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Qualquer dos desfechos tende a ser ruim para Dilma Rousseff. E péssimo para as mulheres

Bandeira a meio-pau é sinal de tristeza ou protesto. Neste momento, ela significa as duas coisas

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 28 out 2016, 04h36 - Publicado em 3 dez 2015, 18h56
Arquivo/Abril
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Estive três vezes com a presidenta da República. Na primeira, em fevereiro de 2009, para escrever “Dilma Rousseff – a mulher que quer governar o Brasil”, publicado em CLAUDIA, na edição de abril. Ela era ministra-chefe da Casa Civil, estava magrinha, sentia-se rejuvenescida com uma plástica para diminuir as olheiras e amenizar o queixo. Estava pronta para começar a campanha para suceder Lula – embora não admitisse publicamente. Em seu gabinete no Palácio do Planalto, falamos de tango (que ela adora), literatura, infância, Minas Gerais, ditadura, política e sobre a sua relação com os homens – sempre dura. A conversa estava boa, durou mais de duas horas, e ela pediu para a secretária não interromper, nem mesmo para passar a ligação de dois governadores que insistiam em entrar no plano de construção de um milhão de moradias populares. Eu me lembro que Guido Mantega, então ministro da Fazenda, telefonou. Dilma ouviu um pouco e cortou: “Li seu primeiro relatório e não achei satisfatório”. Ele insistiu, ela arrematou: “Guidinho, você já repetiu isso seis vezes. Venha na quinta (a entrevista foi na terça) e conversamos”. Muitas vezes foi considerada grossa, rude, intransigente no trato com os colaboradores. Uma mulher precisa falar grosso, alto e cravar o olho no outro para ser entendida, quando o assunto é o monopólio dos homens – ela me fez crer.

Ninguém poderia prever um pedido de impeachment na sua biografia iniciada na resistência à ditadura militar. Qualquer dos desfechos para o imbróglio do momento tende a ser ruim para Dilma Rousseff. E péssimo para as mulheres. Ela só se salvará do impeachment empenhando muito tempo e energia. Pouco sobrará para tirar o país da paralisia antes do término do seu mandato. O fim dessa história pode atrasar o protagonismo político das mulheres. Talvez demoremos décadas para voltar à Presidência da República. Ou ao cenário das eleições de 2010, quando, no primeiro turno, Dilma e Marina Silva somaram dois terços dos votos na disputa pelo Planalto. Em nenhum país do mundo se viu um quadro assim. Foi uma prova de que os brasileiros deixavam, ali, de desconfiar da capacidade da mulher para chefiar a nação.

Mas a situação é complicada: Dilma se isolou muito no segundo governo, não conseguiu cumprir as promessas de campanha, ficou sem conexão com os setores mais populares, perdeu a ascendência sobre sua base no Congresso, a inflação e o desemprego subiram, e ela não foi implacável com a corrupção e o mal feito à sua volta, como se esperava. Sua atuação no segundo mandato é terrivelmente impopular. Eu jamais diria que, por ser mulher, a presidenta sofreu perseguição, incompreensão ou coisa parecida. Seria vitimizá-la. Não foi pelo gênero.

O CÂNCER E A DECISÃO

Em junho daquele 2009, vi Dilma de peruca, terno lilás, num comovente esforço para demonstrar à intelectuais e comunicadoras de TV, reunidas em almoço na casa de Marta Suplicy, a decisão de enfrentar a disputa eleitoral com projetos de crescimento da economia e políticas sociais e culturais. Eleonora Menicucci, amiga da então candidata e, depois, ministra do governo, havia me dito que alguém que, no limite do câncer e da quimioterapia, resolve ser presidenta, mostra condição para tomar qualquer decisão difícil e sustentá-la. Pode ser que Dilma esteja, no presente momento, munindo-se disso para sair do imobilismo.

Perdi a conta das reportagens que escrevi em CLAUDIA defendendo a presença das mulheres em todos os lugares onde se tomam as grandes decisões do país – no Executivo, Legislativo, Judiciário, no comando das empresas… Não deixei de lado a crença nessa tese. A chegada de Dilma ao poder, em 2010, representou o começo de uma grande virada, depois de 121 anos de República e 39 homens na Presidência. Ela encarnava um desafio: inaugurar um jeito de fazer política descolado dos expedientes da rançosa política praticada pelos homens. Além da honestidade e competência – atributos que não são exclusividade de gênero – Dilma precisava mostrar muito mais. E se assumiu como uma presidenta no feminino. Havia nisso um grande significado. Na época, ouvi da feminista Schuma Schumaher, autora do livro As Herdeiras das Sufragistas, o seguinte: “Se o governo dela falhar, vamos retroceder. Os setores conservadores e a ideologia patriarcal usarão o fracasso para nos desqualificar, como pessoas intelectualmente incapazes, culturalmente inferiores e biologicamente destinadas apenas à maternidade.”

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CARTA À PRESIDENTA

Dezenove dias depois da posse, em janeiro de 2011, eu estava de volta ao Palácio do Planalto. Dilma ainda não havia concedido nenhuma entrevista à imprensa. Conversou por quase 40 minutos com a nossa equipe. Recebeu e comentou a “Carta de CLAUDIA para a presidenta Dilma Rousseff”. O documento tratava de 12 temas importantes para acabar com a desigualdade entre homens e mulheres. Para elaborá-lo, foram ouvidas especialistas, feministas, empresárias, educadoras, organizações que defendem os direitos das mulheres, ONGs, o movimento de mulheres e internautas que enviaram sugestões para o site da revista. Em 2012, na categoria hors-concours, Dilma recebeu o Prêmio CLAUDIA pela valorização da mulher em seu governo (no primeiro momento ela nomeou 11 ministras) e por políticas em sintonia com as lutas femininas – uma delas, o combate à violência doméstica. À CLAUDIA, reiterou: “Tenho orgulho de ser a primeira mulher eleita, democraticamente, presidenta da República pelas brasileiras e pelos brasileiros — mostrando a milhões de meninas de meu país que uma mulher também pode chegar lá”. O quadro hoje não tem nada que se pareça com a eloquência desse discurso. E da Carta com os 12 itens, muito está por fazer.

Nesta quarta (2/12), porém, ousou como há muito não fazia. Disse, sem gaguejar, que não paira sobre ela o desvio de dinheiro público, que não tem contas no exterior nem coagiu instituições ou pessoas em defesa do interesse próprio. Parece decidida a entrar na guerra contra a oposição e a se distinguir de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, que até ontem a chantageava, e que é investigado por corrupção, lavagem de dinheiro e pela conta que mantém na Suíça.

Sou cética em muitas coisas, mas mantenho a teimosia da expectativa. A torcida em primeiro lugar é pelo país. Dilma errou muito. Mas acho que ela ainda pode contornar o fato histórico. Em política não seria um episódio inusitado. No entanto, se ela cair ou se a sua biografia se apequenar, que ela ressurja para uma política de reconstrução do que ajudou a desmontar. Mulher de fibra não corre pra chorar no travesseiro.

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