Descubra se seu amor está mais para bolero ou samba
Bolero, valsa ou samba? O jornalista e psicólogo Ruy Fernando Barboza conta como aprendeu variados ritmos do amor com as mulheres
Que ritmo dita seu romance?
Foto: Christian Parente
Houve um tempo em que os homens eram muito diferentes das mulheres. No amor, podemos dizer que eles utilizavam mais a cabeça e a pelve do que o coração. Já a mulher amava, fundamentalmente, com o coração. Muitos acreditavam que isso podia mudar (sou um deles) e dedicaram-se a estimular os homens a entrar em contato com seus sentimentos e a expressá-los. Por outro lado, alguns (pelo menos eu) também achavam que não custava nada a mulher começar a falar pela pelve.
Seria possível, então, sair daquele antigo impasse em que ele queria fazer sexo para ficar tudo bem e ela só faria sexo se estivesse tudo bem. Assim como se um estivesse dançando lambada e o outro, valsa. Mas ao entender a dança do outro, existe a opção de seguir o ritmo ou não. Então escolha a música e, aos primeiros acordes, descubra a dança.
Amor-marchinha
Ela com 16 anos, ele com 28, meus pais se conheceram num baile de Carnaval – minha mãe era a rainha da festa. O namoro seguiu entre valsas e foxtrotes. Em maio do ano seguinte se casaram, e, no outro maio, em 1943, eu nasci. Para o irmão mais velho de meu pai, meu tio Celso, o ritmo dos pés seguiu um caminho ainda mais direto: tia Ruth era sua professora de dança. Dançando, eu também comecei, nos meus 13 anos, a namorar “de verdade” – pela primeira vez, fiquei de mãos dadas e beijei uma garota. Antes disso, nos meus “namoros” anteriores, o máximo que me aconteceu foi a loirinha por quem me apaixonei dos 8 aos 11 anos, atenta ao meu olhar lânguido, mandar dizer que queria me namorar. Feliz, mas também angustiado, eu não sabia qual devia ser o próximo passo, e não houve ninguém para ensinar.
Amor-bolero
Descobri os próximos passos aos 13 anos, graças a um anjo de 15, mais alta do que eu. Luzmary era seu nome. Vendo meu olhar assustado, puxou-me pela mão garantindo que eu sabia dançar, sim. E ensinou-me o dois-pra-lá-dois-pra-cá do bolero. Que seria de mim sem o bolero? Como, sem um bolero, chorar de verdade ao sofrer a primeira traição? Ah, sim, também foi aos 13 anos. Rosa, a menina do primeiro beijo, aproveitou-se da gripe asiática que quase me matou, em 1957, para começar a sair com um senhor de 22 anos, funcionário público, apelidado Beja (sim, é claro que já tinha beijado muito mais que eu). Bolero, ritmo da dor, do desejo de vingança, seguiu sendo a minha dança, pois, além do primeiro beijo, Rosa me ensinou a fantasiar a traição em cada vulto feminino, o que fez de mim, durante muito tempo, um namorado quase insuportável, autonomeado vítima das mulheres.
Amor-ciranda
E, se o meu padrão de amor foi o bolero, qual foi o de Rosa? Vejamos. Pouco tempo depois, ela (que se tornou minha amiga) saía com o namorado da irmã. Noiva de um terceiro, com quem se casou, traiu-o com um quarto, no próprio dia do casamento, e com um quinto, igualmente traído. O amor de Rosa parecia com a ciranda de Olinda, Pernambuco. A dança não tem culpa, é claro. A ciranda é democrática e popular, começa numa grande roda, onde todos são aceitos, e essa é a beleza desse ritmo. Mas, se recomendo cuidado a quem pratica o amor-bolero, recomendo que se fuja da mulher ou do homem que dança o amor-ciranda, a menos que você goste de sofrer traição.
Amor-valsa
Esse é o tipo de amor que não faz mal a ninguém. Conheci Ivete num retiro espiritual, numa das vezes em que tentei acreditar em Deus. Bela morena, estudante de serviço social, encantou-me seu jeito bem-comportado, exatamente o que eu queria na época. Houve uma brincadeira de amigo-secreto e, no sorteio, ela caiu com um amigo meu. Troquei-a pela moça que caiu para mim, também bonita, mas muito louquinha para o meu gosto. Foi ótimo. Nos encontrávamos aos domingos na missa universitária, participávamos de um grupo de estudos da doutrina social da Igreja, eu a levava para casa de ônibus e nos acariciávamos e beijávamos discretamente. Eu gostava dela e ela de mim. Uma graça. Acho que podia até ter evoluído para um amor-fox estilo Ray Conniff – ícone de músicas de grande sucesso nos anos 50 e começo dos 60, que dançávamos alegre e compenetradamente.
Amor-frevo
Mas então fui atropelado por Elsa, o meu primeiro amor-frevo. Não pude fazer nada. Era uma reunião de política estudantil, e aqueles olhos se cruzaram com os meus. Nossos corpos quase pegaram fogo. Naquele dia tivemos de nos conter, porque tínhamos papéis importantes no trabalho. Alguns dias depois, no entanto, num ato público da Frente de Mobilização Popular (união de grupos de esquerda formada no início dos anos 60, extinta pelo regime militar), atravessei uma multidão para chegar até ela. Não por acaso, discursava Miguel Arraes, então governador de Pernambuco, a terra do frevo, quando, sem dizer palavra, peguei a mão de Elsa, puxei seu corpo comunista contra o meu corpo socialista-cristão e a abracei. Daí para a frente, foram meses de ardor continuado. Uma fervura só ou, como se diz no Nordeste, um frevo. O amor-frevo de Elsa me iniciou, em passos triunfais, nos grandes segredos do sexo.
Amor-samba e cia
Haveria muito que contar nas danças dos meus amores. Por exemplo, quanto aprendi com Francisca, que com o marido conheceu o amor-tango (aparentemente apaixonado, desafiador, valente e de passos precisos, mas muito representado, enganando a plateia) e num congresso em Cuba aprendeu o amor-rumba, solto, quente, desregrado, literalmente desbundado. Ou mesmo com Dalva, que ao longo da vida evoluiu do amor-marcha-militar – modelo dos seus pais – para o amor-marcha-fúnebre, aprendido no romance com um bruxo terapeuta no México, em visita ao Valle de los Muertos. O amor-marcha-fúnebre, silencioso e choramingante, é perfeito para quem quer curtir uma depressão. Ou também com Aline, que no primeiro encontro expôs todas as regras do relacionamento, incluída a frequência sexual – era o amor-dança-de-salão, em que tudo é marcado e previsível. Mas meu grande e, espero, definitivo aprendizado, se dá com Janine, minha atual namorada. Ela é imprevisível e seu amor alterna, com a mesma intensidade, raiva, tristeza, alegria, gritos, silêncios, sussurros, dor e prazer. Faz que vai mas não vai, ou vai, salta, sobe, desce, corre, descansa, puxa, empurra, segura, solta, chora e ri. Anima e empolga qualquer ambiente. Ainda não adivinhou? Janine é preferência nacional. Janine é o amor-samba.