Conheça as escolas que ensinam programação a crianças
E se seu filho, além de brincar com o celular, o tablet e o laptop, soubesse criar os próprios jogos e aplicativos? Essa é a proposta de educadores que defendem o ensino da linguagem dos computadores desde cedo, como forma de compreensão e modificação da realidade.
Tamires, de 13 anos, criou um aplicativo que localiza os hospitais públicos de São Paulo. Maria Clara e Arthur, de 6 anos, usaram colagem, fotos e áudio para desenvolver um jogo de tabuleiro no iPad com o qual sua turma pode aprender a sequência numérica. A cada movimento, a dupla sugere um desafio e, depois, parabeniza ou incentiva os colegas a tentar de novo. Gênios da computação? Não necessariamente. Os três são protagonistas de bons exemplos da utilização da tecnologia nas escolas, e especialmente da programação, em favor do ensino e da solução de problemas reais. É um uso que tem conquistado o mundo – na Inglaterra e em parte dos Estados Unidos, aulas sobre a linguagem dos computadores já fazem parte do currículo obrigatório – e, mais lentamente, também o Brasil. Aos poucos, a programação vem sendo encarada muito menos como um código restrito a um pequeno grupo de pessoas muito inteligentes e mais como um importante instrumento de compreensão e modificação da realidade.
“Existem dois conceitos diferentes: o aprender a programar e o programar para aprender. É este segundo que defendemos”, diz Leo Burd, pesquisador do Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, há mais de uma década. Esse paulistano trabalha no projeto Lifelong Kindergarten (em tradução livre, “Jardim da infância para a vida toda”), que tem como objetivo desenvolver tecnologia para a aprendizagem criativa. Seguindo esse conceito, foi desenvolvida por lá, em 2007, uma das principais ferramentas de ensino de programação do mundo, o Scratch. “Embora haja, sim, uma pressão para a preparação dos jovens para o mercado profissional, onde há uma série de vagas para trabalhar com tecnologia, estimulamos o programar como um instrumento que auxilie os alunos a ver o mundo de uma forma diferente”, explica ele. E é isso que os três personagens do início desta reportagem estão fazendo.
“Ensinar programação é ensinar a pensar. Trabalha raciocínio, lógica, estrutura de pensamento, construção coletiva e sua aplicação na sociedade como um todo”, defende Renata Guimarães Pastore, diretora geral de tecnologia educacional do Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo. É lá que estudam os dois amigos do joguinho dos números. Como eles, alunos dos 2 aos 17 anos têm contato próximo com a tecnologia na escola, passando da programação à robótica e até a criação de empresas nascentes de internet, as chamadas startups, já a partir dos 11 anos. “O uso da tecnologia não é paralelo, mas vinculado ao currículo escolar. Nossa preocupação é empregá-la a serviço da aprendizagem e também para resolver problemas reais que eles mesmos identificam”, explica Renata. Aos professores, treinados e constantemente orientados para tanto, cabe avaliar quais conteúdos de sala de aula podem ser aprimorados com o uso das telinhas, não importa se as fórmulas de química, a compreensão de texto ou a rotação do sistema solar.
Essa intersecção com os conteúdos convencionais é uma das práticas mais indicadas pelos especialistas. Afinal, ter uma sala de computação na escola está longe de ser o único pré-requisito para que o ensino digital aconteça. “Não adianta distribuir tablets e PCs se você não tiver um trabalho, que não é barato, de formar os alunos para que sejam jovens atuantes, e não apenas usuários das novas tecnologias”, aponta Adauto Cândido Soares, coordenador de comunicação e informação da Unesco Brasil. Para isso, é fundamental o investimento na capacitação de professores. Não se trata de simplesmente formar técnicos que saibam fazer um computador funcionar ou conheçam os caminhos básicos da internet, mas de educadores aptos a empregar a tecnologia de modo a estimular o uso inteligente e integrado das máquinas, em prol de um ensino mais instigante para uma geração que se comunica via redes sociais e tem uma infinidade de joguinhos e aplicativos ao alcance dos dedos. E aí está o grande desafio da educação de programação, especialmente no Brasil. “Apesar de a tecnologia permear toda a atividade humana hoje, a educação está sendo a última nesse processo. Muitos professores ainda preenchem à mão seus relatórios. E, se a escola não se informatizou nem administrativamente, nem na relação do professor com o diretor, como ela estará capacitada para ensinar o uso e a aplicação das novas tecnologias?”, critica Soares. Não à toa, segundo observa, a inserção digital acaba se dando mais dentro de casa, embora sem muito método nem foco, uma vez que os pais não sabem ao certo o que cobrar.
