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Conheça a primeira ministra negra do TSE, Edilene Lôbo

A jurista e professora mineira acredita na importância de se ter novas caras, nomes e sobrenomes no poder. Conheça aqui sua trajetória

Por Dani Moraes
Atualizado em 13 dez 2023, 14h15 - Publicado em 13 dez 2023, 09h00

Foram necessários 91 anos, desde a criação da Justiça Eleitoral, em 1932, para que uma mulher negra finalmente ocupasse uma cadeira de Ministra substituta no Tribunal Superior Eleitoral brasileiro. O feito, inédito, tem nome e sobre – nome: Edilene Lôbo. Doutora em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), é professora universitária — no Brasil e no exterior — e autora de livros e artigos jurídicos.

Dona de uma expressão cordial e, ao mesmo tempo, assertiva, a Ministra conversou comigo, virtualmente, a partir de seu gabinete, na sede do TSE, em Brasília/DF, e falou sobre os desafios da equidade racial e a ausência de mulheres negras nos espaços decisórios. “É importante ver iguais todos os dias, em todos os lugares, fazendo as coisas mais importantes e mais simples, porque não têm pessoas melhores ou piores, têm pessoas com funções diferenciadas”, enfatizou.

Caras diferentes no poder

Vinda de uma família numerosa da região norte de Minas Gerais, Edilene é a 17ª filha entre 20 irmãos. A carreira de destaque garante o legítimo exercício das suas funções, sem que passe despercebida a relevância histórica de seu trabalho: “Eu estou num lugar de extrema responsabilidade. Não é uma dádiva, um presente ou porque eu mereço. É porque esses espaços decisórios precisam de ter cara, rosto, nome, sobrenome e CPF, que não são das oligarquias”.

Entre suas preocupações, está a manutenção e o avanço das políticas de equidade nas instâncias de poder. “Minha função aqui é limitada, esse cargo onde eu estou é por um tempo muito determinado, mas eu espero que nunca mais falte nesta Corte mulheres negras, como eu.” O desejo de Edilene encontra eco no de muitas.

Está no simples e objetivo cumprimento da Constituição Federal a razão pela qual a Ministra compreende a importância da sua nomeação, para um mandato de dois anos, mas ressalta que o papel do Poder Judiciário é fazer com que a Lei maior do país seja cumprida também dentro das instituições e espaços públicos e privados.

“O Judiciário tem que ter um compromisso com o combate à desigualdade. Nós precisamos colocar na mesa o debate sobre distribuição de riquezas no Brasil. Falar de segurança social, antes de falar de segurança jurídica. Portanto, é um papel do Judiciário brasileiro fazer com que os direitos fundamentais sejam implementados”, declara, com perfeita clareza.

Nesse sentido, vê a necessidade de vigilância na aplicação do pacto que a Constituição estabelece: “Significa fazer o dever de casa, olhar para dentro, observando paridade e equidade racial.(…) O Judiciário tem uma função árdua, mas nobre, e que ele dá conta”, acredita.

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Ser mulher e negra, no Brasil

A tarefa, no entanto, não é fácil nem vem sendo priorizada. Ao longo da entrevista, a Magistrada faz questão de apresentar dados que demonstram a dimensão do desafio que o país carrega para que a palavra “equidade” seja, verdadeiramente, entendida em sua equivalência com o sinônimo: justiça. “As mulheres negras são 28% da população brasileira, sendo representadas por apenas 5% de magistradas”, informa.

O Brasil é signatário da Agenda da ONU (Organização das Nações Unidas) para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), comprometendo-se, até 2030, entre outras questões, com a paridade de gênero nos espaços decisórios. “Faltam apenas sete anos até lá, e temos 6% de Vereadoras negras nas Câmaras Municipais; 4% de Prefeitas nos Executivos municipais, 6% de mulheres negras e 18% de mulheres no Parlamento Federal”, diz. “Pelo que alguns cientistas indicam, nós estaríamos, no Brasil, 90 anos distante da paridade de gênero nos espaços decisórios. Isso é extremamente preocupante”, observa.

Para ela, a estética também conta para a transformação. “Nós somos 65% das empregadas domésticas. Há uma deliberada exclusão. Por isso, quanto mais mulheres negras, como eu, para ocupar os espaços decisórios e compor a estética dessa sociedade plural na fotografia da oficialidade, melhor”.

E os números não param por aí. De acordo com a Ministra do TSE, o Brasil tem encarcerado rapidamente suas mulheres. “Da massa carcerária feminina, 68% são mulheres negras jovens”. A renda mensal desta população é de R$1.690. Já entre a parcela de 1% da população, que concentra a riqueza do país, a renda é de R$147 mil por mês.

“Por isso, tenho insistido em colocar números na mesa. (…) quando você confere os números, eles te dão a fotografia. É essa fotografia que diz que o Poder Público, o mundo corporativo, o mercado, a iniciativa privada precisam imprimir velocidade para que esse processo reparatório chegue a bom tempo, rapidamente”, diz.

Um país que não gosta de pobres

Para Edilene, jogar luz sobre os números é uma forma de dizer: “Este é um país racista, classista e aporofóbico. Pobre tem um lugar secundário nessa sociedade. Reconhecer isso é metade do caminho para tratar de enfrentar o problema”. E demonstra intensa repulsa à apatia generalizada: “É insuportável que os números que falamos se mantenham, sem que as pessoas tremam de indignação”.

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Ao relembrar sua trajetória, Edilene diz que não viu na infância ou na adolescência meninas e mulheres negras em posições de decisão nem mesmo com algum destaque no ambiente doméstico.

“Parte do enfrentamento da exclusão e da desigualdade também passa pelo reconhecimento. A naturalização da ausência de grupos de maiorias minorizadas, como é o caso das mulheres negras, nos vários espaços da vida, conta para nós, sem que seja necessário dar uma chicotada, que o nosso lugar é na senzala.”

Mudar essa realidade, entretanto, é possível, em sua opinião. “O Brasil é a décima potência econômica do mundo com um dos povos mais pobres, não tem sentido. É preciso haver uma compreensão de que é possível romper esse poço de desigualdade. Nós temos que colocar na mesa o debate sobre a distribuição igualitária das riquezas”, afirma.

“Não é uma benesse ocupar os espaços com pessoas negras, é um mandamento constitucional “, ressalta. “O modo de evitar o retrocesso das ações afirmativas no mínimo civilizatório é transformar essas políticas de governo em políticas de Estado. E compreender que cotizar os espaços de saber, de educação, decisórios é um ponto de partida interessante, mas não pode ser ponto de chegada. O ponto de chegada é a igualdade, a paridade. (…) Há pressa e nós não estamos autorizadas e autorizados a estacionar”.

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