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Câncer de mama crônico: conheça a histórias de mulheres que vivem com a doença

Essa já é a realidade de pelo menos sete em cada 100 brasileiras que descobrem um tumor mamário. Elas permanecem em tratamento por mais de uma década com a rotina praticamente inalterada. E esse tempo se torna cada vez maior e mais produtivo

Por Lúcia Helena de Oliveira (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 14h37 - Publicado em 3 out 2016, 14h37
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Ela chama a atenção pelo físico atlético, de mais de 1,70 metro, pelos cabelos naturalmente ruivos, trajes arrojados e pelo ar atribulado. Aos 41 anos, é uma das principais executivas de uma grande empresa de telecomunicação. Concilia viagens com trabalho, marido e um casal de filhos pré-adolescentes, massagens anti-stress, planejamento de férias em família e, ainda, um tratamento de câncer de mama diagnosticado há nove anos, quando a caçula tinha acabado de largar o peito. 

“Parecia leite empedrado. Mas a mamografia, feita por desencargo de consciência, revelou o tumor”, conta. Ela prefere não se identificar. “Não quero expor as crianças. Meu filho, de 10 anos, tem vaga lembrança do período em que fiz químio e fiquei de cama pela primeira vez. Ele se preocupa sempre que ouve a palavra ‘câncer’ ”, justifica. A doença lhe exigiu a retirada das mamas – a direita por pura precaução – e mais 30 sessões de radioterapia logo no início do tratamento. Injeções rotineiras de hormonoterapia a mantiveram sob controle até o ano passado, quando o câncer voltou a se desenvolver, dessa vez no fígado. Após uma nova rodada de quimioterapia e medicações de uso contínuo, parece novamente dominado. “Esse segundo round me deixou bastante abalada. Mas já estou retomando minha vida”, declara. Sua história, aqui resumida, ilustra uma realidade: “Há casos em que o câncer de mama é tratado pela medicina como doença crônica. Ao pé da letra”, diz Alfredo Barros, mastologista do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo. 

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“Existem boas chances de cura definitiva se o diagnóstico é precoce, mas cerca de 7% das pacientes irão conviver com o câncer por um tempo cada vez maior, ainda indefinido”, afirma o oncologista Max Senna Mano, chefe do grupo de câncer de mama do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). A população feminina nessa condição é crescente. No Brasil, só no ano passado surgiram perto de 4 mil novos casos de câncer de mama com probabilidade de se tornar crônicos. São aqueles localizados, mas com tumores maiores do que 5 centímetros, ou que comprometeram muitos gânglios nos arredores das glândulas mamárias ou, ainda, em que há metástase em outros órgãos. 

Não dá para negar: todo câncer é potencialmente fatal. “Mas gosto de traçar o paralelo com uma hipertensão grave: se o paciente interrompe o tratamento, pode sofrer uma crise hipertensiva, ter um AVC e morrer. Não é diferente. As pessoas precisam entender que o câncer de mama não é uma doença intratável”, diz a cirurgiã oncologista Fabiana Makdissi, do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo. Ao realizar o diagnóstico, o médico não pode descartar a hipótese de uma vida longa, com qualidade, nem prometer que esse será o desenrolar natural do enredo. “O oncologista ‘cavaleiro do apocalipse’ não deveria existir. Não temos o direito de estimar a vida de alguém”, completa. 

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CADA CASO É UM CASO
As variáveis, que vão da biologia e da localização do tumor à idade da paciente, por si só, dificultam os prognósticos para o câncer de mama. Para complicar, a denominação agrega um conjunto de doenças tão diferentes que parece coincidência todas se originarem nas glândulas mamárias. “Daí que não existe mais uma conduta única”, informa o oncologista Artur Katz, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. 

Os tumores de mama se dividem em quatro grupos. Dois deles (que correspondem a sete em cada dez casos) são os dos cânceres que reagem à progesterona ou ao estrógeno – as glândulas mamárias são extremamente sensíveis a esses hormônios sexuais. “As células malignas de alguns tumores mantêm essa sensibilidade e isso cria a oportunidade de mexer com os hormônios para estancar seu crescimento”, explica Katz. Neles, a incidência de cura é alta, mas a possibilidade de a doença se tornar crônica sempre existe – sempre! –, e a medida dessa ameaça costuma ser proporcional ao tamanho do tumor. Cada milímetro maior representa 1% a mais de risco de metástase futura. Feitas as contas, um câncer dependente de hormônio de 2 centímetros tem 20% de probabilidade de se espalhar mais tarde. 

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“A quimioterapia só diminui esse perigo em um terço”, ensina Antônio Luiz Frasson, mastologista do Hospital Israelita Albert Eistein, em São Paulo, e professor adjunto da Faculdade de Medicina da PUC do Rio Grande do Sul. Ou seja, mesmo aumentando a margem de segurança, até um desses tumores mais fáceis de ser tratados pode se tornar crônico. “E essa probabilidade dobra em um grupo mais agressivo, que representa 15% dos casos”, conta Frasson, referindo-se aos tumores do tipo HER2 positivo. Esse é o nome de uma proteína que regula a proliferação das células mamárias. Normalmente, cada célula contém 20 mil cópias dela. Já nas células tumorais HER2 positivo existem 2 milhões. “Se fosse uma corrida, diria que os outros tumores avançam como um Fusca, enquanto o tipo HER2 seria uma Ferrari”, compara. “São aqueles casos em que a mulher é surpreendida por um caroço no seio poucos meses depois de fazer a mamografia.”

