Ativista recolhe relatos das humilhações sofridas por domésticas
“Precisava comer no trabalho, mas não era permitido. Pediram para eu levar minha comida e meus talheres”, relembra Joyce Fernandes.
“Estava em casa fazendo um balanço da vida quando decidi revelar minha experiência como doméstica”, diz a santista Joyce Fernandes, 31 anos, professora de história. Quem se interessaria? Choveram seguidores assim que, em julho passado, começou a publicar, em suas redes, posts sobre seus sete anos de experiência usando a hashtag #EuEmpregadaDoméstica. “Fui contratada como cozinheira e não recebia vale-alimentação. Precisava comer no trabalho, mas não era permitido. Pediram que eu levasse minha comida e meus talheres”, lembra.
Era daí que tirava o sustento, como fazem 5,8 milhões de trabalhadoras do lar – a maior categoria profissional feminina do país. Em menos de 24 horas, depoimentos inundaram suas redes sociais. Os abusos se repetem mesmo depois da sanção, em 2015, da lei que dá a elas direitos idênticos aos de qualquer profissional (intervalo para refeição, adicional noturno, FGTS, além de carteira assinada, férias e INSS).
Humilhação, opressão racial, assédio moral e sexual ainda ocorrem em casas de família. O pior: a maioria das mulheres acreditava estar sozinha ou que ser subjugada era algo normal para quem ocupa o quartinho do fundo. “É uma herança da escravidão”, argumenta Joyce. “Alguns patrões mantêm a ideia de que seus funcionários são propriedade privada.”
Ela então batizou uma página no Facebook com a hashtag – hoje com 127 mil seguidores e 4 mil histórias – e deseja, com esse movimento, honrar sua mãe e sua avó, domésticas, além de encorajar outras a buscar seus direitos. Joyce não se restringe ao digital. No palco, assume a rapper Preta Rara e provoca catarses ao cantar as sagas que tem ouvido. “Se as dores não forem transformadas, continuaremos a morrer um pouco por dia.”