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O tiro sai pela culatra: Cunha une as mulheres

O repúdio a Cunha e ao seu malfadado projeto leva às ruas professoras, mães, artistas, garis, estudantes,ativistas... O ato mostra que o feminismo está oxigenado, vivo e cheio de novas lideranças

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 out 2016, 20h26 - Publicado em 13 nov 2015, 16h26
Elisabete Zuza
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“Não mexe comigo que eu não ando só. Eu não ando só…” Esse grito (retirado de uma música que Bethânia gravou) ecoou na Rua da Consolação, em São Paulo, nesta quinta (12/11), durante a emocionante performance de mulheres que integravam o ato contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A passeata de protesto teve caráter duro, com palavras de ordem fortes, mas a expressão poética e artística foi o caminho que as manifestantes adotaram para chamar a atenção da população. Em duas reuniões, organizou-se o evento. Mais de 20 entidades feministas se engajaram e levaram para as ruas mulheres de pensamentos diferentes; todas, porém, indignadas com o projeto de lei de Cunha, que dificulta às vítimas de estupro o acesso à pílula do dia seguinte e aumenta a pena do profissional de saúde que ajudar a brasileira a abortar. Pior: o PL 5069/13 não é só uma arma que aniquila o contraceptivo de emergência – direito oferecido no SUS – mas uma ardilosa maneira de dizer quem é que decide o que a cidadã vai fazer.

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Elisabete Zuza ()

O que se viu desde o ponto de partida da passeata – o MASP, na avenida Paulista – até o final, no centro da capital, foi a renovação do feminismo. No vão livre do museu, uma alegria. Muitas faixas e cartazes sendo escritos, as baterias se afinando, um ensaio geral para a festa das mulheres que querem a liberdade para elas e para todas as outras.

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Na comissão de frente do desfile vieram mulheres e bebês – no carrinho, mamando no peito ou atrelados ao corpo materno por tecidos coloridos. Na avenida recém-conquistada, brincaram também crianças de 4, 5 , 6 anos. Aquelas mães estavam ali para deixar claro que ter filho é escolha. E quando não se pode ter, o Estado deve prover, com leis, o direito de interromper. Se não for assim, o aborto clandestino e inseguro continuará deixando sequelas, provocando esterilidade e matando.

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O abre-alas se apresentou com várias mulheres negras – uma de cada ong ou coletivo que as representam. A dianteira foi delas, numa declaração de repulsa ao crescimento de 54% nos assassinatos de pretas e pardas. E também porque dia 18 acontecerá a Marcha das Mulheres Negras: milhares sairão de todos os estados da federação para entregar, em Brasília, um documento à Presidência da República, com suas principais reivindicações.

Quando o grande cordão feminino chegou à altura da universidade Mackenzie, uma líder negra, no megafone, lembrou que o banheiro da instituição havia sido criminosamente pichado, dias antes, com insultos racistas. Ela, então, pediu solidariedade “aos negros e negras que estudam na instituição”. Muitos homens, parceirões, seguiram ao lado de suas mulheres na manifestação.

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Um cartaz dizia: “Professoras contra Cunha”. Outro: “Ei, Cunha. Meu corpo não é dólar na Suíça para ser da sua conta”. Mais uma provocação: “Cunha, que contradição. Aborto é crime e homofobia, não”.  Uma mulher que vendia milho resolveu caminhar junto e até cantou: “Dança, Cunha, dança até o chão. Aqui são as mulheres pra fazer revolução”. Três manicures fecharam o salão mais cedo e engrossaram o coro: “Cadê o homem que engravidou? Por que a culpa é da mulher que abortou?”

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No amplificador de voz, Bianca Santana, 19 anos, puxava a canção: “Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem constrói o feminismo, muda um país inteiro”. Muita música que cola rápido na orelha. Várias paródias bem-humoradas, com grandes sacadas. Uma delas, em cima de Ô Abre Alas, de Chiquinha Gonzaga. Acompanhadas pela Fuzarka, a batucada da Marcha Mundial das Mulheres, pelos tambores do grupo Juntas, do Mulheres em Luta e também das anarquistas.

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Tinha ciclistas, duas líderes que, na Praça Roosevelt fizeram um número com tochas. Sarah Roure e Célia Aldridge, inspiradas no circo, engoliram fogo e devolveram labaredas. Um grupo se destacou pelas camisolas brancas, manchadas de sangue e rosto pintado com tom pálido. Quem são? Vitória, Sarah e Mikaella, de 17 anos, do coletivo “Na Minha Frente Não”, da Escola Técnica Estadual (Etec) de Cotia. Elas explicaram o nome: “Na minha frente não fale em machismo, não defenda a criminalização do aborto, não use mulher como objeto”.  

A conclusão rápida: Cunha as uniu. A ação das mulheres contra o deputado moralista tornou pública a força do feminismo. Embora não tenha perdido a importância histórica – porque abriu as portas por onde passam, hoje, as novas gerações – o movimento andava desacreditado e, por vezes, ironizado pelas próprias mulheres. Há 10 anos, ele começou a emergir. Mas só há 5, sob a visibilidade nas redes sociais, voltou a ganhar corpo forte, com novos contornos. Existem vertentes mais fluídas e leves.  Algumas que contemplam temas específicos, como o combate ao estupro em universidades. Tem as organizações de mulheres que querem amamentar em público sem sofrer patrulha. Há coletivos pequenos, como o das meninas da Etec, e de feministas radicais. Outras defendem o lesbianismo como expressão política e dizem que dividir a cama com um homem é dormir com o inimigo. São tantas bandeiras. Todas necessárias e urgentes, num país que ainda paga salário maior ao homem; quer cassar um direito que existe há 75 anos (o aborto legal); estupra (em 2013 foram 50.617 casos), surra, mutila para demarcar território e mata dentro de casa.

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Nesta quinta-feira, todos esses temas se juntaram nas ruas de São Paulo e também nas do Rio de Janeiro, como forma de chacoalhar o deputado moralista. As mulheres mandaram o recado: “Não mexe comigo que eu não ando só. Eu não ando só…” Fiquei sabendo que – além de enrolado em suas mentiras – o inimigo número 1 foi dormir com a orelha quente. Na sua cabeça não parou de tocar o refrão: “Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com’as mulher não atiça o formigueiro”.

 

 

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