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O que passa na cabeça do meu analista quando estou falando?

Consultamos 7 profissionais, entre analistas e psicólogos com mais de 10 anos de experiência, para saciar algumas curiosidades

Por Amanda Mont'Alvão Veloso (colaboradora)
Atualizado em 21 jan 2020, 09h41 - Publicado em 29 Maio 2016, 06h00
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“Caramba, tô atrasada e ainda preciso sacar o dinheiro. Pra piorar, o sapato tá encharcado de chuva e barro. Será que ele já terminou de pagar o parcelamento do divã de couro? Tudo bem eu colocar o pé em cima? Olha, tem livro novo na estante, não tinha visto esse. Ai, não sei o que dizer. Deu branco, não tô lembrando de nenhum sonho. Será que… Não, não, esse assunto não. Melhor não. Ele vai me achar infantil. E repetitiva. E imatura. E louca, muuuuito loucaaaaa.”

“O QUE SERÁ QUE MEU ANALISTA PENSA ENQUANTO EU FICO AQUI FALANDO?”

Esse relato aí de cima não é autobiográfico, e qualquer semelhança com a autora, que faz análise há seis anos, ou com quem lê, é meramente coincidência.

Pensando na curiosidade que nos une, nós, seres humanos eventualmente angustiados e eternamente preocupados e ressabiados, resolvemos ABRIR a CAIXA PRETA dos consultórios de psicanalistas e psicólogos para revelar os BASTIDORES, o MAKING OF, o BEHIND THE SCENES dessas pessoas enigmáticas para quem revelamos as informações mais íntimas, confidenciais e constrangedoras.

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Ok, vamos derrubar a primeira idealização: a tal da caixa preta não existe, e esta reportagem é muito mais uma tentativa de entendimento do que uma revelação.

Mas várias descobertas surgiram no percurso. Por exemplo: analistas e psicólogos podem, sim, pensar na morte da bezerra enquanto o paciente (também chamado de analisante) fala. Ou reparar na maneira como tiramos o casaco ou a bolsa. Ou se comover com um relato triste que trazemos.

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Consultamos 7 profissionais, entre analistas e psicólogos com mais de 10 anos de experiência, para saciar algumas curiosidades sobre o que passa na salinha com divã, poltrona, tapete, estante e um montão de angústia.

As respostas mostram perspectivas diferentes de um mesmo assunto — o que mostra a diversidade de maneiras de lidar com o que se escuta no consultório.

Espere respostas francas e surpreendentes destes analistas e terapeutas, cuja profissão é permanentemente marcada pelo sigilo, pela confiança, pela ética e pelo respeito com a história de cada paciente.

Não espere super-heróis, mas sim, profissionais e humanos, com acertos e falhas, revisões e experiências de sucesso. A ideia aqui é desconstruir algumas idealizações para construir algumas realidades possíveis e não menos impressionantes.

Esperamos que você saia desta leitura com ainda mais perguntas!

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O que meu/minha analista ou terapeuta pensa enquanto está atendendo?

“De preferência, em nada, para poder ouvir o que o analisando fala. Quando o analista pensa, não analisa”, sentencia João Ângelo Fantini, psicanalista e professor de psicologia na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

Segundo Alexandre Amaral, psicanalista e membro do Centro de Estudos Psicanalíticos (CEP), “o analista tenta ouvir ‘ao máximo’ o seu paciente. Ouvir o que ele diz e, principalmente, o que ele não diz”.

“Psicanalistas pensam, sobretudo, nas palavras que seu analisante emprega, como ele as escolhe, se elas se repetem ou se é a primeira vez que elas aparecem”, afirma Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP.

A escuta é fundamental e, à primeira vista, pode-se imaginá-la como algo automático. Mas não é. “É como ouvir uma sinfonia se você é especialista em música. Muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, e você precisa acompanhar as cordas e os sopros, o coro e a percussão, sem perder a experiência de conjunto”, ilustra Dunker.

Sabe aquele balãozinho de pensamento das histórias em quadrinhos? Ele bem poderia ser preenchido por aquelas 49.261 dúvidas e hesitações que pipocam durante a sessão: “Tá me acompanhando?” “Será que ele(a) dormiu?” “Será que…

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… ele(a) está me julgando?”

