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A escalada das doenças sexualmente transmissíveis

O abandono da camisinha, o tratamento errado e até a onda dos aplicativos de namoro impulsionam a escalada das doenças sexualmente transmissíveis

Por Cristina Nabuco (colaboradora)
Atualizado em 29 nov 2022, 14h54 - Publicado em 11 fev 2016, 10h48
Getty Images
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Um flagelo do passado volta a assustar. Apesar de ser facilmente curada com antibióticos, a sífilis se alastra em ritmo de epidemia no Brasil. Em 2010, foram registrados no estado de São Paulo 7,3 mil casos entre homens e mulheres. Três anos depois, o grupo de infectados pela bactéria Treponema pallidum quase triplicou, saltando para 19 mil. A detecção em gestantes cresce no país inteiro. Elas eram 6,6 mil em 2007 e, na última contagem do Ministério da Saúde, em 2013, o número chegou a 21,3 mil, com a transmissão atingindo 64% dos bebês.

A doença é traiçoeira: uma feridinha no pênis ou na vulva desaparece em uma semana – fazendo a pessoa achar que suas defesas foram eficientes –; meses depois, a pele é tomada por manchas vermelhas, acompanhada da chegada de mal-estar e febre, que somem por conta própria. Muitos anos mais tarde, tende a inflamar a aorta ou a atacar o sistema nervoso central – a ponto de acarretar paralisia progressiva, afetando o andar. Essas graves consequências não são a única preocupação provocada pela sífilis: ela é conhecida pelo termo técnico de doença sentinela. “Funciona como um indicador do que acontece com outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), cujos episódios não são registrados oficialmente”, informa o médico sanitarista Artur Kalichman, coordenador adjunto da seção paulista do Programa de DST/Aids. Para ele, não há dúvidas: “Se a incidência de sífilis sobe, a das outras DSTs acompanha”.

As explicações da escalada se concentram na queda da prevenção e nas novas formas de relacionamento. A camisinha vem sendo dispensada desde que o pânico de contrair aids perdeu força. “De 1995 para cá, com os coquetéis que mantêm o vírus sob controle, a aids passou a ser vista como um mal crônico e tratável”, relata a infectologista Angélica Espinosa Miranda, presidente do Comitê Científico de DSTs da Sociedade Brasileira de Infectologia. E sem o preservativo, a porta se abriu para as DSTs.

Na área do comportamento, os aplicativos para aproximar pessoas, que as colocam mais atraídas para o sexo e a troca de parceiros, colaboram com o contágio, avaliam os especialistas. O Tinder, com 10 milhões de usuários no nosso país, e o Grindr, voltado para gays, com 5 milhões em 192 nações (aqui existem 203 mil inscritos), são foco de estudos. Segundo o departamento de saúde do estado americano de Rhode Island, quando esses apps decolaram nos Estados Unidos, entre 2013 e 2014, subiu 79% o índice de afetados pela sífilis e 30% pela gonorreia, que no homem provoca dor ao urinar e secreção purulenta e pode levar a mulher à infertilidade. No Reino Unido, a chegada dos aplicativos foi simultânea a um aumento de 15% nos casos de gonorreia e 9% nos de sífilis. “Embora o impacto no Brasil não tenha sido medido, é de se esperar algo parecido”, comenta Angélica.

O que fingimos não ver

Com notificações precárias e poucas campanhas, as informações deixam de circular e os brasileiros não se importam com as “antigas” doenças venéreas. Conhecê-las é o primeiro passo para afastá-las. É o que se pretende a seguir. A infecção pelo papilomavírus humano (HPV) atinge 80% da população de vida sexual ativa e pode provocar de verrugas genitais em ambos os sexos a câncer de colo de útero. Já a bactéria Chlamydia trachomatis está presente em 10% das brasileiras na faixa dos 20 anos e gera a clamídia, que não produz sintomas em 75% do grupo e em geral só é detectada quando causa danos ao aparelho reprodutivo e infertilidade. O herpes genital se materializa em dolorosas vesículas, parecidas com glóbulos de líquido, que, rompidas, viram feridas. E a gonorreia, assintomática nas mulheres, induz à inflamação da pelve, tende a obstruir as trompas e conduzir à esterilidade em 25% dos casos ou à gravidez tubária. Estima-se 1,5 milhão de novos casos por ano. Se antes ela era facilmente tratada, agora a bactéria Neisseria gonorrhoeae tem se mostrado resistente ao antibiótico em vários países. “No Brasil, há sinais de resistência em Minas, Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo”, diz Angélica.

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Já o vírus HIV contaminou mais de 1 milhão de brasileiros, do início da epidemia de aids até 2015. Deles, quase 800 mil desenvolveram a doença, que deixa o sistema imunológico vulnerável e propenso a tuberculose e pneumonia. Nem todos os infectados procuram socorro nos antirretrovirais (o coquetel), que têm sido usados também para impedir a infecção após acidentes com agulhas, violência sexual e sexo sem proteção. Além disso, alerta Angélica, diferentemente do que se imagina “a profilaxia pós-exposição não barra outros agentes infecciosos”. Assim, não impede, por exemplo, a evolução da sífilis e de outras DSTs.

O mal e o preconceito

Todas as infecções transmitidas pelo sexo podem ser tratadas. O que dificulta o combate é o estigma que pesa sobre as DSTs. Por isso, são comuns a demora em consultar um médico, a não inclusão do parceiro no tratamento (o que favorece a reinfecção), a interrupção do uso dos remédios e a automedicação. A droga inadequada ou ministrada na dose errada cria as condições para uma bactéria desenvolver resistência e prejudica ainda mais o controle. O calvário pode ser evitado com uma atitude básica e simples: a adoção constante do preservativo.

  • Coloque a camisinha (masculina ou feminina) antes da penetração e do contato com as mucosas genital, anal ou oral, em sexo hetero ou homossexual.
  • Nas relações estáveis, os dois devem se submeter a exames de DSTs caso decidam abandonar o preservativo. Com resultado negativo, estabeleça regras claras; por exemplo, usar a camisinha em contatos extraconjugais. O pacto de fidelidade nem sempre funciona. Cientistas americanos da Ball State University constataram que um quarto dos “monogâmicos” trai.
  • Se estiver grávida, faça o teste de sífilis no primeiro trimestre. Em caso positivo, você e seu parceiro precisam se tratar e repetir o teste no último trimestre.
  • Use os apps de namoro quanto quiser, mas só aceite sexo seguro.
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