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Quem vai proteger as juízas marcadas para morrer?

O episódio do Fórum do Butantã, em que a juíza Tatiane Moreira Lima foi mantida como refém de um louco, tem que servir de lição para os Tribunais

Por Patrícia Zaidan
Atualizado em 16 out 2016, 01h33 - Publicado em 1 abr 2016, 19h12
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Trabalhar nos fóruns brasileiros é uma atividade de altíssimo risco, com o magistrado se tornado uma presa fácil dos marginais. O crime organizado, que abate aeronaves no ar e explode prédios onde a Justiça funciona, não tem a menor dificuldade de encontrar um juiz sentadinho em sua mesa. Falta o básico na maioria dos fóruns, muitos não têm sequer detectores de metal na porta. Quando o juiz é uma mulher, a situação piora. Conheci uma no interior do Paraná que levava para as audiências seus dois rottwellers, porque não se sentia segura. As mulheres do mundo jurídico se viram como podem.

A juíza Tatiane Moreira Lima, da Vara da Violência Doméstica, foi feita refém por um homem, na quarta (30/04), no paulistano Fórum do Butantã. Alfredo dos Santos, que imobilizou a autoridade no chão e a chamou de pilantra, é acusado de agredir a ex-mulher e teria que acertar contas com a doutora Tatiane. Ele entrou no local sem ser incomodado. Levava uma mochila cheia de explosivos. Havia estudado como chegar à sala dela e, depois, incendiar o local.

Uma juíza trabalhando sem amparo é trivial. Acontece todo dia. A magistrada Glauciane Chaves de Melo acabou numa poça de sangue em seu gabinete em Alto Taquari (MT), no ano de 2013. Era aniversário da Lei Maria da Penha e os tiros disparados contra Glauciane partiram do ex-marido dela. Evanderly de Oliveira Lima escolheu liquidá-la naquele local para desmoralizar a mulher e peitar a Justiça. No ano passado, alegando ter agido por amor, o bruto saiu do julgamento condenado a 18 anos de prisão.

Em 2011, logo depois do assassinato da juíza Patrícia Acioli, investiguei a situação das ameaçadas de morte  Patrícia saía tarde da noite do fórum de São Gonçalo, quando foi metralhada por PMs criminosos do Estado do Rio de Janeiro, a quem combatia. Eu me espantei: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) não sabiam quantas juízas eram mantidas sob proteção do Estado. Muito menos o contingente feminino correndo risco de vida, no exercício da função. As anotações se restringiam ao total de 134 juízes, sem distinção de sexo. Com a ajuda da corregedora nacional de Justiça da época, a ministra Eliana Calmon, fomos levantando dados nos Tribunais de cada Estado. A conclusão: 43 mulheres estavam na mira de contraventores e quadrilheiros. Hoje, o grupo dos ameaçados é de 202 magistrados. E, novamente, não se sabe quantos deles são do sexo feminino. Por que faz diferença conhecer esses dados? Há vários motivos. A juíza aposentada Denise Frossard, que acabou com o poderio do Jogo do Bicho no Rio, me disse: “Um juiz ameaçado manda a mulher e as crianças se refugiarem na casa da sogra, longe da comarca. Já a magistrada não se separa dos filhos, e eles correm os riscos com ela”.

Por ainda se sentir com a capacidade em teste, uma mulher se queixa pouco ao seu Tribunal. Quando me deu entrevista, a juíza Dayna Tajra contou que no Maranhão, onde atuava, ela contava só com a sorte. Sua casa em Estreito havia sido pichada com a palavra “mata”, e o fórum amanhecera incendiado. Ela tinha na bolsa um delicado revólver de cabo de madrepérola, que mais parecia brinquedo e cabia na palma da mão. Dayna secou com seu secador de cabelo os processos que sobraram na água usada para apagar o fogo. Eram relacionados a grupos fortes que traficavam drogas e armas.