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Falar sobre questões tão íntimas é algo difícil, e não faltam resistências ou desvios de rota para se evitar o assunto X ou Y. O que entra em questão, ao se falar, é aquele pensamento: “quem está me ouvindo e de que maneira está ouvindo? Vai me achar a pior pessoa? Vai me achar covarde, ou arrogante? Vai me julgar?”.

“Não! Julgar é um ato moral, e cada um tem a sua própria. Às vezes, fico assustado com o que ouço, mas procuro compreender e nunca julgar”, enfatiza o psicanalista e sexólogo Sérgio Máscoli, que atua em clínica particular e no Projeto Sexualidade (ProSex), do Instituto de Psiquiatria da USP.

“Quando escutamos nossos pacientes, temos que fazer duas coisas opostas ao mesmo tempo: olhar aquela vida de longe, de modo imparcial, como se fôssemos um cirurgião que se relaciona impessoalmente com os tecidos e órgãos que ele recorta; e, por outro lado, olhar aquela vida de forma radicalmente interna, ou seja, pelo seu ponto de vista, segundo seus valores, segundo seus próprios desvios e intolerâncias, aceitando aquela vida como uma obra de arte, como o melhor que aquele sujeito conseguiu fazer consigo depois de tudo”, descreve Dunker.

Claudio Cesar Montoto, psicanalista lacaniano e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, não perde a piada: “Se eu julgasse, deveria trocar de profissão e vender pipoca, por exemplo, na porta da PUC São Paulo”.

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POR-FAVOR-FALE-ALGUMA-COISA

No filme Simplesmente Complicado (It’s Complicated, 2009), a personagem de Meryl Streep se vê dividida entre um novo amor e o ex-marido. Ela fica angustiada com a situação e corre para o consultório do terapeuta, sem hora marcada. A cena é hilária:

“Escuta, eu sei como a terapia funciona, de verdade… A gente observa as coisas, examina, semanas se tornam meses… estamos indo para 8 anos de terapia, certo? E isso é ok pra mim, eu gosto… mas neste caso, eu preciso saber sua OPINIÃO. Assim, eu gostaria que você dissesse… ‘Não faz isso, porque é muito errado’, ou ‘Vai em frente, vai ficar tudo bem’. Eu realmente quero QUE VOCÊ ME DIGA O QUE FAZER.”

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E o que se diz diante do paciente?

“Às vezes não há tempo e temos que dizer de bate-pronto; outras vezes, há algum tempo de preparação, esperamos o tempo certo, escolhemos palavras, sincronizamos a intervenção com o tempo da sessão, preparamos o tom, mais humorado ou mais sério”, Dunker exemplifica.

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“Mas, às vezes, não temos nada a dizer. Nem por isso a sessão terá sido, necessariamente, improdutiva. Muitas vezes é o analisante que faz todo o trabalho e nós nos contentamos em testemunhar sua obra”, completa.

E quais seriam os efeitos dessas falas dos analistas? Segundo Dunker, é fácil saber quando elas “dão errado”. Mas, quando as intervenções dão certo, nem sempre o(a) profissional fica sabendo, ou só se descobre anos depois. Isso porque o paciente pode deixar de lado um sintoma ou uma inibição ou superar um problema e “esquecer” de contar isso para o(a) analista dele.

“A psicanálise não é a atividade certa para quem quer ser reconhecido pelo que faz, ou é obcecado por métricas de resultados e pelo valor agregado do que é feito”, sentencia.

Tenho falado bastante no divã, mas minhas queixas se repetem. Será que ele(a) fica entediado de tanto ouvi-las?

“Sim, claro, mas a repetição É o sintoma. Então, quem não aguentar a frustração não pode ser analista”, esclarece Fantini.

“Boa parte do que fazemos na clínica depende de uma enorme capacidade de paciência e de suportar a repetição do cotidiano das pessoas. Às vezes é aquela voz, às vezes é aquele tema, às vezes é aquela pessoa… há sempre algo que nos deixa apáticos ou entediados, mas aprendemos que isso é uma parte incontornável do que fazemos”, detalha Dunker.

