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Como cuidar de um familiar doente sem abalar a própria saúde

A mulher é a principal cuidadora quando uma doença grave afeta um dos membros da família, chegando a dedicar 40 horas semanais aos auxílios

Por Cristina Nabuco
Atualizado em 6 fev 2017, 15h38 - Publicado em 6 fev 2017, 15h37
 (Lucas Cobucci/ CLAUDIA/)
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Quando atendi o telefone, a voz do outro lado da linha foi logo dizendo: ‘Corra com sua filha para o hospital porque ela pode entrar em coma a qualquer momento’. Era do laboratório onde ela havia feito exames naquela manhã. Joguei o aparelho no chão e fui preparar uma mala para minha menina, que estava, então, com 7 anos. Meu marido pegou o telefone e continuou a conversa. Saímos de casa o mais rápido possível.

No pronto-socorro, ela foi atendida na hora, sem nem fazer ficha. A doutora avisou que aplicaria insulina porque a criança enfrentava uma perigosa crise de hiperglicemia. Depois, uma endocrinologista nos informou: ‘Sua filha tem diabetes tipo 1’. Eu e meu marido começamos a chorar”, conta a advogada Denise Panico, 41 anos, de São Paulo, mãe de Giovana, filha única, hoje com 10 anos.

Uns 15 dias antes da internação, a menina havia apresentado os sintomas clássicos, que a mãe desconhecia: bebia muita água, fazia muito xixi e comia várias vezes por dia. “Toda hora ela dizia que estava com fome e comia demais. Mesmo assim, emagrecia”, lembra. A pediatra achava que era por causa da atividade física, já que a garota fazia balé e natação. Em uma festa de família, todos repararam como estava magra, com os olhos fundos. “Voltei à pediatra e ela pediu os exames que apontaram aqueles resultados alarmantes, que mudaram nossa vida.”

A endocrinologista do hospital passou uma lista de itens para comprar: agulha, glicosímetro, insulina… E disse a Denise: “Você tem que aprender a usar tudo isso. De hoje em diante, é com você”. A advogada aplicou insulina na filha ainda no hospital: “Eu tremia e Giovana chorava”. Como não entendia do assunto, Denise se virou para aprender sobre diabetes na internet, em palestras e até em convenções médicas. Organizou a rotina da filha com exercícios, refeições rigorosamente planejadas, horários de medir a glicemia, aplicar insulina… Nunca mais a menina foi internada.

“Desde o começo, há três anos, não durmo direito; meço a glicemia de duas a três vezes por noite e morro de medo de uma queda nas taxas de açúcar durante o sono, porque hipoglicemia pode ser fatal”, conta. A advogada foi abandonando o trabalho, perdeu clientes, engordou 20 quilos, seu colesterol subiu às alturas. Agora que a filha está maior, usa bomba de infusão de insulina e já aprendeu certos cuidados, Denise a monitora por telefone. “Arrumei um emprego de meio período, mas luto para voltar à vida normal. Ainda não consegui relaxar.”

Doença grave em filhos, marido, esposa, pais e irmãos abala todo mundo. “Além de colocar em risco a vida de uma pessoa querida, uma enfermidade produz mudanças na rotina e altera a dinâmica e o humor da família toda”, afirma a psico-oncologista Regina Liberato, do Instituto Oncoguia, sediado em São Paulo.

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Quando são os mais velhos que adoecem, há uma inversão de papéis: pais saem da figura do provedor e passam à posição de dependente. As limitações roubam a autonomia deles e exigem que alguém assuma a figura de cuidador, o que, em algumas famílias, se resolve contratando enfermeiros, enquanto, em outras, responsabilizando um parente.

O papel, em geral, recai sobre a mulher, tradicionalmente encarregada de pilotar todo tipo de cuidado no universo doméstico. De acordo com a ONG americana Family Caregiver Alliance (aliança para cuidadores familiares), cerca de 43,5 milhões de pessoas deram assistência não remunerada a um doente nos Estados Unidos entre 2014 e 2015. Delas, 75% eram do sexo feminino. Em média, o auxílio ocupa 24,4 horas por semana, subindo para 40,5 quando se mora na mesma casa do paciente. Mas chega a 44,6 horas se ele for o cônjuge.

