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Automedicação: quando a prática é considera perigosa para a saúde

Praticada sem critério, a automedicação oferece perigos à saúde. Mas, com responsabilidade, pode trazer alívio, economizar recursos e evitar sobrecargas ao sistema de saúde. O ideal é saber até onde você pode ir.

Por Cristina Nabuco (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 14h39 - Publicado em 10 nov 2014, 22h00
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Quem nunca tomou um comprimido contra dor de cabeça e cólica menstrual sem o aval do médico? Ou ingeriu o remedinho para dormir que saiu da bolsa de uma amiga prestativa? O hábito de se automedicar e embarcar nas indicações de leigos faz parte da nossa cultura. Foi o que comprovou uma pesquisa divulgada em maio. Os brasileiros que utilizam fármacos sem prescrição chegaram a 76,4% no levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação do Mercado Farmacêutico (ICTQ) com 1 480 homens e mulheres em 12 capitais. Os campeões do consumo não são os idosos. Aliás, são bem jovens: 90,1% estão entre 16 e 24 anos. Contribui para isso o acesso fácil. Nosso país abriga o maior número de farmácias do mundo – e elas são verdadeiras tentações, repletas de cosméticos, guloseimas e perfumes expostos no meio das drogas. São 91 mil lojas, três vezes além do considerado necessário: uma para cada 10 mil habitantes. “Qualquer pessoa abre uma farmácia em qualquer canto, às vezes sem observar as exigências sanitárias e legais”, diz Walter Jorge João, presidente do Conselho Federal de Farmácia. A expectativa é acabar com essa prática a partir da entrada em vigor de uma lei, aprovada pelo Congresso e à espera da sanção da presidenta Dilma Rousseff. O estabelecimento deixará de ser comercial para se transformar em unidade prestadora de serviços de assistência à saúde. “A abertura desenfreada estimula a automedicação, que pode ter consequências seriíssimas”, diz o farmacêutico.

Segundo o Sistema Nacional de Informações TóxicoFarmacológicas (Sinitox), os medicamentos são a principal causa de intoxicação, superando produtos de limpeza, agrotóxicos e animais peçonhentos. O último dado é de 2011, quando remédios acarretaram 30 249 registros e 53 mortes. E há o risco de reações alérgicas e outros eventos adversos, sobretudo se a pessoa fizer uso de mais de uma medicação ao mesmo tempo ou exagerar na quantidade. No estudo do ICTQ, 32% assumem aumentar a dose tentando potencializar o efeito. Mais: muita gente, ao tomar um remédio mal empregado, mascara os sintomas da doença que tem, retardando o diagnóstico e o tratamento.

Quando é bem-vinda

A automedicação, tida como uma jogada potencialmente perigosa, em alguns casos é desejável e até necessária. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera benéfica e complementar ao sistema de saúde o que chama de “automedicação responsável”. Para adotá-la, é preciso manter certos critérios, como explica o pediatra e toxicologista Anthony Wong, chefe do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Um deles está relacionado à natureza das doenças: “A maioria delas é autolimitada; portanto, o sistema imunológico consegue combatê-las. Então, basta aliviar os sintomas”. Wong lembra que essa ideia não contempla situações muito intensas ou debilitantes. Já febres, dores de cabeça, vômitos e diarreias decorrentes de quadros virais, como resfriados e viroses intestinais, dispensam a ida ao médico e podem ser atenuados com medicamentos isentos de prescrição (MIPs), que são liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ficar à mão de todos na farmácia. Antes, mesmo sem necessidade de receita, eles ficavam atrás das gôndolas, onde só balconistas tinham acesso.

Conhecidos fora do Brasil por OTC (da expressão em inglês over the counter, isto é, sobre o balcão), esses medicamentos não tratam as causas e têm margem de segurança alta. É o caso de analgésicos, antitérmicos, laxantes, antiácidos. Após dois ou três dias, se não houver alívio ou ocorrer piora, daí, sim, busca-se o médico. “Seria o caos se as pessoas com problemas triviais e sem maiores consequências fossem, de cara, aos saturados sistemas de saúde público e privado. Eles não dariam conta da demanda”, diz Wong. Para o médico, a medida não só economiza recursos como evita a perda de tempo nos pronto-socorros lotados e aexposição a agentes infecciosos perigosos. Wong já atendeu crianças que contraíram catapora por ficarem horas em filas de hospitais. “Insisto para as mães não levarem o filho logo que aparece uma febre. Devem aguardar o surgimento de outros sintomas que ajudarão no diagnóstico, e só dar antitérmico se a temperatura ultrapassar 38,3 graus ou provocar muita indisposição.”

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Antibióticos e Antidepressivos

Além de admitir as drogas isentas de prescrição, o conceito de automedicação responsável inclui a utilização de remédios que já foram receitados por um médico para aquela pessoa. Numa nova crise, e na presença de sinais bem conhecidos, ela pode tomar a droga de novo. Isso vale para dores crônicas em geral, cólicas menstruais, distúrbios articulares moderados, rinites alérgicas e enxaquecas. Não havendo melhora, a ida ao médico torna-se indispensável. Mas Wong afirma que aautomedicação responsável não se aplica a todo tipo de droga. Devem ficar longe de sua tese antibióticos, antidepressivos e fármacos que podem causar dependência – entre eles os opioides, tranquilizantes e outros de tarja preta.

