Entre tantos padrões impostos a respeito do corpo feminino, ideias como a de Pedro Fonseca são um bem-vindo respiro. O fotógrafo criou o A Olho Nu, um projeto de fotografia em que clica mulheres reais, nuas, e conta suas histórias através de textos delicados acompanhados de imagens que revelam a real beleza de suas curvas.
“O projeto nasceu casualmente e tomou uma proporção inesperada. Casualmente porque Raquel, a primeira fotografada, havia me pedido para fazer um ensaio junto com o seu namorado. Seria um ensaio do casal. Só que o namorado teve um compromisso profissional e não pôde participar. Resultado: naquela tarde, a própria Raquel, diante do espelho, se viu diferente. E sozinha. E conversamos muito sobre que ensaio era aquele. Um ensaio sobre a propriedade do corpo de Raquel. Era o novo mundo dela confrontando o velho mundo lá fora. Em tese, os cliques nem seriam divulgados. Só que logo depois de Raquel, uma amiga pediu um ensaio, depois outra, depois mais uma. Quando vi, tinha registros poderosos de mulheres igualmente fortes, em estado de plenitude. Como não-fotógrafo, senti-me na obrigação de escrever sobre cada ensaio, sobre cada experiência de observador desse momento de libertação (delas)”, conta à CLAUDIA.
A Olho Nu, que atualmente não tem mais agenda para ensaios e fez tento sucesso que chegou a ter fila de espera para cliques, contou com um encontro especial para as primeiras 30 fotografadas – e apenas para elas -, vindas de São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Brasília, entre outras cidades, e uma exposição de alguns de seus cliques, para que elas pudessem se conhecer e dividir a experiência de serem clicadas sem roupas. A partir de setembro deste ano, Pedro termina a segunda fase do projeto, que passa a ser colaborativo, ou seja, fotógrafos e fotógrafas de qualquer lugar poderão fazer os seus registros.
Fora isso, a ideia acendeu uma faísca – como ele mesmo defende – sobre a questão da desigualdade entre homens e mulheres, principalmente quando o assunto é o corpo. “A proporção inesperada [do projeto] veio de um entendimento nosso (das fotografadas e meu) do quanto aquilo comunicava algo importante. Que aqueles corpos têm apenas um dono. Na verdade, uma dona: cada uma daquelas mulheres. Esse recado mexeu com os brios de outras mulheres (que além de apoiarem o projeto, somaram suas vozes ao A Olho Nu) e mexeu, claro, com uma minoria machista que revelou sua incapacidade de suportar a nova geração de mulheres que não se submeterá a eles”, explicou.
Ele aborda também a questão da aceitação do corpo, dizendo que não há, exatamente o que aceitar: é preciso quebrar padrões para entendermos que é ele que temos a disposição e, como tal, já é, em si, aceito. “Enquanto houver um pensamento sobre aceitar (ou não) padrões, é sinal que os padrões estão aí. A convivência em sociedade exige que sejamos tolerantes justamente com o que é diferente de nós. ”
A criação igualitária
Pedro é pai de três filhos, um menino e duas meninas, que são o foco de um outro projeto seu, chamado Do seu pai, em que escreve cartas para os pequenos lerem no futuro. Com não poderia deixar de ser, esses recados acabaram abordando as fotografias, quando um homem enciumado não permitiu que a namorada posasse sem roupa.
O namorado, não satisfeito, ainda mandou um email para o fotógrafo com a pergunta ‘e se fosse a sua mulher?’. O profissional viu aí a chance de escrever para a filha do meio, Irene, contando que ele próprio já tinha clicado a esposa, Lua, e enviou o ensaio para o tal namorado, mostrando que não haveria problema nenhum com isso.
“Olha, filha: JAMAIS deixe um homem pensar que ele é dono do seu corpo. JAMAIS. Seu corpo, esse presente que o Universo deu, é só seu. Faça com este corpo o que VOCÊ MESMA quiser. NUNCA deixe que seu companheiro ou companheira mande nisso”, escreveu na época.
Pedro ainda comenta que espera que A Olho Nu possa ajudar as suas meninas a serem “mais respeitadas do que as mulheres de sua geração e que o seu filho seja mais inteligente do que os homens de sua geração”.