Tanta dedicação pode acarretar diferentes prejuízos à saúde de quem cuida. A ONG apurou que 18% dos cuidadores percebem que sua saúde geral está deteriorada – entre os que tomam conta de pessoas com Alzheimer esse índice sobe para 27%. Mais da metade (52%) dos que vivem com pais ou cônjuges doentes sofre de stress. De 40% a 70% apresentam sintomas de depressão. O grande desafio é prestar a ajuda necessária sem entrar nessas estatísticas.

A orientação dada nos aviões – “Coloque a máscara de oxigênio primeiro em você, depois no outro” – deve estar frequentemente no radar de quem cuida. Se não estiver bem-disposta, com o emocional equilibrado, não atenderá às necessidades do doente e ainda complicará as coisas, pois adoecerá também.

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O que se vê, entretanto, é o oposto. “A cuidadora não dorme, mal se alimenta, não sai de casa para espairecer, vai se abandonando, fica abatida e desanimada”, descreve a assistente social Cecília Helena Moura Campos, da Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (Abrela).

Ela merece se poupar sem culpa. Deve reservar um tempo para fazer o que gosta, ver amigos e até buscar suporte psicológico.” Não dá para monopolizar a atenção com o doente 24 horas por dia, sete dias por semana. Por isso, a assistente social recomenda dividir a tarefa. “Outros familiares podem aprender a dar assistência. Revezar torna a carga mais leve”, diz ela. “O cuidado só acontece se houver amor e compaixão. Primeiro por si mesma.”

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(Lucas Cobucci/ CLAUDIA)

Da revolta à ação

No livro Ainda Estou Aqui, lançado em 2015, o escritor Marcelo Rubens Paiva relata a reação que teve ao saber que a mãe, Eunice, sofria de Alzheimer: “Alterações na memória, início do inexplicável, do contrassenso, revolta em todos, não é justo, não é justo, reorganização dos papéis dos filhos, não temos mais uma mãe, mas teremos de ser uma”.

Ele conta que demorou a entender os efeitos da doença. “É duro aprender que a agressividade não era contra um filho ou por algo de errado que havíamos feito. Era a doença que gritava. (…) Não era mamãe me xingando, gritando comigo. Era a falta dela em seu próprio cérebro. Era ela ausente do seu corpo.”

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Entre receber o diagnóstico e iniciar a ação, muita coisa acontece, inclusive negar a realidade e tentar fugir do problema. “O que colabora com a aceitação da notícia e a superação do desespero é a informação”, explica a assistente social da Abrela. “Não se deve contentar com as breves orientações das consultas, mas procurar sites médicos e instituições de apoio aos pacientes”, recomenda.

O respeito ao doente

“Às vezes acreditamos saber o que é melhor para o outro, mas isso é ilusão”, alerta Liberato. Ela sugere perguntar o que ele espera de quem o assiste e como quer ser ajudado. “Em vez de antecipar e ir levantando o doente, por exemplo, devemos indagar antes: ‘Quer uma força?’ E só bancamos integralmente a tarefa se existe incapacidade e riscos para ele.”

No caso do adolescente doente, é preciso dar a ele espaço para crescer com alguma autonomia. “Isso alimenta a autoestima e mantém a dignidade, o que é benéfico para o cuidador e redentor para o enfermo”, diz a psicóloga. Ele precisa sair, ir ao cinema, ver amigos, namorar. Nem sempre terá disposição; porém, na medida do possível, deve ser incentivado a aproveitar o dia a dia. Cabe observar que nenhuma pessoa é definida por um papel exclusivo, seja o de cuidador ou de enfermo. A vida de ambos não se resume a isso.

