Como agir ao ver uma criança em risco, agredida ou abusada pela família?
Há vários mecanismos legais de fácil acesso, e se omitir pode ser até crime em alguns casos.
Infelizmente, não são poucos os casos de crianças agredidas e abusadas pela família ou em situações em que o risco de isso acontecer é considerado obviamente muito grande por quem está por perto. Uma história que mexeu com o Brasil foi o do menino Bernardo Boldrini, morto em abril de 2014 pela madrasta e por uma amiga dela, com a cumplicidade do pai do garoto e do irmão dessa amiga, no Rio Grande do Sul. O julgamento foi encerrado e as sentenças, anunciadas apenas em março de 2019.
Uma rede de familiares e amigos ao redor de Bernardo não foi capaz de impedir que o crime bárbaro fosse cometido, embora todos os mecanismos legais estivessem à disposição e tenham inclusive sido acionados por algumas das pessoas.
“Há certos comportamentos humanos impossíveis de serem previstos. Nenhum delegado, nenhum assistente social poderia imaginar que o pai do menino e as outras pessoas fossem fazer aquilo, e mesmo os testemunhos do Bernardo acabavam sendo inconsistentes. É o imponderável”, afirma Charles Bicca, advogado especialista em direito da família, autor do livro “Abandono Afetivo – O dever do cuidado e a responsabilidade civil por abandono de filhos” e coautor do livro “Pedofilia – Repressão aos crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes”.
Imprevisível ou não, é impossível não ficar o questionamento na cabeça de quem acompanhou o caso e gostaria de pelo menos tentar impedir que algo semelhante ocorresse: o que fazer ao ver uma criança correndo riscos ou sendo vítima de agressões e/ou abusos por parte dos familiares ou de pessoas muito próximas?
Charles e a advogada Luiza Valeri, especialista em direito de família e mediação de conflitos no escritório Machado Rodante Advocacia, nos ensinaram o caminho. Vem com a gente!
Disque 100: a primeira denúncia de maus-tratos infantis pode ser por telefone
Qualquer pessoa, mesmo sem grau de parentesco ou proximidade com a família – um vizinho, por exemplo –, pode e deve denunciar situações de risco ou de agressão e/ou abuso sofridas por crianças e adolescentes.
De acordo com o artigo 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90), inclusive, é crime “deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente”. A pena é multa de três a vinte salários de referência – pena esta que dobra em caso de reincidência.
O primeiro passo pode ser dado por telefone, por meio do Disque 100, o disque-denúncia. As ligações são completamente sigilosas e a identidade de quem denuncia não é revelada em hipótese alguma. O número vale para todo o território brasileiro.
A partir da denúncia, o caso é encaminhado em até 24 horas para as autoridades competentes, que normalmente são o Conselho Tutelar ou o Ministério Público.
A denúncia de maus-tratos infantis pode ser feita presencialmente também
Se você achar que por telefone, com a carência de 24 horas, estará perdendo tempo, pode ir pessoalmente até o Conselho Tutelar mais próximo. Outra alternativa é ir até uma Delegacia de Polícia, que também deve aceitar denúncias e poderá encaminhar o caso da mesma forma que o Disque 100.
E se a situação de perigo for com uma criança completamente desconhecida?
As denúncias também são aceitas. Uma situação triste e bastante comum é ver crianças ou adolescentes sendo assediadas ou submetidas à prostituição em restaurantes, lanchonetes e postos de combustíveis de rodovias. Nestes casos, você pode acionar a Polícia Rodoviária Federal pelo número de emergência 191.
O que ocorre depois das denúncias de maus-tratos infantis?
As autoridades competentes tomarão as providências necessárias para garantir a integridade da criança ou do adolescente depois de analisarem cada situação. Dependendo da gravidade da situação, pode ser pedido o acompanhamento psicológico da família, o afastamento da vítima dos pais ou parentes que estiverem causando problemas e até a perda da guarda.
De toda forma, fica um lembrete final: você NUNCA deve entrar na casa ou apartamento em que a criança estiver para tentar salvá-la – esta tarefa cabe às autoridades. Se você fizer isso, pode ser indiciada por invasão de domicílio e prejudicar a atenção à proteção da criança. Sua parte é denunciar e, se possível, acompanhar o desenrolar da questão e testemunhar se for chamada.