8 dúvidas sobre a educação bilíngue respondidas
Por necessidade da família ou para facilitar a vida no futuro, há cada vez mais crianças que aprendem a falar outros idiomas desde as primeiras palavras
“Ô mãe, can I play solo un poquito?” O pedido é de Gabriela, 4 anos, misturando do jeito mais fofo o português, o inglês e o espanhol. Ela hoje vive no México com a mãe, o pai e as irmãs Isabella, de 6 anos, e Julianna, 1. No ano passado, o marido deDaniela Torres, 35, que trabalha em uma empresa de bebidas, foi transferido para os Estados Unidos e depois para o México em menos deum ano. Isso fez com que ela buscasse escolas internacionais para que as filhas seguissem estudando sobre uma base que seria igual nos dois países.
“Nos Estados Unidos, onde ficamos oito meses, as meninas se adaptaram incrivelmente bem, em pouco tempo já estavam brincando entre elas em inglês, mesmo a gente falando só em português em casa. Aqui, no México, a Bibi (Gabriela) tem sofrido um pouco por estar em uma escola só em espanhol, mais perto de casa. Mas eu sei que isso é uma fase e que a fluência nos três idiomas ela levará para sempre”, diz Daniela.
No caso da família de Daniela, inserir outro idioma na vida das meninas foi uma necessidade, mas há cada vez mais pais que procuram escolas com ensino bilíngue desde a educação infantil. A ideia é facilitar a vida do filho, que já vai ter uma segunda língua como natural desde sempre, e não faltam estudos mostrando que, com esse aprendizado precoce, o cérebro se desenvolve de um jeito especial, tornando as crianças mais tolerantes com as diferenças, com outras culturas e também mais sociáveis. Mas também são muitas as dúvidas para decidir se esse é o melhor caminho. A seguir, confira as mais frequentes.
1. Eles não vão confundir os dois idiomas?
No começo do aprendizado é normal que ocorram confusões. Quando a criança está aprendendo a falar e a se expressar, ela comete erros, troca letras, sons e sílabas, seja em um esquema monolíngue, bilíngue ou multilíngue. “Durante a alfabetização, por exemplo, pode ser que o aluno escreva `relógio¿ com H, pois em inglês algumas palavras, como `hero¿, têm o mesmo som”, explica a pedagoga Débora Zmekhol, especialista em educação bilíngue. Mas depois isso vai se acertando naturalmente e a criança aprende em que contexto deverá usar cada um dos idiomas. Como a gente, adulto, que sabe que precisa usar uma linguagem mais formal em um texto de trabalho e outra mais descontraída quando escreve para os amigos.
2. Tem idade certa para começar a segunda língua?
Não há limite de idade para se aprender um idioma nem depois de adulto, é um processo sempre benéfico para o cérebro. Quanto mais cedo, mais natural é o caminho, por isso tantas escolas oferecem o segundo ou terceiro idioma desde a educação infantil. Para a criança que entra em uma escola bilíngue mais tarde, vinda de um sistema monolíngue, é preciso ter mais atenção com relação à adaptação. Foi o que ocorreu com Luca, 6 anos, quando seus pais se mudaram da capital para o interior deSão Paulo. “Eu era contra as escolas bilíngues, pois achava que era depositar uma expectativa grande demais nos ombros da criança, de ela se sair bem, estar preparada para experiências futuras, sendo que na verdade ela precisa mesmo é brincar. Mas, quando nos mudamos, me encantei com a proposta pedagógica da escola e conversei com a coordenação sobre o que fazer para o Luca não se sentir deslocado da turma. A sugestão foi de que ele refizesse o último ano da educação infantil, para conseguir acompanhar. E ele está adorando e se saindo muito bem”, diz a empresária Mônica Luz, 36, que também é mãe deFilippo, de 4 meses, e com ele pretende fazer o processo bilíngue desde o início.
3. Se ninguém fala o idioma em casa, isso impede a escola bilíngue de funcionar?
Ter alguém em casa que fale fluentemente o segundo idioma escolhido para ser estudado na escola não é fundamental. Mas é importante que o aprendizado não se restrinja à escola, não só para fixar e usar o idioma na prática, mas porque aprender uma língua é uma coisa constante. “Tivemos uma aluna cujos pais não falavam nada de inglês e ela passou no teste que aplicamos com 95% de aproveitamento”, explica a educadora norte-americana Sarah Oatney Weiler, assistente da direção da Escola Stance Dual, em São Paulo. Ela própria, inclusive, tem seus filhos educados em dois idiomas, já que é casada com um brasileiro e mãe detrês meninas entre 11 anos e 7 meses. “Elas falam comigo em inglês e com o pai em português com a maior naturalidade.”
