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Como o hábito de leitura fortalece o vínculo entre pais e filhos

Contar histórias é muito mais do que abrir um livro. Estimula a criatividade das crianças e o hábito da leitura, fortalece o vínculo entre pais e filhos e faz uma pausa agradável no dia a dia corrido das famílias.

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 22 out 2016, 15h53 - Publicado em 6 jun 2014, 22h00
Mariana Perri
Mariana Perri (/)
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Foto: Getty Images

Uma página repleta de letras e cores, para você, pode ser só uma página repleta de letras e cores. Mas, para a criança, aquele pedaço de papel traz um novo mundo, cheio de possibilidades. Ainda dentro da barriga da mãe, o bebê aprende a diferenciar a voz dos pais e começa a criar um vínculo que só vai se fortalecer com o passar dos anos. A partir do sexto mês, o pequeno pode ser apresentado aos livros cartonados, de tecido ou de plástico para que possa tocar, cheirar e manusear. “Nessa apresentação, é importante que os pais nomeiem as figuras e emitam os sons dos animais, por exemplo, já que a sonoridade, a repetição e a melodia do que é dito atraem e envolvem os bebês”, conta Bel Linares, psicóloga e autora de livros infantis, de São Paulo.

O uso de recursos como diferentes tons de voz e gestos, nesses primeiros meses de vida, estimula a formação de imagens na tela mental da criança. Elaine Cristina Gomes, mestranda em literatura e crítica literária e docente do curso de contação de histórias do Senac, explica que, por ser um momento prazeroso, traz segurança, desenvolve a criatividade e amplia o repertório visual e imagético do bebê.

Outro benefício da contação nessa fase é dar o pontapé inicial no estímulo à leitura. É essencial criar um ambiente no qual a criança associe os livros e as histórias a momentos divertidos, cheios de novidades, ao lado dos pais ou daqueles de quem gosta. “Ler para o filho de 4, 6 meses de vida, quando ele ainda não entende a palavra, é valioso também porque é um ritual, que tem o acolhimento no colo, o estar junto”, reforça a contadora de histórias e autora de livros Kiara Terra, de São Paulo.

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Até os 2 anos, a atenção dos pequenos é voltada para as ilustrações e também para a interpretação que o contador faz da história. A paulistana Tatiana Filinto, psicanalista e também autora de livros infantis, afirma que, desde o começo, os pais devem dar total liberdade para a criança se movimentar, questionar e aproveitar a leitura da maneira que ela preferir.

Entre 3 e 4 anos, o pequeno passa a entender os enredos e entra em uma nova fase, na qual as histórias serão auxiliares de seu desenvolvimento cognitivo e emocional. Por meio da contação, ele poderá entrar em contato com a cultura, as regras de convivência, a diversidade de indivíduos e de posturas diante de várias situações. E o melhor, segundo a psicanalista Diana Lichtenstein Corso, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA), é que tudo isso poderá ser transmitido dentro do mundo da fantasia, e não dos ensinamentos.

Upgrade no desenvolvimento

Durante os primeiros anos, a criança está aprendendo não só a falar, adquirir coordenação motora ou andar mas também a desenvolver as aptidões necessárias para lidar com novos sentimentos, como ciúme, alegria ou raiva. Por meio das histórias, lendas, parlendas, cantigas, poesias e dos contos tradicionais e atuais, ela poderá ser mobilizada por aquela narrativa pela empatia despertada pelo personagem. “Essa simbologia da história gera uma reflexão para a criança e estimula seu desenvolvimento emocional. Por isso, a importância de procurar livros cuja classificação seja adequada à idade do filho”, orienta Daniella de Faria, psicóloga infantil, de São Paulo. “A criança que ouve histórias se torna mais crítica, questionadora e curiosa não só durante a leitura mas também em outras situações”, completa Elaine.

No livro O Valor Terapêutico de Contar Histórias, Margot Sunderland afirmaque, as crianças expressam os sentimentos pela imagem e pela metáfora, como nas histórias e nos sonhos, e não pela linguagem usada no cotidiano. Durante a contação, fazem associações com fatos vivenciados por elas,que não necessariamente são parte daquela narrativa. Tatiana explica queo texto passa a ter um novo significado para o leitor – além daquele queestá escrito – assim que ele é lido pelo narrador. O adulto tem que estar aberto para acolher essas interferências positivas dos pequenos. “Isso mostra quão envolvidos eles estão e quantas relações pertinentes estão surgindo com base naquela história”, reforça Bel Linares.

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Reunião familiar

Seja antes de dormir, seja na hora de acordar, não importa: o momento da leitura de histórias aumenta o vínculo dos pais com os filhos e traz encantamento aos pequenos. E pode ficar na memória para sempre. A arquiteta e urbanista Helena Nosek, de São Paulo, conta histórias diariamente para os filhos Sofia, 9 anos, e Antonio, 7 anos, desde que eles nasceram. “Eu acho esse ritual muito importante para transmitir repertório emocional e de conteúdo para as crianças, mas, sobretudo, porque é um momento de carinho e afeto que se repete todos os dias. Um momento emque estamos juntinhos e que eles reconhecem como parte da rotina”, diz Helena. “Percebo claramente os benefícios que esse hábito traz às crianças. Meus dois filhos se expressam muito bem verbalmente e têm uma consciência impressionante de seus sentimentos.” A preparação para a contação de histórias deve ser feita pelos pais e também pelas crianças, deixando o ambiente bem calmo. Só não vale se obrigar a manter o ritual quando não está no clima. “A leitura tem que ser um prazer para todos os envolvidos, e os pais precisam estar preparados para lidar com os questionamentos que surgirem com a interpretação dos pequenos”, diz Tatiana.