Louise Madeira, psicóloga e especialista em terapia de casais e de família, destaca que as queixas repetidas não são encaradas como meras repetições e, portanto, não são entediantes. “Para um terapeuta, não há repetições. A mesma fala, dita depois, é ouvida como ‘uma outra fala’.”

Máscoli também enaltece a novidade nas repetições. “Sempre procuro ouvir a história recontada, de forma diferente. Mesmo que seja repetida, não é requentada, é fresca. Lá tem algo de novo para se escutar.”

Um outro comportamento possível e bastante visto é o de ficar em silêncio. Como se nenhuma palavra surgisse, ou como se elas não coubessem no momento…

Esse meu silêncio seria entediante?

Os profissionais consultados são unânimes: o silêncio do paciente tem significado. “Traz incômodo. O silêncio é perturbador para mim, mas significante para ele”, explica Máscoli.

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“As mesmas histórias, se são contadas novamente, é porque demandam interpretação”, afirma o psicanalista Oscar Angel Cesarotto, professor de Comunicação e Semiótica da PUC-SP.

“O silêncio não é mudo, é apenas ausente de palavras. O silêncio fala muito. E fala alto, assim como as lágrimas”, esclarece Madeira.

A grande lição para os pacientes, portanto, é de que eles não precisam se preocupar com a emoção ou com o tédio.

“É muito importante quando o analisante percebe que, em certo sentido, ele não está ali para nos agradar ou dizer coisas emocionantes ou interessantes, mas para explorar possibilidades novas de sua própria existência”, descreve Dunker.

Ele(a) acha graça do que eu falo?

“Claro que sim!”, enfatiza Cesarotto.

Dunker chama a atenção para a maneira como o paciente relata o que está ocorrendo em sua vida. Sabe quando você não quer falar de um certo assunto, ou recorre a uma piadinha para ficar mais fácil? Morde e depois assopra? Então.

“Achamos graça das manobras que as pessoas fazem com as palavras, pra se enganar, pra colocar os afetos, para proteger personagens, para incriminar outros, para se eximir, para chegar naquela mesma moral da história mais uma vez. Somos como críticos literários, mais interessados em como a história foi construída do que em saber como ela termina”, compara.

Ele(a) se comove com meu relato?

O imaginário popular frequentemente pensa nos psiquiatras, psicoterapeutas e psicanalistas como profissionais que não esboçam reação alguma… Como se conseguissem passar pelas sessões sem serem afetados. Essa é mais uma cena a ser desconstruída, levando em conta a particularidade de cada profissional, sempre.

“Há relatos terríveis de angústia (por exemplo, a morte de um filho pequeno) que, quando fecho a porta do consultório, começo a chorar de soluçar… Outros relatos, menos angustiantes, sempre impactam, mas com os anos, nós, os analistas, nos acostumamos com a dor de existir”, exemplifica Montoto.

“Muito, muito… As histórias humanas emocionam, para chorar ou rir com ele [o paciente]. Ou se emocionar. É da natureza humana que uma emoção alheia nos emocione com outro humano. Empatia? Talvez”, explicita Máscoli.

“A aptidão para a comoção genérica, também chamada de empatia, faz parte do ‘perfil para o cargo’. Se você não se diverte com as aventuras de seu paciente, se não brinca com suas desventuras, se não torce por ele, se não deixa que ele entre em sua vida, se não se emociona com seus fracassos e não vibra com seus sucessos, considere mudar de profissão. Freud dizia que há quatro profissões impossíveis: psicanalisar, educar, governar e fazer desejar. Tente uma destas”, desafia Dunker.

Só não vale confundir esses profissionais com um ombro amigo.

“A comoção e a emoção não são muito boas companheiras para as situações críticas que temos que acompanhar ao lado de nossos analisantes. São estes os momentos em que a tendência é que todos à sua volta se aproximem muito, mas o que temos de oferecer é um ponto de vista mais distante para que o sujeito se apoie, ou no melhor dos casos, para que ele possa recobrar a capacidade de se estranhar”, completa Dunker.

Ele(a) presta atenção nos meus gestos?