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Cláudia Panetta enfrentou em Itabuna (BA) os comandantes do presídio sob sua jurisdição, com mais de 950 homens. Eles manipulavam inclusive funcionários do fórum, que deveriam auxiliar Cláudia no combate ao crime. Ela derrubou o esquema, mandou muita gente para  as grades, enquadrou alguns líderes do presídio. Mandaram avisar que a cabeça dela estava disputada. “Não tenho medo, tenho cautela. E jamais me deixarei dominar”, declarou.

Encontrei a juíza Adriana Benini de colete à prova de balas no recém-inaugurado fórum da paranaense Rio Branco do Sul. O colete, a blindagem de seu carro e o monitoramento com câmeras em sua casa haviam sido bancados com as economias dela e do marido.  O contrabando era grande e a matança, até entre políticos, só cresciam na cidade. Ela me mostrou a janela de seu gabinete, que dava para a rua: “Não é preciso luneta para acertar a minha cabeça”, comentou. No cômodo ao lado, Adriana tinha que guardar pistolas e municão, que eram provas dos crimes. Qualquer um podia ir ao fórum, soprar a porta frágil e roubar o arsenal. “Abri mão de muita coisa na vida por causa da magistratura e não tenho a contrapartida mínima, que é tranquilidade para trabalhar.”

Alessandra Bilac, juíza criminal no Rio de Janeiro, tinha os músculos do rosto crispados e se via incomodada com uma forte dor de cabeça no dia em que a visitei no fórum. Estava sendo informada, por desembargadores, que sua escolta de seis homens passaria para oito, porque acabava de fugir da cadeia um ex-cabo condenado por ela. Havia escapado do presídio da PM com auxílio (provavelmente de colegas da corporação) e com a missão de reunir matadores para eliminar as autoridades que, como Alessandra, tentavam dizimar a famosa quadrilha “Liga da Justiça”, formada por ex-policiais e políticos do Estado. Alessandra afirmou: “Você condena um, aparecem vários. Mas se tiver medo da milícia e deixar de enfrentá-la, é melhor mudar de profissão”. Seus superiores determinaram que ela não saísse de casa.

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Eliana Calmon,  corregedora do CNJ até 2012, recebeu a queixa de uma juíza de Jaboatão dos Guararapes (PE), que estava à beira de um colapso nervoso. Ela julgava mais de 400 processos por ano, todos do crime organizado, e o Tribunal de Justiça pernambucano disse que não tinha um carro blindado para oferecer a ela. Então, Eliana resolveu o problema. Pegou um que havia sido apreendido com um traficante do Sul e mandou para a juíza ameaçada de morte. Ainda pediu uma força-tarefa para ajudá-la com os processos.

O país precisa descobrir quantas juízas estão com problemas também por mais um motivo que não me agrada elencar, mas é real. O presidente da AMB, João Ricardo Costa, me garantiu: se fosse um juiz no lugar de Tatiane Moreira Lima, o agressor do Butantã não teria agido da mesma forma. “Aquilo foi uma violência de gênero. Um homem não admite ser submetido a uma mulher que lhe impõe uma decisão judicial ou uma medida que ele não gosta de cumprir. E por isso, tratou a juíza com todo desprezo.”

Sob essa lógica, alguém diria que as mulheres não servem para arbitrar. As juízas que entrevistei para a reportagem de 2011 mostram o contrário e não deixam dúvidas sobre coragem e caráter. Não é diferente com Tatiane. Depois do episódio do Butantã, ela postou uma mensagem para contar que os danos físicos e emocionais sofridos foram mínimos, um maluco não atrapalhará o trabalho que ela ama fazer e que espera ver seu caso se transformar em algo bom para os colegas de profissão, que precisam ter proteção para atuar.

 Os Tribunais de Justiça de todo o país precisam ouvir o recado de Tatiane e desmontar as arapucas nos fóruns. Eles devem ser o lugar onde a Justiça é operada com firmeza e serenidade. No mínimo, com uma arquitetura menos precária, com câmeras, detectores de metais, compartimentos de concreto para guardar as armas dos crimes. E — mais importante – contar com um setor de inteligência para antever ataques aos juízes, além de oferecer a eles medidas efetivas de segurança.

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