Desde 2006, porém, há drogas para bloquear a proteína HER2, de maneira que também encontramos mulheres convivendo com esse tipo da doença há muitos anos. Difíceis, ao menos por enquanto, são os tumores do quarto e último grupo, os triplo-negativos, equivalentes a outros 15% dos diagnósticos. Mais frequentes em jovens, a denominação “triplo” refere-se ao fato de que eles não esboçam reação ao trio progesterona, estrógeno e HER2. Ou seja, não existe um alvo em que o tratamento possa mirar, e os episódios ainda não têm como ser controlados por um tempo extenso. “Nos outros tipos, em que a doença pode desenvolver a forma crônica, usamos os remédios de forma sequencial. Isso não só minimiza efeitos danosos de alguns medicamentos como podemos substituir os que deixam de oferecer a ação desejada por outros, ganhando mais tempo”, observa Óren Smaletz, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

EFEITO COLATERAIS
Seria ingenuidade, porém, imaginar que o tratamento contínuo deixa a vida absolutamente normal. Quem se submete a hormonoterapia, por exemplo, reclama de sintomas similares aos da menopausa, só que exacerbados, como ondas de calor, aumento de peso, fragilidade óssea e secura vaginal. À quimioterapia, que hoje é o nome genérico para centenas de combinações de medicamentos (aplicados em uma veia comum, por um cateter implantado ou até mesmo por via oral),  associam-se drogas para amenizar seus inconvenientes, como as que barram enjoos e evitam anemias. Há ainda uma touca gelada que, ao comprimir os vasos do couro cabeludo, dificulta que o remédio contra o câncer alcance (e destrua) os folículos pilosos. Se, ainda assim, houver queda de cabelo, utiliza-se a prótese, uma peruca feita com fios de cor e espessura próximas às originais, só que colada no couro cabeludo. Por isso, não sai nem quando a paciente lava a cabeça no banho. Mesmo com tantos recursos, nada espanta a fadiga causada pelos quimioterápicos.

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“O tratamento continua pesado”, reconhece a oncologista clínica Solange Moraes Sanches, do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo. “Mas, com o tempo, a mulher nota que a vida segue e resgata seus planos. Uma paciente chegou ao consultório com um bebê de colo e uma metástase. Agora, volta com a filha aos 10 anos contando que, ao levá-la para o balé, decidiu fazer aulas de dança flamenca. Outra foi diagnosticada prestes a iniciar o mestrado e parou com tudo. Depois de anos controlando a doença, ela me perguntou se não era hora de retomar o curso. Claro que minha resposta foi sim.” Mais do que novas drogas, esse talvez tenha sido o maior avanço na batalha contra o câncer de mama. “Ver a paciente viver com o câncer, e não pelo câncer, é algo que se aproxima bastante de um conceito de cura”, diz Sanches. 

SAÚDE EMOCIONAL
A psiquiatra Maria Tereza Lourenço, que também é ligada ao A.C.Camargo, comenta: “Só se fala da mulher que faz exames de prevenção e daquela que superou o câncer quando, entre esses extremos, existe uma população que está há mais dez, 15 anos em uma jornada por vezes bastante solitária”. Não raro, a paciente crônica evita falar dos sintomas do tratamento ao perceber o cansaço da família diante do tema recorrente. Ela também silencia o que sente no ambiente profissional. O maior motivo não é esconder a doença. Pelo contrário: “Uma das maiores queixas é que, justamente porque tocam o trabalho e não aparentam ter problemas, são acusadas de, no mínimo, exagerar sobre seu estado de saúde”, observa a psico-oncologista Christina Tarabay, de São Paulo. 

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Ninguém questiona, porém, o papel do estilo de vida e do equilíbrio mental no sucesso do tratamento. “Quando o médico fala para a mulher não se preocupar porque está tudo sob controle, ele está olhando apenas para os sintomas físicos, sem se dar conta do ser humano como um todo. E isso precisa mudar, especialmente nos casos crônicos”, opina a oncologista e pediatra Denise Tiemi Noguchi, responsável pela Medicina Integrativa do Hospital Albert Einstein, área que reúne um conjunto de propostas para dar suporte ao paciente, como ioga, meditação e valorização da espiritualidade. 

É para munir a mulher não só de informações sobre câncer e seus tratamentos mas de apoio para seguir com autoestima e serenidade que a psico-oncologista Luciana Holtz fundou, em 2009, a ONG Instituto Oncoguia, em São Paulo, a primeira a lançar um projeto focado em pacientes de câncer de mama metastático. De tempos em tempos, ocorrem rodas de conversa e, entre risos e confissões, as participantes compartilham suas experiências e se fortalecem mutuamente. Além do grupo de apoio, a organização promove eventos como doação de lenços e oficinas de maquiagem. “É importante que saibam que não estão sozinhas”, diz Luciana. 

A dona de casa mineira Lígia Marques de Paula, 54 anos, concorda que apoio faz muita diferença. “Ao descobrir o tumor, já me vi careca, na cadeira de rodas. Mas o tratamento não foi um bicho de sete cabeças”, afirma, grata ao suporte da família, em especial ao marido, para enfrentar todo o processo.

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