Não à toa, a legislação determina, nesses casos, que a receita seja retida. Ainda que tenha sido prescrito uma vez, o novo uso requer supervisão. “Cada dor de garganta pode ter origem diferente. Uma depressão nem sempre é igual à anterior”, diz Wong. Por isso, a validade da receita é limitada a dez dias, para antibióticos, e um mês, para anorexígenos (que tiram o apetite e levam à perda de peso), antidepressivos e psicotrópicos (tranquilizantes, sedativos e demais remédios que agem no sistema nervoso central induzindo ao sono ou acalmando).

Superbactérias

A venda controlada de antibióticos entrou em vigor em 2010. “Era preciso uma atitude drástica, pois eles figuravam no imaginário popular como solução para tudo”, diz a médica Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. Com frequência, antibióticos eram usados em gripes e resfriados, mesmo não tendo qualquer efeito sobre vírus, já que agem apenas contra bactérias. Além do perigo de gastrite, danos ao fígado e aos rins, infecção sanguínea e reações alérgicas, o uso inadequado pode causar resistência. Nos Estados Unidos, superbactérias encontradas nos hospitais já matam mais do que a aids – são 23 mil mortes anuais, ante 15 mil causadas pelo HIV. “Há alguns anos tratávamos infecção urinária com o antibiótico sulfametoxazol”, conta ainfectologista. “Não prescrevemos mais, porque a bactéria se tornou resistente a ele.” Um relatório da OMS de março, alerta para a era pós-antibiótico, em que as pessoas voltam a morrer de infecções que eram tratáveis há décadas, caso da tuberculose. Como os laboratórios quase não investem na produção de novos antibióticos – por serem menos lucrativos que, por exemplo, fármacos para diabetes, ingeridos diariamente e ao longo da vida toda -, há poucos lançamentos na área. As opções estão ficando limitadas, enquanto as bactérias se tornam cada vez mais poderosas. “Para não esgotar o arsenal, o uso tem de ser racional. É preciso cuidado para definir quando usar, qual o tipo, em que dosagem, por quanto tempo. O controle ainda protege o paciente contra infecções de repetição”, diz Rosana. “E isso vale para versões orais, injetáveis ou tópicas (pomadas e colírios).”

A infectologista recomenda também cautela quanto ao emprego de anti-inflamatórios em episódios sucessivos de dores crônicas. Embora sejam os remédios mais vendidos no país e sem retenção de receita, o uso recorrente ou prolongado pode irritar a mucosa do estômago e dointestino, prejudicar o fígado e causar lesões nos rins. “Medicamentos de uso contínuo necessitam de supervisão periódica”, lembra. “Nenhumremédio é inócuo”, explica ela. Uma simples aspirina (ácido acetilsalicílico) pode interferir na coagulação do sangue, aumentando o risco de hemorragia. Por isso, é contraindicada na suspeita de dengue. Em doses altas, até analgésicos comuns, como dipirona, causam reações alérgicas e outros prejuízos em pessoas sensíveis. O paracetamol pode lesar o fígado e, associado a anti-inflamatório ou multigripal, torna-se um veneno para os rins.

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Portanto, o principal requisito para praticar a automedicação responsável é estar bem informado. “Conversar com o farmacêutico reduz os riscos”, diz Walter Jorge João. Ele não é balconista da farmácia nem está de plantão apenas para aplicar injeções ou autorizar a venda de remédios controlados. “Com a nova lei, aumenta a sua responsabilidade e o seu compromisso de zelar pelo uso correto de medicamentos”, afirma. “O farmacêutico deve orientar sobre dosagens, horários, possíveis efeitos adversos e interações medicamentosas. Sempre que necessário, ele encaminhará o paciente ao médico.” E está ali também para ensinar que farmácia não é shopping center.

Alerta vermelho

Evite as práticas a seguir, consideradas perigosas para a saúde

  • Tomar um remédio que exige receita sem orientação médica.
  • Experimentar fármacos sugeridos por amigos e parentes, ainda que tenham sido prescritos por médico a eles.
  • Recomendar para outras pessoas medicações indicadas para você.
  • Usar antibiótico, antidepressivos e remédios de tarja preta por conta própria, mesmo que recomendado por um médico tempos atrás.
  • Aumentar a dosagem para tentar potencializar ou acelerar o tratamento.
  • Associar medicamentos de forma indiscriminada. Um pode potencializar ou anular o efeito do outro.
  • Comprar remédios pela internet para fugir à obrigatoriedade da receita.

O que é uso responsável

Os mandamentos para aumentar a segurança no consumo de medicamentos

  • · Confira o prazo de validade antes de ingerir qualquer produto.
  • Leia a bula ou peça orientação ao farmacêutico quanto a dosagem, modo de usar e interações medicamentosas.
  • Busque socorro se tiver sintomas atípicos ou intensos, como febre muito alta e dor aguda que nunca sentiu antes, ou se é portadora de uma condição prévia que debilite a saúde.
  • Retorne ao médico para pesquisar outros problemas, caso as costumeiras cólicas menstruais ou as dores de cabeça começarem a se repetir com mais frequência.
  • Siga a prescrição, não interrompa o tratamento na metade, mesmo havendo melhora.
  • Conserve na farmacinha de casa apenas remédios de venda livre. Não guarde sobras de medicação com tarja para evitar a tentação de uso futuro.
  • Devolva as sobras à farmácia para serem incineradas. Não jogue no lixo nem no vaso sanitário para evitar riscos ao meio ambiente.
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