Até mesmo quando a criança é maior e já está na fase de alfabetização, vale a pena ler histórias em voz alta. Bel Linares afirma que ela não precisa estar atenta à leitura ou ao entendimento do texto para tornar a ocasião especial. “A apresentação do enredo se torna particular com o tom e o foco do pai ou da mãe, um momento único da relação da criança com seus familiares.”

Quando a intenção é ler uma história para ajudar a criança a lidar melhor com uma situação específica, como a chegada de um irmão ou a separação dos pais, o ideal é buscar uma hora de tranquilidade, quando o narrador sabe que terá a atenção do pequeno. Se a leitura é um hábito, mantenha a rotina; senão, reserve um momento sem distrações. Dar um tempo para quea criança se demore em ilustrações específicas ou conversar depois de determinada parte também é válido.

Diana destaca que é importante separar a hora da leitura de histórias edificantes daquela de narrativas fantásticas. “As fábulas foram criadas com esse objetivo; elas são um ensinamento, e não contação de histórias. Na contação, o pequeno gosta sem saber, o inconsciente do narrador e o da criança se comunicam, e o aprendizado é muito superior a uma mensagem específica.” É nesse instante de sonhos e fantasia que o inconsciente dos pequenos elabora emoções que curam e fazem crescer sem que nem os pais nem os filhos se deem conta.

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Margot Sunderland mostra, em sua obra, que a repetição das histórias também é fundamental e não deve ser repreendida. É assim que a criança se apropria da narrativa e faz relações com situações que esteja vivendo.

O que contar

Os pais e os pequenos ouvintes não precisam estabelecer um padrão na hora de escolher a história da vez. Mas deve-se levar em conta que os bebês, nos dois primeiros anos de vida, são conquistados com livros cheios de figuras. Já os maiores procuram enredos simples e ilustrações quepermitam a criação de uma nova narrativa. Mundos fantásticos, contos de fadas, histórias clássicas, poesias, enfim, todos os gêneros literários podem e devem ser apresentados aos pequenos sem restrições.

Narrativas que exijam modulação de voz dos pais, mas que sejam curtas, são indicadas para crianças de 3 a 5 anos. Até essa idade também é importante que os adultos busquem tramas que mexam com a imaginação e tragam soluções otimistas, o clássico “final feliz”. Daí para a frente, deixe a criança escolher a obra que deseja ouvir e passe a entregar o livro paraque ela mesma leia. Ainda que a alfabetização não esteja completa, existem livros com letras maiores e de fácil entendimento para estimular a leitura. Fique atento apenas a questões linguísticas no momento da leitura. Por exemplo, ler um trava-língua para uma criança que está adquirindo a fala não é recomendado, já que apresenta trocas fonéticas que podem confundir.

Na prateleira ou na cachola

Os pais também podem desenvolver a capacidade de criar histórias, trazendo a narrativa para o mundo particular em que vivem. “Isso aproxima ainda mais pais e filhos, que se apropriam da história contada”, afirma Elaine. Quando é a criança que vai criar a história, objetos e bonecos podem ajudar. Nessa hora, os pais devem ficar atentos a repetições de tramas – o que pode indicar que o pequeno está exteriorizando seus medos ou suas angústias por meio do personagem que criou. “A criança irá utilizar as referências que tem, como heróis ou princesas, para falar sobre o ambiente de interesses que vive”, explica Daniella.

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Se a imaginação falhar na hora da contação, os pais podem começar a elaborar tramas sobre a própria infância. “Contar quem você é e de onde veio é importante para a formação da criança e a sensação de pertencimento ao mundo”, afirma Kiara. “O essencial hoje é que os pais procurem criar raízes por meio dessa troca, criar um eixo de gerações, algoque se perdeu ao longo do tempo”, finaliza Tatiana.

Os clássicos e as histórias novas

Os contos de fadas são famosos e clássicos por um motivo muito simples: eles são boas histórias que foram transformadas em narrativas e passadas de geração em geração de forma oral. “Charles Perrault e os irmãos Grimm compilaram e organizaram histórias que conhecemos até hoje, como Chapeuzinho Vermelho, e que falam sobre coisas que precisamos contar para as crianças”, diz Diana Corso, autora do livro Fadas no Divã. Além disso, essas narrativas são tão clássicas que se transformam ao longo do tempo sem perder a sua essência, criando um elo entre as gerações. “É um assunto comum entre a criança e a avó, a tia, a professora da escola. Esses contos são uma linguagem universal da fantasia”, afirma a psicanalista. “A ficção necessária e boa é aquela que respeita a inteligência e as emoções da criança, seja na literatura, no cinema, seja nos quadrinhos – o importante é ter permissão para fantasiar!”
 

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