A escola paulista desafia o governo e mostra: ela tem rosto, corpo e espírito
Meninas e meninos tiraram os colégios públicos das páginas policias e estão dando um banho de cidadania
A ocupação de quase 70 escolas públicas do Estado de São Paulo por alunos revelou muitas coisas. A primeira delas: a força estudantil forçou o governador Alckmin a suspender, temporariamente, seu plano de reorganizar a rede estadual de ensino e a abrir o debate – caminho que deveria ter sido tomado desde o começo. Agora, estudantes, pais, professores e a comunidade vão opinar. Maluquice (e irresponsabilidade) seria fechar 92 estabelecimentos e fazer 300 mil jovens perderem a conexão com suas escolas, indo parar noutro colégio com o qual não têm identidade. A via do diálogo apontará a melhor solução para a educação paulista.
O outro lado do movimento liderado por meninos e meninas de 13 a 16 anos é este: os filhos da escola pública paulista têm rosto e coisas importantes a dizer. Eles acabam de provar que a escola está viva. Não é um poço fundo de desesperança. Até 15 dias atrás, ela frequentava a página policial – com a mídia participando ativamente na construção da imagem negativa. Só eram noticiadas depredações, alunos batendo em professores, adolescentes portando armas de fogo e facas, praticando sexo com colegas no banheiro, bullying em sala de aula, tráfico de drogas na porta. E a população via a pública como um celeiro de gente incapaz de chegar às boas universidades, educada por profissionais despreparados, desatualizados e sem vocação.
No episódio, conhecemos estudantes que discursaram sobre seus direitos, de forma clara. Explicaram os documentos para protocolar na Defensoria Pública, os argumentos políticos que queriam apresentar ao governo, ao conselho tutelar. Falavam da expectativa que faziam da Justiça, sobre a liminar de reintegração de posse. E sabem o que é uma reintegração de posse: “O governo não pode nos tirar da escola que é a nossa casa. Para devolvê-la a quem? De quem é a posse?”, questionou uma garota. Outra estudante corrigiu um repórter que se referiu à permanência dos alunos nas instituições como invasão: “Não é uma invasão. É uma ocupação”.
E demonstraram senso de organização. Até agora (20/11) as ocupações seguem autogeridas, com apoio de professor. São os jovens que cozinham ou administram as marmitas que são doadas a eles. Há grupos que respondem pela comunicação com a sociedade, como na página do Facebook intitulada “Não fechem a minha escola”, com mais de 60 mil curtidas e onde se vê a foto que ilustra esta coluna. Os estudantes limpam, separam os grupos em dormitórios improvisados, e de maneira ordeira – seus pais se orgulham disso. E quantas declarações de amor ouvimos dos alunos ao colégio, aos colegas, às crianças que frequentam as sérias iniciais – que têm a oportunidade de aprender com o episódio. Foram divulgadas nas redes sociais ou TV frases de amor também àqueles mestres que – voz corrente – não inspiravam mais seus alunos. Lorota: Com quem os estudantes estão aprendendo tudo isso? O que têm lido e por sugestão de quem? Como estão sendo formados esses garotos que, pacificamente, promovem uma revolução no sistema público de ensino paulista?
Tenho ao meu lado, na redação de CLAUDIA, uma cria do ensino público. Luara Calvi Anic, editora, acaba de se formar jornalista na PUC. Tive a honra de participar da banca que discutiu com ela o seu trabalho de final de curso. Luara saiu com 10. Durante 9 anos acompanhou a rica história de uma brasileira muito especial e sobre ela escreveu um belíssimo livro-reportagem que, em breve, será publicado. O que Luara diz: “A escola pública me trouxe a possibilidade de conviver com colegas de diferentes origens, crenças e níveis sociais, o que me permitiu uma compreensão maior do meu país. Há uma ideia de que a escola pública é o pior dos mundos. Vendo a movimentação desses alunos, nas ocupações, concluo que bobos eles não são. Eu, filha da escola pública, sou a prova de que é possível ter uma ótima formação nesse ambiente. Mas isso também depende do aluno e dos pais. Eles devem se envolver com a escola, fiscalizar o que ela oferece. Apesar de toda a negligência do país, cabe a nós frequentar o que é nosso. Estando ali, podemos cobrar. E também trabalhar para que a escola – um direito – se transforme em local adequado para a educação das crianças de hoje e dos nossos filhos, no futuro”. Luara e milhares e milhares de outros paulistas são o exemplo de que a escola pública não é o poço da desesperança.
Governador Alckmin, uma sugestão: não perca tempo fazendo projetos sem antes ouvir essa garotada que está hoje, organizadamente, nos dando uma lição do que seja espírito público.