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Olivia Byington conta como enfrenta a síndrome rara do filho

O primeiro dos quatro filhos da cantora Olivia Byington nasceu com uma síndrome rara há 35 anos. Ela agora narra essa história em O Que É Que Ele Tem. O livro traz um relato emocionado de dúvidas, lágrimas e vitórias

Por Ines Garçoni (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 11h52 - Publicado em 29 jun 2016, 10h02

Aos 22 anos, eu era uma menina ansiosa para engravidar. Estava recém-casada com o cineasta Miguel Faria Jr., planejei com ele a gravidez e curti. Fiz cursos preparatórios, li muitos livros, sonhei com um parto natural, tomei sucos naturebas e só caminhava de manhã, com o sol mais fraco. Mas o nascimento de João, há 35 anos, foi um baque. Minha coreografia perfeita desandou ali. O primeiro dos meus quatro filhos chegou em 1981 com a rara síndrome de Apert, causada por uma mutação genética completamente desconhecida naquela época. (Ela provoca alteração na caixa craniana, que faz o rosto ficar disforme. Ocorrem comprometimento intelectual, problemas na fala, visão e audição. O bebê apresenta os dedinhos dos pés e das mãos unidos.) Houve uma certa rejeição quando vi meu filho. Esperava voltar da maternidade e entrar no quarto decorado com rendas e cortinado de príncipe carregando uma criança cor-de-rosa. Deitei no berço um bebê ligado a uma sonda, com a cabecinha cheia de ataduras. Surgiu a grande pergunta: ‘O que será daqui para a frente?’

Foi doloroso reviver tudo para relatar essa história. E só decidi fazê-lo com o incentivo do meu marido (o diretor, ator e produtor Daniel Filho), que me disse: ‘Você vai ajudar quem vive na mesma situação’. Então, escrevi o livro O Que É Que Ele Tem (Objetiva, 34,90 reais), em que conto como juntei forças, peguei esse menino e trilhei um caminho duro de cirurgias e de terapias para estimular sua aprendizagem. Não foi nada simples ou heroico. Até os 16 anos, João fez quase 30 operações para corrigir as más- -formações no crânio e na face. Sofremos muito.

Toda vez que ele entrava no centro cirúrgico, vinha a dúvida: ‘Será que é isso mesmo?’ Como os médicos não conheciam casos anteriores, fomos agindo sem saber ao certo quais seriam as sequelas. Aquela pessoa indefesa, pequena, toda recortada… O pós-operatório de crianças é cruel; a gente fica arrebentada junto. Contava com a ajuda da minha família, especialmente da minha mãe, que ficava com João por longas temporadas enquanto me esforçava para desenvolver minha carreira, fazer shows, trabalhar em estúdios (tem nove discos gravados). Eu acreditava que, se não fizesse isso, me deprimiria e seria horrível para ele.

Mas há outro lado maravilhoso, de que me orgulho: ver como João vingou, a alegria que tem ao sair sozinho, escrever… E como recebe ajuda de muita gente – pessoas que agarrei para estarem no nosso barco. Por exemplo, a escola que aceitou sua presença diferente entre os demais. Concluo que foi importante brigar tanto e não sucumbir diante da dor e das impossibilidades. Vi crescer um ser humano raro, com deficiências que me chamaram para ser uma mulher tão útil. É claro que há muito preconceito. Essa é uma das partes mais difíceis de lidar. Não aprendi até hoje. Machuca quando alguém desvia o olhar do João ou faz perguntas tolas, como: ‘Ele nasceu assim?’ Fico chateada mesmo, com a humanidade. Assim como quando leio sobre pais abandonando filhos com microcefalia. Não sou craque em lidar com isso. Quando João nasceu, vários amigos se afastaram de nós. Interpretei como uma reação de quem vê na deficiência do outro as próprias mazelas. Felizmente, meu filho não se abala com o preconceito. Ele ri. É superior. Tem uma autoconfiança impressionante, uma segurança que muita gente linda, de 1,80 metro de altura e olhos azuis não tem. Aprendi com ele que ser seguro de si passa longe da bela forma física e está relacionado àquilo que se constrói internamente. João me transformou. Sem ele, não seria a mãe que sou.

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O pai de meus outros três filhos, Edgar (Duvivier, músico), foi meu grande parceiro. Reforçávamos a personalidade do João todos os dias. No prefácio do livro, Gregorio (Duvivier, humorista e escritor, 30 anos, segundo filho) fala sobre como ele e as irmãs não percebiam diferença do João. Em casa, os quatro eram tratados igualmente. João convivia com a gente em todas as situações. Botei meu filho na roda. Não tinha essa de escolher programas. Foi incluído. Por isso, não se preocupa em ser aceito pelos outros. João sobe no palco de um estádio lotado se você pedir.

Vejo o nascimento de Gregorio, Bárbara (28 anos) e Theodora (22) como vitórias da minha existência. Só pode entender o que digo quem cria um filho com deficiência e outros sem doenças. Fiquei embasbacada diante da perfeição deles. E também descobri uma capacidade enorme que ignorava. Passei a amar mais, ter tolerância. Deixei de lado a arrogância, o ideal de excelência e compreendi que não controlo tudo: João estará sempre ali para ser cuidado. Para chegar a esse ponto, precisei cavar a generosidade dentro de mim. Ir lá no fundo e aceitar. É necessário compreender o mistério da vida e o que de fato ocorreu com você. As pessoas falam em religiosidade, mas não aceitam o imponderável. Isso é Deus. É o hibisco branco que nasce entre hibiscos vermelhos. Coisas que acontecem, são da vida e provam que a gente não pode escolher tudo. Lutar contra, querer saber o que foi roubado de você é sinônimo de frustração. Não bota ninguém para a frente. O que me empurrou foi ter compaixão, abraçar quem estava do lado, aceitar e amar.”

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