4. E um terceiro idioma? Quando pode ser inserido?
Há escolas que já oferecem um sistema trilíngue, que, além do português e do inglês dá aulas de espanhol, alemão, francês e até chinês para as crianças. Também é uma questão a se pensar de acordo com as necessidades da família tomando cuidado para não depositar as suas expectativas para o futuro do seu filho. Um terceiro idioma também pode começar a ser aprendido depois da fase de alfabetização, como língua estrangeira (do mesmo modo que o inglês ou francês é ensinado nas escolas de currículo tradicional) e uma coisa é fato: uma vez que seu filho tem o segundo idioma, o terceiro, quarto ou quinto será aprendido com muito mais facilidade.
5. Ele vai ter um idioma dominante?
Depende de como é a realidade da sua família. Se em casa vocês só falam em português, ele terá a dominância desse idioma, mas se há mais contato com o inglês ou o espanhol a criança acabará usando os dois sem problemas. Na casa da nutricionista Patrícia Cruz Smith, que é brasileira – casada com um britânico cuja família mora na Inglaterra – e fala diversos idiomas, o filho, Adam, 4 anos, fala tanto em inglês como em português. Ele estuda em uma escola internacional no Rio de Janeiro na qual o inglês é o idioma prioritário, mas em casa a família fala mais em português. “Meu marido fala português, mas quero que ele consiga se comunicar com toda a família que está longe. Nós vemos filmes, lemos histórias e cantamos nos dois idiomas e percebo que ele prefere tentar o inglês primeiro”, conta.
6. Como funciona a alfabetização?
Depende da orientação pedagógica da escola. Há as que fazem a alfabetização na língua materna, ou seja, em português, e há as que fazem a alfabetização simultânea ou mesmo priorizando outro idioma, como em algumas internacionais. “A simultânea é um desafio maior. Acho que os pais precisam avaliar qual é a finalidade e o significado do segundo idioma para a família, e assim escolher – se é necessário para a comunicação com familiares, se é para instrução e formação educacional. Um segundo idioma é sempre um desafio cognitivo, um ganho para a atividade e o desenvolvimento cerebral, mas para cada indivíduo há uma maneira melhor de se desenvolver isso”, diz a psicopedagoga Edith Rubinstein, diretora do Centro de Estudos Seminários de Psicopedagogia.
7. As crianças podem ter dificuldades em outras matérias por causa disso?
“A criança teria a mesma dificuldade em matemática ou ciências se estivesse em uma escola monolíngue”, explica Sarah. Mesmo as dificuldades de leitura ou escrita aparecerão nos dois idiomas ensinados, ou seja, é uma dificuldade daquela criança e não criada pelo sistema deensino. “Pode ser que a construção da fala, principalmente nos menores, até os 5 anos, demore um pouquinho mais para ficar perfeita, pois a criança estará aprendendo conjuntos de sons diferentes e, ao mesmo tempo, aprendendo a encaixá-los em cada situação”, explica Daniela Leonardi, diretora da Escola Cidade Jardim – Play Pen, em São Paulo. “Por isso sempre alerto os pais para que não comparem o desenvolvimento deseus filhos em termos de linguagem com o de crianças que estudam em escolas de um idioma só.”
8. Qual a diferença entre escola bilíngue e escola internacional?
Na escola bilíngue segue-se o currículo-base brasileiro, mas com um segundo idioma inserido no contexto do dia a dia da criança. Nas escolas internacionais, o currículo seguido é o de outro país, o que faz com que a maneira de a criança aprender determinadas disciplinas e o peso dado ao português possam ser diferentes. Antes era muito comum que as internacionais fossem frequentadas por filhos com o pai ou a mãe estrangeiro ou de casais expatriados, mas hoje há cada vez mais crianças vindas de lares 100% brasileiros nas turmas. “Eu recomendo que se observe além da questão do idioma. Hoje no Brasil não há regulamentação para o ensino bilíngue, então os métodos e sistemas variam muito, desde dar todos os dias aulas de um segundo idioma até dias inteiros ou disciplinas inteiras ministradas em “não português”. A escola deve ser sempre avaliada como um todo”, alerta Débora. Afinal, não é só de dois – ou mais – idiomas que se forma um indivíduo.