Coluna da Liliane Prata: A estabilidade amorosa é uma ilusão
Amar é uma delícia, e há casais que seguem felizes até o fim da vida. Mas mudanças de rota fazem parte do cenário conjugal, e os iludidos são os que mais sofrem quando isso acontece
Recentemente, em um intervalo de algumas semanas, assisti a dois filmes bem interessantes sobre relacionamentos amorosos: o americano 6 anos e o britânico 45 anos. As semelhanças vão além do título: ambos são dramas sobre casais que, após um bom tempo juntos – 6 e, uau, 45 anos –, sentem a estabilidade ruir de uma hora para outra. No primeiro filme, o jovem começa a ser invadido por uma natural, mas intrometida vontade de ter novas experiências, que culmina numa traição, logo descoberta pela parceira. No segundo, chega a notícia de que o corpo da ex-namorada do marido, morta décadas antes em um acidente nos Alpes, foi encontrado, o que traz à tona um segredo que sacode os pilares da sólida união. Eu usei a palavra “sólida”? Bem, nada é tão sólido assim, ainda mais quando estamos falando de relações amorosas – como os dois filmes, cada um à sua maneira, mostram muito bem.
Entre jantares e planos para o feriado, entre risadas na casa dos amigos ou na cama, os casais vão construindo um ambiente protegido do mundo lá fora. É uma parte gostosa de estar há muito tempo com alguém: claro, há conflitos, mas a rotina pode ser previsível até no que diz respeito aos desentendimentos – os mesmos temas costumam visitar as discussões, as mesmas reações de um e de outro mantêm a temperatura daquele ambiente agradavelmente familiar. E, se você der sorte, como os casais dos filmes, os conflitos serão raros, e o que dará a tônica da convivência serão os encontros, a ternura.
Mas, então, o novo surge. E, como é de costume, sem avisar, ou avisando muito em cima da hora – a antecedência dificilmente é razoável quando se trata de alterar a dinâmica de um casal feliz.
Estava tudo bem, mas, aí, a gente se interessou por outra pessoa. Ou ele não sabe mais o que está sentindo. De repente, sentimos que precisamos de espaço. Ou estava tudo lindamente planejado para ter um filho e o médico disse que, infelizmente, não será possível. Ou, quem sabe, apareceu uma transferência para outra cidade, e não se sabe o que fazer dali em diante. Não saber o que fazer dali em diante: esse é o problema. Como aceitar que nosso desejo, que parecia tão eterno, mudou? Como digerir o que o outro falou? Como se agarrar ao porto seguro de sempre, quando nem mais o enxergamos lá?
Tenho a sensação de que, na vida, já nos acostumamos ao fato de que, no fundo, estamos tateando no escuro: sabemos que vamos morrer um dia e só essa certeza já reveste nossos dias de uma instabilidade implícita. Entendemos que nossa vida está hoje de um jeito e amanhã de outro, planejamos comprar uma casa de campo, usamos expressões como “o mundo dá voltas”. Mas, quando se trata de relacionamentos, parece que uma parte nossa se recusa a aceitar a instabilidade inerente à coisa toda. Não gostamos do tédio, mas, ao mesmo tempo, queremos que, na nossa casa, tudo siga do mesmo jeito de sempre. No altar, juramos estar juntos na saúde e na doença; para a moça do plano de saúde, falamos em “união estável”. Mas, numa existência em fluxo contínuo, como falar em estabilidade?
Melhor, mesmo, seria nos prepararmos não para o pior, mas para o novo. Porque, se, na vida, a morte é uma certeza, nos relacionamentos é o novo aquele convidado que já confirmou a presença. Com divórcio ou não, ele estará lá, pronto para nos devorar – ou para ser acolhido, passado o susto inicial.
Dentro ou fora de casa, a estabilidade é uma ilusão. E os iludidos são os que mais sofrem e se revoltam quando uma nova realidade se impõe. É bom lembrar que, na vida a dois, o novo sempre chega, seja na forma de um rompimento, uma surpresa ou um recomeço. Mas sempre chega.
Ganham aqueles que conseguem recebê-lo com certa leveza.