Programa para o feriado: Aquarius
Porque é essencial ver o novo filme de Kleber Mendonça Filho
Assisti ao delicado Aquarius e faço questão que você assista também. Logo na primeira cena, Aquarius se mostra filme do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho: a estética impecável, o ritmo aparentemente lento (mas angustiante), a beleza de personagens tipicamente brasileiros, que daria para reconhecer na rua. A história gira em torno de Clara, uma mulher forte, independente, à frente de seu tempo. Viúva e mãe de três filhos, a jornalista e escritora trava há alguns anos uma batalha com uma construtora que deseja demolir seu prédio na beira da praia, em Boa Viagem, Recife, para construir um condomínio enorme, típico de metrópoles. Ela é a única que resiste. Como os outros apartamentos foram vendidos, se vê sozinha naquele espaço que antes abrigava tantas famílias diferentes. Aquarius é o predinho de três andares e poucos apartamentos, tão comuns antigamente. Clara segue a vida indiferente a essa solidão. Levanta-se todos os dias e vai até a praia dar um mergulho. É um risco controlado pelo salva-vidas Roberval (vivido por Irandhir Santos), já que a região é conhecida pelas notícias de ataques de tubarão.
Mendonça Filho mostra a Recife que eu conheci nos seis meses que morei lá: mágica, capaz de fazer você se sentir em uma cidade calma e relaxante, mas que, na visão macro, é caótica como as outras metrópoles. Clara sabe bem disso. É uma delícia ouvir o barulho do mar, vê-la sentir a brisa deitada em sua rede na sala. Dá para entender a resistência nessas horas. Aparece também a Recife cultural, com bailinhos dançantes.
Sônia Braga, em triunfante retorno ao cinema nacional, é Clara. Ela representa a transição de tempo e do consumo: tem uma casa forrada de livros e LPs, mas coloca as músicas para o neto ouvir direto do streaming do celular. Moderna, só se apega à sua história, ao sentimento que cada objeto seu lhe traz. “Não posso vender a casa onde meus filhos foram criados”, diz. Outro encanto é acompanhar os dilemas e momentos de fraqueza dessa mulher que é tão decidida na frente dos outros, tão firme, mas que é real como qualquer uma de nós.
Aquarius foi apresentado no Festival de Cannes, onde causou comoção após manifestações políticas do elenco no tapete vermelho. Agora, recebe apoio de outras pessoas do cinema nacional para ser nosso indicado ao Oscar. Talento para tal não falta. Assim como O Som ao Redor, filme de 2012 do diretor, tem estética do cinema dos anos 70 e câmera móvel, dessas que faz a tensão crescer ao acompanhar o olhar do personagem. Tem também a angústia de que a reviravolta virá a qualquer momento. “O que vai acontecer a seguir? É agora?”, eu pensava o tempo todo. Isso sem falar na trilha sonora (que merecia um post próprio de tão especial que é). A impressão que tenho é que o critério de seleção foi pelas letras impactantes e cheias de significado. Cada uma delas um poema adequado para o momento que vive Clara (tem de Queen a Aviões do Forró passando por Gilberto Gil).
A crítica do filme é ao mesmo tempo direta e sutil: a uma elite cujo poder e caráter são definidos pelo dinheiro; e também a uma classe média que se exime de muitas culpas por achar que basta tratar bem ao próximo e ser educado. Machado Filho revela ainda nossa incapacidade de lidar com opiniões divergentes e de como projetos de futuro distintos são defendidos a ferro e fogo. Enfim, quem assistir com atenção vai pegar tantas sutilezas de dramas familiares, problemas sociais e das dificuldades que amar (algo ou alguém) traz. É uma poesia completa, que conforta, mas aperta aquele nó no estômago e leva à reflexão.