“Às vezes, a mãe tenta tirar o filho da dor por meio de um discurso otimista, nesta linha: ‘Não chore, vamos em frente, a gente vai conseguir’ ”, lembra Liberato. Para a especialista, não há problema em ser positivo, mas é preciso dar espaço para o desabafo dele. E não insistir para que seja forte o tempo todo.

“Enfrentar a doença é uma dura batalha. Há efeitos colaterais e desconforto nos tratamentos e momentos de dúvida”, afirma. Além disso, da fragilidade pode surgir o recomeço. “Ao expressar: ‘Eu não consigo’, o paciente tem um momento de lucidez sobre sua condição.” É uma oportunidade de reunir forças e iniciar um passo ou admitir a impotência e solicitar ajuda. Dê-lhe esse direito.

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Se o doente sofre de uma condição incapacitante ou terminal, vem a dúvida: contar ou não contar? Para a psicóloga Regina Liberato, o complô do silêncio nunca dá certo. “Esconde sentimentos, afasta as pessoas. Já a verdade é facilitadora da vida.” Mas é preciso falar do jeito certo e em um ritmo que os envolvidos consigam assimilar. “Sem enfiar o dedo na ferida, mas respeitando o outro”, diz. Isso inclui as crianças. “Devemos conversar com amorosidade, em linguagem simples, abrindo a elas a possibilidade de perguntar.”

O cuidador também não tem que ser forte o tempo todo. “Por que ter medo de que o doente a veja chorando junto?” pergunta a psicóloga. “Em uma relação de confiança, as pessoas conversam, falam bobagem, riem e se emocionam. É natural e desculpável.” No entanto, por receio de impingir mais dor ao paciente, algumas coisas não são ditas. As pessoas se afastam e muitas relações se desfazem após o diagnóstico.

Liberato atendeu um grupo de mulheres que fizeram mastectomia para tratar o câncer de mama. Elas se queixavam do desinteresse sexual dos maridos. Numa reunião com eles, ficou claro o medo de iniciar uma aproximação sexual e de o ato ser interpretado como desrespeito à dor delas. Todos sofriam calados. “O outro não tem como saber o que acontece se o doente não contar”, adverte. E se aquela que dá suporte não souber o que dizer? A sugestão é escutar, dar um abraço, segurar a mão.

 

A evolução dos cuidados

O que se deve saber para apoiar melhor o paciente e, ao mesmo tempo, poupar-se para uma vida longa de cuidados com ele:

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Diabetes tipo 1

A doença decorre da falta de produção de insulina no pâncreas, o que eleva a taxa de açúcar no sangue. Em níveis muito altos, há o risco de provocar o coma e, em longo prazo, danos à retina, ao coração, ao cérebro, aos rins. Com um plano alimentar bem-feito e o uso adequado de insulina, o paciente pode comer de tudo. Então, a cuidadora não precisa decretar uma dieta espartana para a família inteira.

Câncer

Em geral, a cura passa pela quimioterapia. A pessoa que dá suporte precisa estar ciente de possíveis efeitos colaterais, especialmente o cansaço, que deixa o paciente fora de combate por alguns dias.

Alzheimer

A perda da memória, que resulta da morte de células cerebrais, é o que mais assusta o familiar do doente. Ele apresentará desorientação no tempo e no espaço, incapacidade de tomar banho e alimentar–se sozinho. O tratamento preserva um pouco as funções cognitivas, mas não desacelera o avanço da demência. O cuidador deve preparar-se para as fases que se sucedem e exigem atenção cada vez maior, além de paciência e flexibilidade.

Esclerose lateral amiotrófica

Provoca a degeneração dos nervos ligados aos movimentos: causa paralisia nos braços, nas pernas, na fala, deglutição e respiração. Imobilizada, a pessoa acaba usando sonda para nutrição e respirador. “Quando aprendemos a lidar com um quadro, há novas perdas”, diz Moura Campos. “Aconselho apoio psicológico a todos os envolvidos”.

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