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Coluna da Liliane Prata: “Você não parece uma mulher casada”

Nossa editora Liliane Prata conta como passou a lidar internamente com o comentário que ouve com alguma frequência

Por Liliane Prata
Atualizado em 28 out 2016, 21h50 - Publicado em 25 Maio 2016, 17h20

Uma coisa que escuto desde que me tornei mãe é que eu não pareço mãe. Como todas as minhas amigas que são mães costumam ouvir a mesma coisa, concluo que os tempos mudaram, mas que aquela imagem materna tradicional continua muito cristalizada na mente das pessoas – estou generalizando, claro. De qualquer modo, se você é mãe e ouve essa frase, “você não tem cara de mãe”, provavelmente  a toma como um elogio: “não ter cara de mãe” geralmente quer dizer que você se cuida e que faz coisas legais – você não fica só em função do seu filho o dia todo, você fala de outras coisas, pensa em outras coisas etc. Eu também costumo levar “você não tem cara de mãe” como um elogio. Mas quando ouvi pela primeira vez um “você não parece uma mulher casada”, aquilo me soou meio desconfortável.

Eu estava com meu atual marido havia no máximo uns dois anos. Não uso aliança, mas dado que durmo e acordo com o mesmo homem todo dia, deixo café para ele na garrafa antes de sair, telefono e mando mensagem mais para ele do que para todos os meus amigos juntos e ele é a única pessoa, além da minha filha, que eu me preocupo em saber se comeu direito no almoço/se vai comer direito no jantar, eu me sinto supercasada. Naquela época, então, ele era a única pessoa para quem eu perguntava se tinha comido muita gordura saturada. Eu ainda visitava a família dele sem ele! Poxa, eu me sentia casadíssima.

Bom, eu estava no café de uma livraria perto de casa, lendo tranquila, lembro bem, uma graphic novel. Era um sábado ou domingo – era fim de semana. O dia estava bonito, eu estava a fim de sair de casa e o meu marido, de ficar em casa – algo que sempre acontece entre a gente. Dali a pouco, eu sairia do café e iria ao cinema, a uma quadra dali, ver o que estava passando. E então encontrei uma conhecida acompanhada do namorado. Ela parou na minha mesa, nos cumprimentamos e ela perguntou do meu marido.

Eu: ele tá em casa.
Ela: ah… Mas tá tudo bem?
Eu: hã? Tá, ué, ele tá em casa, eu vou ao cinema daqui a pouco e vou voltar para casa.
Ela: ah, tá…

Parece que o (estranho) assunto ia acabar ali, mas então ela emendou, meio rindo, meio franzindo as sobrancelhas:

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Ela: ah, Lili… Você não parece uma mulher casada.

Naquele tempo, eu ainda dava atenção demais à leitura que as pessoas fazem da minha vida. Acho que eu era mais vulnerável à opinião alheia do que sou hoje porque ainda não tinha entendido algo simples: que, entre decisões e acasos, cada um constrói a sua existência de modo muito singular e que os outros pensam o que quiserem pensar, a partir de suas referências, personalidade, experiências, visão de mundo, signo, ascendente e sei lá mais o quê. Então, para minha total perda de tempo, eu me ofendi. Eu entendi na fala dela o seguinte: que “ser casada” e “não parecer uma mulher casada” era um desencaixe. Tentei não pensar mais naquilo e seguir minha programação solitária, mas fiquei meio triste. No fim, acabei indo ao cinema com uma amiga, mas era estranho igual, não era? Era sábado (ou domingo), e eu ali, e meu marido em casa… Eu era uma pessoa estranha, não era?

Eu ouviria aquele comentário outras vezes ao longo do meu casamento e fui me acostumando. No dia em que cheguei da maternidade e deixei minha bebê com meu marido e minha mãe e fui tomar um café a três quadras de casa, a atendente do café estranhou – ela sabia que, dias antes, eu estava para dar à luz. Estava na cara que ela achava meio desnaturado eu deixar minha filha recém-nascida e ir sozinha tomar um café. Mas, naquele dia, não liguei muito. Em outras ocasiões depois daquela, eu ligaria um pouco – sabe como é, não somos robôs, nossas mudanças não são lineares e recaídas fazem parte de qualquer aprendizado emocional. Mas o fato é que fui ligando cada vez menos. Dependendo do dia, confesso, acho até legal – aquela vaidade simpática e meio patética, mas inofensiva, do tipo “ai, sou tão diferente/tão maluquinha, né”. Mas o mais comum é que eu não ache nada e siga sendo o que sou – o jeito mais confortável de seguir, afinal de contas, certo?

Meu marido é bem parecido comigo nessa questão de gostar de ficar sozinho, fazendo as coisas dele, então nunca foi de me fazer cobranças. Minha família, bem, eles já se acostumaram (na verdade, meu pai sempre fez ainda mais questão do que eu de preservar sua individualidade  eu o puxei nesse aspecto). Quem me cobrava eram as pessoas de que eu nem sabia o nome direito. E, claro, um lado meu que, vulnerável e com necessidade de aprovação de todo mundo (algo que a gente sabe que é impossível, mas…), fazia coro àqueles comentários.

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Fazia tempo que eu não pensava em tudo isso. Mas hoje, conversando com meu marido, lembramos de um conhecido nosso que não gosta de arroz. Você conhece alguém que não gosta de arroz? Eu só conheço esse cara. Não é que ele não goste de arroz: ele odeia arroz, ele tem uma verdadeira questão com arroz. Ele come feijão puro!

Se existe alguém que não gosta de arroz… Pelo amor de Deus, de arroz... Como, algum dia, pensei que todos os casamentos pudessem seguir o mesmo modelo e eu estava “errada”? Como diabos todas as pessoas casadas teriam a mesma cara?

Cada um que viva, à sua maneira, com seu estômago, coração e relações.

Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve sua coluna aqui no site toda quarta-feira. para falar com ela, clique aqui!

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