Como a vitória de Donald Trump pode prejudicar os direitos das mulheres?
Marina Ganzarolli, advogada especialista em Direito da Mulher e fundadora do Me Too Brasil, analisa as declarações do novo presidente dos EUA durante campanha
Após um período eleitoral decisivo nas últimas semanas, Donald Trump foi eleito o 47º presidente dos Estados Unidos nesta quarta-feira (6). Em uma campanha marcada pela desinformação e por intensos conflitos de narrativas políticas e morais, a vitória do republicano ocorre em meio a uma crescente preocupação sobre o quanto ideologias políticas e religiosas podem afetar os direitos das mulheres, tanto no estado norte-americano quanto no mundo.
Analisando as falas e propostas proferidas por Donald Trump, a advogada especialista em Direito da Mulher, Marina Ganzarolli, reflete sobre como a vitória de Trump pode impactar globalmente nos direitos femininos. Confira:
O que Trump tem a dizer sobre o aborto e outros direitos femininos?
CLAUDIA: Durante um comício realizado no estado de Winsconssin, no dia 30 de outubro, Donald Trump afirmou que seus assessores o aconselharam a manter um discurso menos favorável à luta feminista que garante a segurança reprodutiva de meninas e mulheres. Na última terça-feira (05), um dia antes do processo de votação, o então candidato se recusou a dar declarações acerca do voto de transferência de decisão legislativa sobre a interrupção da gravidez.
Não muito diferente do cenário político brasileiro, a política estadunidense retrocedeu em questões sociais relacionadas ao direito das mulheres. Como o novo mandato do republicano poderia influenciar países vizinhos a adotarem legislações mais restritivas sobre direitos das mulheres?
Marina Ganzarolli: Adoraria poder dizer que esses reflexos não existem,e que tal vitória não mudaria o curso do debate feminista em países do sul global, em especial da América Latina. Mas é óbvio que não funciona dessa maneira.
Passamos por um momento e um contexto ultra conservador em todo o mundo e, sem dúvidas, inúmeros países utilizam os EUA como referência. O debate político, seja ele no campo do conservadorismo ou não, pende, atualmente, para essa agenda moral.
No Brasil, por exemplo, tivemos essa narrativa durante o segundo mandato de Dilma Rousseff e também durante as eleições de 2016, onde a maioria dos debates políticos partiram dessa moralidade, em especial sobre o aborto. Portanto, não há novidades sobre esse viés para países como o Brasil e outros territórios latino-americanos, justamente por atribuírem trazerem o conservadorismo para o debate da esfera pública, como no caso do aborto.
O Brasil, assim como os Estados Unidos, é um país extremamente religioso, e isso reforça a ideia de correlação de forças e ideologias que esse âmbito oferece.
Tudo isso para dizer que, a atual perspectiva global vem de um país considerado hegemonia, tanto do ponto de vista econômico quanto cultural, e com ela, vem anexado diversos conflitos morais que reacendem tais debates, logo respingando em outros países.
Planos de deportação em massa para 2025
CLAUDIA: Nas últimas décadas, a migração internacional tem aumentado significativamente, com um número crescente de mulheres se deslocando para o exterior, especialmente para os EUA. Segundo o American Immigration Council, em 2020, as mulheres representavam 51,8% da população migrante nos EUA, sendo quase um terço (17%) da população feminina do país.
Quais seriam as consequências de uma possível deportação em massa para esses imigrantes, especialmente para mães, chefes de família e crianças?
Marina Ganzarolli: Quando falamos do amplo guarda-chuva dos direitos humanos, que inclui os direitos de meninas e mulheres, estamos nos referindo a um acesso que, embora garantido, ainda é delimitado por recortes como raça, origem, localização geográfica e, sobretudo, religião.
Pensar em refugiadas e pessoas vítimas de desastres naturais significa também reconhecer que essas mulheres enfrentam uma dupla insegurança no acesso aos seus direitos.
Como especialista, acredito que é uma enorme irresponsabilidade social ignorar tais vulnerabilidades, especialmente quando somadas a crises humanitárias, muitas vezes agravadas pela ausência do Estado.
A falta de acesso a contraceptivos, preservativos, ao direito a um aborto seguro e à educação sexual são questões que já representam grandes desafios mesmo para cidadãs em contextos de não conflito; para aquelas em zonas de conflito e deslocamento, tornam-se verdadeiras barreiras. São situações de extrema vulnerabilidade, e sabemos quem mais sofre com essas decisões.
O polêmico projeto 2025
CLAUDIA: Segundo a agência Sputnik Brasil, em 2 de novembro de 2024, Donald Trump estaria apoiando o “Projeto 2025”, plano da Heritage Foundation com apoio de organizações conservadoras para combater movimentos progressistas na América Latina.
Dado o histórico de cortes no financiamento de ONGs que apoiavam o aborto e direitos das mulheres no governo Trump, qual seria o impacto dessa nova administração diante de um possível boicote ao terceiro setor que apoia mulheres vulneráveis?
Marina Ganzarolli: A organização da sociedade civil nos Estados Unidos é muito mais forte do que no Brasil, por exemplo. Geralmente, essas organizações são legalmente constituídas com um propósito específico; no caso do Me Too e de outras instituições, o objetivo é pressionar contra a restrição dos direitos sexuais e reprodutivos no mundo, além de fomentar denúncias.
Obviamente, essas instituições contam com o respaldo de um governo federal que lhes assegura um mínimo de poder econômico. Nos EUA, esse poder se multiplica, chegando a ser até cinco ou seis vezes maior em situações atípicas — como ontem, após o anúncio da eleição, quando o dólar alcançou a marca de R.
No Brasil, nosso terceiro setor é muito mais frágil e sensível às variações de financiamento, então avançamos de formas diferentes.
Vale destacar que as organizações internacionais que buscam financiar movimentos de defesa dos direitos de mulheres e crianças são menos frequentes ou dispõem de menos recursos do que aquelas sustentadas por estruturas religiosas.
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