Trilíngue
O que ocorre é que eles até imaginam que seus filhos já dominam tais ferramentas. Mas a verdade é que só as usam da forma mais simples possível: para comunicação e diversão. Daí a necessidade de uma boa parceria com a escola, além de uma orientação mais próxima e eficaz dos pequenos e jovens em casa. Há sites e aplicativos pensados para ajudar nesse processo (confira no quadro à esquerda). O próprio Media Lab do MIT estuda a criação de workshops familiares para o aprendizado de computação como um método de incentivar os filhos e capacitar os pais a auxiliá-los.
“Hoje as crianças precisam não apenas ser alfabetizadas para falar português mais uma segunda língua – e o inglês é a mais frequente – como também devem receber uma alfabetização digital para que, diante das telas (computador, tablet ou celular), tenham o mínimo de conhecimento para produzir e concretizar ideias e não se tornarem vítimas dos perigos que a tecnologia oferece”, defende Daniel Cleffi, sócio da MadCode, escola voltada ao ensino de programação, robótica, games e empreendedorismo para crianças e adolescentes aberta em São Paulo no fim do ano passado. Lá, os alunos têm, em média, 12 anos e passam cerca de 90 minutos empenhados nas aulas, mas não há um consenso entre os especialistas sobre o tempo máximo ou mínimo de dedicação ao mundo digital mais aconselhável para cada idade. “Se pudesse mexer com o lápis apenas 20 minutos por semana, seria mais difícil para a criança conseguir algum progresso na escrita, não é mesmo? Só a familiaridade leva à fluência. Para que aprenda a escrever, é preciso criar uma cultura em que a escrita seja reconhecida, dar estrutura, suporte e exercícios. Com o computador, é igual”, diz Burd.
Entretanto é válido os pais se preocuparem com exageros – algo bastante comum hoje. Um parâmetro claro é avaliar se o filho está trocando a brincadeira no parquinho por mais horas sentado diante de uma tela. Aí o sinal vermelho acende. Ou se está abrindo mão de interagir com os colegas e se afastando das coisas do seu dia a dia. Até porque, tanto as habilidades motoras quanto o senso de lateralidade só são desenvolvidos correndo e mexendo o corpo inteiro. Caberá aos pais e à escola avaliar qual ajuste fino deve ser feito para criar indivíduos completos e prontos para lidar com os desafios modernos (físicos e virtuais). “Espero formar pessoas que entendam que a realidade é mutável, e mutável pelas próprias mãos. E que vejam a tecnologia como um dos instrumentos existentes para isso. Afinal, precisamos muito mexer na programação do mundo”, incentiva Lucas Rocha, coordenador de projetos da Fundação Lemann.
Bom começo
Criado pelo grupo Lifelong Kindergarten do Media Lab do MIT, sob direção do pesquisador americano Mitchel Resnick, o Scratch soma 5,5 milhões de usuários em 150 países – só no Brasil são quase 130 mil. É oferecido em 40 idiomas, incluindo o português. Gratuito, foi pensado para jovens na faixa dos 8 aos 16 anos, embora seja usado até no curso de introdução à computação da gradução de Harvard. “Seu público-alvo é quem está alfabetizado e tem uma visão de mundo um pouco mais independente, troca bem em grupo e já desenvolveu sua expressão pessoal”, descreve o brasileiro Leo Burd, que trabalha no time de Resnick. A ferramenta pode ser acessada ou baixada pelo site scratch.mit.edu. Desde o fim do ano passado, ganhou também uma versão para tablets, o ScratchJr, que atende uma faixa etária mais nova. Na plataforma, a linguagem dos códigos é ensinada de forma intuitiva, com o arrastar pela tela de blocos de comando, como andar, virar para a direita, virar para a esquerda. Alguns cenários e personagens já vêm prontos, mas as crianças podem começar do zero também. “Incentivamos o reconhecimento dos projetos e de quanto eles podem inspirar novas ideias. Por isso, estimulamos a cópia”, diz Burd. “Afinal, os projetos estão publicados no site, sempre com referências de sua origem, para que outras pessoas brinquem com o que já foi feito e criem em cima do que existe.”