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Para que nós queremos ser tão bonitas, mesmo?

Em tempos de preocupação excessiva com a estética, vale se perguntar se é esse mesmo o caminho que queremos

Por Liliane Prata
Atualizado em 29 out 2016, 01h57 - Publicado em 26 ago 2015, 10h43
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Tomo meu café da manhã enquanto minha filha assiste a um episódio do Mundo da Lua, aquele seriado fofo que passava na TV Cultura nos anos 90 e é reprisado até hoje. Dando umas olhadas de vez em quando, não posso deixar de notar o seguinte: a pele dos atores tinha poros bem aparentes. Fico pensando se é só uma questão de imagem (antiga), produção (simples) ou (falta de) maquiagem, mas não sei, não: boa parte do elenco estava acima do peso, com dentes amarelados, cabelos naturais. Então me lembro das edições da Playboy do meu irmão, da mesma época: os peitos e bundas eram de tipos variados e, às vezes, até meio murchinhos. A barriga, muitas vezes, não era negativa. Havia imperfeições no Mundo da Lua, nas páginas das revistas, nos anúncios e nas nossas expectativas em relação a nós mesmas. Encho novamente minha xícara de café e me pergunto: quando começamos a ficar tão perfeccionistas em relação à aparência?

Tudo começou com a invenção do Photoshop? Ou com a cultura das celebridades, cada vez mais pungente? Com as redes sociais, talvez? Ou as inovações no campo da estética? Cirurgias plásticas e tratamentos ficaram mais acessíveis? É uma onda que afeta as mulheres em geral, de classes sociais, cidades e idades variadas, ou só grupos específicos? Teve início com o aumento da expectativa de vida? Ou com os clipes da Britney Spears e seu corpo incrível? Não sei. Pego o celular, leio um ou outro artigo a respeito, não tiro conclusão nenhuma. Talvez tenha sido um pouco de tudo isso, talvez outros elementos entrem na conta. Suspiro. “Não estou sendo muito nostálgica?”, pergunto a mim mesma. Não quero ser nostálgica. Não pretendo cair naquela armadilha que não dá conta das complexas mudanças sociais e culturais de época: a ilusão de que ontem era sempre melhor. Apenas penso, ali, entre uma cena e outra do Mundo da Lua, entre uma mordida e outra no meu misto quente: para que nós queremos ser tão bonitas, mesmo?

Modelos: entendo que elas tenham essa preocupação. Senão, não seriam contratadas. Assistentes de palco, atrizes de TV e mesmo cantoras – mulheres que têm sua imagem muito exposta na mídia: entendo. Famosas da internet que têm milhares de seguidores e ganham milhares de reais por posts: entendo. Faz parte do negócio delas exibir vidas e peles perfeitas. Mas muitas de nós, que não tem um trabalho diretamente ligado à aparência… Nós, dentistas, advogadas, jornalistas, contadoras, enfermeiras, vendedoras, médicas, professoras… Quantas de nós não acabam se apropriando desse discurso automaticamente, sem crítica? E, pior, com muita angústia?  

Será que esse discurso é nosso? Será que a prepocupação excessiva com a aparência nos interessa de verdade?

Pego meu celular de novo. Qualquer pesquisada rápida no Google mostra como os transtornos alimentares estão aumentando e como é alto o número de mulheres que se dizem insatisfeitas com o espelho. Nos meus pensamentos e aqui neste artigo, eu me foco no sexo feminino, porque ainda somos as maiores consumidoras de produtos de beleza e tratamentos estéticos – e também as maiores vítimas de anorexia e bulimia. Mas os homens, aparentemente, estão seguindo o mesmo caminho.

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Lembro de uma entrevista que vi há não muito tempo, na TV. Um psicólogo dizia que essa preocupação excessiva com beleza expressa apenas uma coisa: a vontade de sermos sexualmente atraentes. Não sou psicóloga, mas essa explicação não me convence.

Podemos ser sexualmente atraentes com o cabelo sem escova. Podemos ser sexualmente atraentes com poros no nariz. Podemos ser sexualmente atraentes com rugas, celulite, estrias, um pneuzinho na cintura, um peitinho caído, vai?

Podemos. Queremos? Muitas de nós não querem. Querem, isso sim, ser iguais à atriz da novela, mesmo que que isso as aborreça, mesmo que isso as endivide, mesmo que isso não mude absolutamente nada em suas vidas.

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Quer dizer: se ficarmos mais bonitas, pode ser que ganhemos mais assobios na rua (você deseja isso? Eu, sinceramente, não – geralmente só quero ouvir meu fone sossegada e chegar aonde estou indo). Pode ser que nosso marido ou mulher, namorado ou namorada, a pessoa com quem a gente esteja saindo, enfim – pode ser que achem a gente mais gostosa. Mas isso se traduz exatamente em quê, mesmo? Sexo de mais qualidade? Mais elogios? Mais amor? Mais felicidade? Mas amor e felicidade estão realmente ligados a uma aparência incrível?

Penso com tristeza na costureira que trabalha perto da minha casa, a Marcinha, que dividiu a lipo em 12 vezes, pagando as parcelas com a maior dificuldade, e ainda ficou superfrustrada com o resultado – agora, ela está economizando para um tratamento hi-tech no abdômen. Tem quem critique mulheres como a Marcinha: “Ah, que bobagem”. Acho essa angústia generalizada com a aparência grave demais para se tratada como simples bobagem.  Na verdade, acho que é difícil escapar dessa pressão pela beleza, porque é uma pressão enorme, que vem de todos os lados. Exige reflexão, força.
 
O Mundo da Lua termina e eu, sem respostas, arrumo minha filha para a escola, torcendo para que, no futuro, ela se cuide – aliás, eu mesma me cuido: vou à academia, me peso duas ou três vezes por mês, passo maquiagem antes do trabalho… Mas minha torcida é que, como eu, que já fui uma adolescente com baixíssima autoestima, ela aprenda a se cuidar com prazer, sem se sobrecarregar ou se angustiar. Que ela não perca tempo se comparando com ninguém. Que ela tenha muitos, mas muitos interesses além da estética. E que, por favor, ela se torne uma adulta cuja plenitude, autoconfiança e alegria de viver não dependam da firmeza da coxa.    

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