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Tentar reverter a homossexualidade é uma manobra cruel e perigosa

Instituir a chamada "cura gay" por meio de tratamentos psicológicos é um retrocesso sem precedentes. Entenda por que isso é inaceitável.

Por Júlia Warken
Atualizado em 17 jan 2020, 15h49 - Publicado em 19 set 2017, 16h33

Na última sexta-feira (15), o juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu uma liminar que autoriza profissionais da psicologia a realizarem pesquisas e tratarem pacientes com base na ideia de que a homossexualidade pode ser revertida. A decisão foi dada a partir de uma solicitação feita por um grupo de psicólogos, encabeçados por Rozangela Alves Justino, que se sentem lesados pela resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que, em 1999, determinou que os psicólogos não podem tentar reverter a orientação sexual dos pacientes, pois a homossexualidade não é uma doença e, portanto, não é passível de cura. 

Em resumo: esses psicólogos acreditam que impedir o tratamento pautado na chamada “reorientação sexual” é um ato de censura e o juiz concedeu o direito à realização de tais tratamentos, bem como de pesquisas cientificas sobre o tema.

É importante atentar para um ponto crucial nessa manobra toda: uma das premissas da liminar (expostas na ata da audiência) diz que será respeitado o posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), que desde 1990 compreende que a homossexualidade é uma “variação natural dentro da sexualidade humana, não podendo ser, portanto, considerada como condição patológica”. Outra das premissas diz que “não sendo doença, mas uma orientação sexual, o polêmico Projeto de Lei 4.931/2016, do Deputado Federal Ezequiel Teixeira (PTN/RJ), denominado ‘cura gay’ é passível de críticas, na medida em que parece equiparar a homossexualidade a outros transtornos da sexualidade, ideia essa não defendida pelos autores”.

Acontece que, a partir do momento em que tais psicólogos se utilizam da ideia de que é possível – e mais do que isso, é benéfico – reverter a homossexualidade, eles estão se valendo da noção de que ela é um desvio. Como aponta o CFP em uma nota de repúdio à liminar, isso “reintroduz a perspectiva patologizante” da homossexualidade e abre um precedente nocivo.

Ou seja: “reorientação sexual” é só um nome menos polêmico para “cura gay”, mas o significado é mesmo. E a gente precisa se dar conta de que isso é perigoso tanto para os pacientes que são levados a crer que podem ter sua homossexualidade revertida, quanto para a comunidade LGBT como um todo.

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Manifestante LGBT
(David McNew/Stringer/Getty Images)

Do ponto de vista clínico, o CFP chama a atenção para um fato que já devia ser página virada: “terapias de reversão sexual não têm resolutividade, como apontam estudos feitos pelas comunidades científicas nacional e internacional, além de provocarem sequelas e agravos ao sofrimento psíquico”. Ou seja: levar um paciente a crer que sua homossexualidade pode ser revertida acaba gerando dor e sofrimento. 

Mas e se um paciente chega ao consultório dizendo que está infeliz por sentir-se atraído pelo mesmo sexo? É certo tirar dele o direito de se tratar?

Em nenhum momento o CFP determinou que os psicólogos devem virar as costas para a angústia dessas pessoas. Só que dizer ao paciente que sua orientação sexual pode ser revertida (ou seja: curada) é algo que representa dois erros graves: 1) fará com que ele se frustre ao perceber que não há como mudá-la; 2) reafirma a noção de que a homossexualidade é fonte de dor e sofrimento, quando, na verdade, a discriminação e a perseguição aos LGBT é que é a raiz do problema. Sendo assim, quando um paciente se mostra insatisfeito com sua homossexualidade, cabe ao psicólogo trabalhar a autoaceitação, a quebra de preconceitos internos, a resolução de conflitos com a família etc.

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Além disso, a patologização da homossexualidade obviamente reafirma e fortalece o preconceito sofrido pela comunidade LGBT. E mais: apesar de a liminar dizer que o tratamento de reversão sexual só pode ser realizado quando a vontade parte do próprio paciente, a gente bem sabe que isso abre um precedente para que pais tentem curar seus filhos, por exemplo. Já imaginou o sofrimento envolvido?

Casal de lésbicas com a bandeira LGBT
(Foto: MarijaRadovic/ThinkStock)

“Ah, mas a minha prima Joana namorou uma moça e hoje está casada com o Caio, super feliz, mãe de dois filhos. Dá para reverter, sim!”, dirão muitos.

De fato, existem pessoas que desenvolvem o desejo por pessoas do mesmo sexo de maneira sazonal. A isso dá-se o nome de sexualidade fluida. Mas essa fluidez nada tem a ver com a busca pela restauração da heterossexualidade – é algo que, se acontecer, virá naturalmente. Como explica Drauzio Varela: “A sexualidade é. Ela se impõe. Não tem como escolher”. E isso não quer dizer que a homossexualidade seja um ~distúrbio incurável~, ela é simplesmente uma outra maneira de viver a sexualidade.

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Enfim, é importante lembrar de dois pontos: a homossexualidade não pode ser revertida e isso não é um problema. A existência dos homossexuais definitivamente não está colocando a raça humana em risco. O verdadeiro problema, aquele que precisa urgentemente ser revertido, se chama homofobia

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