“Sim, certamente e muito. Um analista chamado T. Reick escreveu um texto fantástico sobre como os analisantes tiravam o casaco na sala de espera e de como isso revelava tudo o que iria acontecer em termos de clima e atmosfera na sessão”, comenta Dunker.

Ele mesmo descreve a paisagem onde ocorre a análise: aquela mesma tela, os livros em cima da escrivaninha, o tapete, a mesma porta com a mesma maçaneta, com a mesmíssima chave pendurada. O aperto de mão ou o cumprimento com os olhos que ocorrem no começo e no fim de TODAS as sessões.

Com essa rotina, fica fácil identificar o que está diferente. “Com o passar dos meses e dos anos, mínimas alterações neste ritual são altamente perceptíveis, tanto para o analista quanto para o analisante. Portanto, os gestos dizem muito, justamente porque são poucos”, identifica o analista.

Dunker também descreve algumas situações mais ou menos típicas. “Uma das pernas para fora do divã, encostando no chão… pés nos chão. Mãos que se movem no ar,dando ordens. Abrir e fechar da bolsa, decidindo para quem se abrir. Aliança nas mãos… enquanto avalia a situação do casamento. Há ainda os gestos intempestivos ou raros: ‘hoje preciso sentar’. Levanta e anda pela sala. Luta contra as mãos e as unhas que precisam ser arrancadas … impiedosamente.”

Segundo ele, esses são movimentos que legendam angústia, dor ou tensão. “Nós falamos com corpo, e o analista escuta isso, sempre.”

Você possivelmente está se perguntando: com uma rotina em que os problemas alheios são sim, da conta destes profissionais, como fica o emocional deles?

Será que se angustiam por causa de seus pacientes?

“O analista se angustia, e por isso existem a supervisão e a análise do próprio analista. São ferramentas que trabalham essa angústia”, responde Amaral.

Máscoli fala de uma outra angústia: “Não diria por causa deles, mas com eles[pacientes]. Ocorrem situações em que eu fico angustiado quando algo ‘grave’ acontece, por exemplo, um diagnóstico médico de alguma doença grave, acidentes, eventos de violência, abuso sexual, por aí. Aí, sim, fico angustiado por eles. É uma questão de humanos.”

Madeira, porém, afirma que ficar angustiada por causa dos pacientes não é algo que ocorra com frequência. “Há algumas situações que mobilizam angústia. E um bom profissional consegue vivenciar isso sem permitir que haja interferência no processo terapêutico. Se uma paciente está sendo ameaçada pelo marido, e ela vai para casa sem proteção, o terapeuta teme pela integridade física e emocional dela. Se um adolescente teve um comportamento sexual de risco e vai receber o resultado do exame HIV, o terapeuta ‘torce’ para que o exame seja negativo.”

Ele(a) tem resposta ou interpretação para tudo?

“Existem os casos nos quais o psicanalista tem uma resposta, mas não pode dá-la, ou pelo menos, não naquela hora”, explica Dunker.

“A maior parte da nossa atividade consiste em silêncio, não só porque não temos nada a dizer, mas porque vamos aprendendo que falar naquele momento em que o analisante não pode escutar representa um desperdício, às vezes letal, de palavras e de oportunidades”, ele completa.

A terapeuta Louise Madeira oferece outra visão sobre o assunto: “Ele não tem interpretação e resposta prévia para nada. Mas sejamos honestos: o terapeuta sabe que cada momento terapêutico visa à construção (não imediata) de compreensões das questões trazidas, mesmo que estas construções sejam feitas em pequenos fragmentos. Ninguém vai fazer psicoterapia sem esperar algo. E isso o terapeuta precisa ter em mente para não ficar no lugar cômodo de descomprometimento com os ‘resultados’.”

“As interpretações decisivas são poucas, mesmo em análises longas”, pondera Dunker. “Depois de algum tempo começamos a perceber que nosso psicanalista diz sempre, mais ou menos, a mesma coisa. Nós é que não conseguimos ouvir. Por outro lado, o centro da pesquisa psicanalítica não são as respostas, mas a formulação de boas perguntas.”

Essa matéria foi publicada originalmente no HuffPost Brasil

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