu indicação de psiquiatra e neuropsicóloga. Passei e, assim que desliguei o telefone, pensei: ‘Por que não levo o Estéfano a uma delas?’ Fomos à neuropsicóloga, relatei tudo e ela me falou que a gente estava em um caso ou de superdotação ou de TEA. Ela me indicou uma psiquiatra e marquei uma consulta.
Então fomos à consulta com a psiquiatra. Eu, ele e meu ex-marido. A consulta foi excelente. Meu ex-marido saiu no meio, depois que ela falou que estávamos diante de um quadro de TEA. Mas eu respirei feliz e aliviada. ‘Doutora, então agora vamos tratar do que fazer, de como cuidar disso tudo.’ Ela ainda falou: ‘Você está toda fortona agora, mas é normal que depois a ficha caia e você se desespere com isso.’
Mas não. Fiquei sete anos esperando essa resposta, então o diagnóstico de autismo me deixou feliz: agora sei ajudar meu filho.
A psiquiatra indicou uma neuroterapeuta. Como ele tem um quadro de comorbidade associado ao TEA, o TDAHI – transtorno do déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade -, também toma uma medicação na dose mínima, o que fez bem para ele.
Quando você descobre, quando finalmente há um diagnóstico, você vai para uma equipe multidisciplinar e aí realmente a vida muda. O seu olhar muda, a tratativa também. Fiquei feliz primeiro porque tenho um filho maravilhoso, e segundo porque, depois que ele foi diagnosticado, posso dar o devido tratamento para o coeficiente emocional dele se equiparar ao intelectual.
Em momento algum pensei em esconder de quem quer que fosse. Minha primeira atitude foi contar para a escola. Eles acolhem o Estéfano de uma forma brilhante, o que já é meio caminho andado. Os professores são engajados, dão espaço, voz, vão atrás das necessidades e das questões pontuais dele. A escola é menor e permite esse olhar individual, atento.
Essa acolhida da escola foi fundamental. Como estávamos no final do ano passado, decidimos que não falaríamos nada para os alunos, que deixaríamos para falar para ele e para as crianças neste ano. Aos poucos as pessoas começaram a saber: professores, minhas amigas, familiares mais próximos. Apesar de tudo, o Estéfano tem um discernimento em relação a isso que surpreende todo mundo.
A gente ainda esbarra muito na questão do preconceito, infelizmente. Velado, ou por as pessoas acharem que é mais grave do que realmente é. Inclusive, há pouco tempo terminei um relacionamento porque meu ex-namorado achava que não é o mundo que tem que se adaptar às necessidades do Estéfano, mas ele que tem que se adaptar ao mundo. Em partes eu concordo, e é justamente o trabalho que a gente faz: deixá-lo pronto para a sociedade e para a vida como ela é. Mas, enquanto isso não acontece, é preciso sim uma adaptação.
Tenho um filho maravilhoso que tem um gosto refinado, ouve Elis Regina, vê bandeiras de todos os países e sabe quais são, sabe até de países que têm sete habitantes e que eu ou você jamais imaginaríamos que existem. Mas ele tem uma desorganização social que precisa de ajuda e ajustes. E muitas vezes eu, a neuropsicóloga, a professora, a assistente da professora funcionamos como intérpretes, criando um arquivo que aos poucos ele vai acessando. ‘Ah, se acontecer isso, em vez de eu me descontrolar, posso me organizar de novo assim.’
Vejo muitas mães ou famílias que não aceitam e procuram esconder isso dos filhos, da própria criança, da sociedade, e isso é um atraso absurdo na própria aceitação da criança e no desenvolvimento dela. Durante essa minha trajetória, o que percebi é que os filhos acabam sendo troféus. Desde pequenininhos, os pais comparam – e não vou me safar dessa, não, tá? ‘Meu filho já fala tantas palavras’, ‘Meu filho andou com X meses’, ‘Meu filho já fala todas as cores em inglês’. Os pais depositam suas próprias ansiedades e expectativas nos filhos.
É difícil elaborar que não é o que você quer, mas sim do que aquela criança precisa. A forma como ela vem é única, não é para realizar suas expectativas. Quando você aceita isso de uma forma tranquila, já percorreu uma boa parte do trajeto, já tirou o preconceito de dentro de você, da família. Sua aceitação diz muito para a criança, para os profissionais envolvidos.
Eu não tenho o menor problema para falar sobre isso. Fiquei feliz com o diagnóstico porque agora estou no camiho correto para ajudá-lo. Quero proporcionar a ele um crescimento, um desenvolvimento. Que lá na frente o coeficiente emocional se equipare ao intelectual. É para isso que a gente trabalha, para isso que tem as terapias.
Tudo que a gente busca é pensando no melhor para ele, pensando na felicidade dele. Seja ele médico, advogado, o que quer que seja, que ele seja feliz. É só isso que eu quero. E é isso que sou: uma feliz mãe de um feliz autista.”