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Documentário conta a história do fotógrafo Sebastião Salgado

Lélia Salgado, esposa de Sebastião, comenta os prazeres e dificuldades de viver ao lado de um dos maiores fotógrafos vivos do mundo.

Por Luara Calvi Anic
Atualizado em 10 jan 2018, 16h53 - Publicado em 26 mar 2015, 08h58
Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal (/)
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Lélia Wanick Salgado é a grande parceira de Sebastião Salgado, 71 anos, fotógrafo brasileiro fes­tejado no mundo todo. E ela é a cara-metade não só na vida privada como na profissional. Aos 67 anos, a capixaba aparece em O Sal da Terra, documentário sobre a trajetória do fo­tógrafo que estreou no Brasil. Dirigido por seu filho mais velho, Juliano, em parceria com o diretor alemão Wim Wenders, o filme chegou a ser indicado ao Oscar deste ano. Juntos há meio sé­culo, enquanto ele roda o mundo clicando gente e paisagens ela faz e acontece nos basti­dores. Lélia, que já foi diretora da galeria Magnum (agência de fotografia mais prestigiada do mundo), em Paris, é quem edita os livros, coordena as ex­posições e organiza as viagens de Tião, como ela chama o marido. Foi também ela que, com a morte do sogro, em 1990, teve a ideia de reflorestar a fazen­da de gado em que o companheiro cresceu. Imagens de uma terra ainda sem vida, maltratada pela erosão, aparecem no documentário. “Eu falei para o Tião: ‘Nós vamos plantar a floresta que ti­nha aqui antes!’ Ele adorou”, lembra. Era o primei­ro passo para a criação do Instituto Terra, que ela preside. Além de cuidar do trabalho fotográfico do marido, Lélia teve também que criar dois filhos – um deles com síndrome de Down –  praticamente sozinha. Sebastião chegava a ficar até oito meses fora durante um ano, muitas vezes em situações de risco. “Eu tinha que viver, ser feliz, cuidar dos meus filhos direito. Não dava para ser uma mulher triste, nervosa com coisas que podiam acontecer”, diz. Confira a seguir uma entrevista exclusiva que Lélia concedeu a CLAUDIA. Na conversa, ela fala sobre os prazeres e dificuldades de viver ao lado de um dos maiores fotógrafos vivos do mundo.

O documentário mostra que Sebastião passava longos períodos fora de casa. Como manter um casamento com essa ausência?

Quem sabe não seja isso mesmo que faz o casamento durar. Houve uma época em que as pessoas me perguntavam: “Como vocês estão casados há tanto tempo com tantas viagens?” E eu respondia: “É porque ele viaja muito”. Dá tempo de todo mundo viver, respirar um bocado. Tanto ele quanto eu.

E  você não ficava com ciúmes?

Não. Eu sou muito pé no chão. Não quero ficar toda nervosa, chateada, triste. Quando volta – olha que maravilha – ele volta sempre feliz. Pra que eu vou ficar com ciúmes? Um homem que passa dois meses viajando é claro que tem lá os casos dele. Mas não tira pedaço. E ele volta. Não tem problema nenhum! Acho que o problema existe quando a pessoa leva uma vida dupla.

Você também tem espaço na relação para viver outras experiências? 

Claro, pode acontecer comigo também. O espaço é pra todo mundo. Não adianta ficar com ciúmes e nem preocupada com o que está acontecendo com ele.

E quando ele cobria áreas de conflito?

Aí eu já ficava apreensiva, sim. A última vez foi em 1975, quando Angola estava prestes a ser independente de Portugal. Os movimentos de libertação bombardeavam Luanda. Jornalista nenhum queria ir, e ele disse: “Eu vou”. Nesse dia, eu fui levá-lo ao aeroporto e voltei chorando. Tive que parar no meio do caminho porque eu não conseguia dirigir. E, de repente, me deu uma coisa: “Lélia, que loucura você está fazendo!? Ele nem entrou no avião ainda e você já está chorando”. E parei! Decidi não ficar preocupada. O dia em que acontecer alguma coisa, aconteceu. Eu tinha que viver, ser feliz, cuidar dos meus filhos direito. Não dava para ser uma mulher triste, nervosa com coisas que podiam acontecer.

Alguma vez aconteceu algo que deixou você mais preocupada?

Uma vez foi engraçado. Tião foi fazer um trabalho qualquer na Holanda e, na volta, fui buscá-lo no aeroporto. Ele saiu do avião mancando, e não tinha me falado nada por telefone. “O que aconteceu com você?”, perguntei. “Fui atropelado por uma bicicleta” (risos). Agora você vê, adianta a gente ficar preocupada? Não adianta. Claro que ele passou por perigos, mas não foi nada sério porque ele está aí inteirinho.

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Como vocês se comunicavam durante essas viagens?

No início eram cartas, não tinha telefone nos lugares onde ele estava. Eu tenho uma caixa de madeira cheia de cartas. Ele trazia as minhas na volta, então, está tudo guardadinho. É bonito: de vez em quando eu acho essa caixa e leio um bocado. É tão bom, me lembra um tempo. Depois a gente começou a falar por telefone. Hoje, com o telefone por satélite, ele pode ligar de onde estiver no planeta. Agora conversamos quase todos os dias quando ele viaja. Se não falamos é porque não passou um satélite lá por cima (risos). E já tem um ano que o Tião aprendeu a fazer e-mail pelo telefone. Ele não mexe com computador.

Você é parceira do Sebastião em seu trabalho fotográfico. E, desde 1998, tocam juntos o Instituto Terra. Acha saudável que os casais tenham uma parceria profissional?

O casamento no final das contas já é um projeto a dois. Você quer comprar uma casa, fazer uma viagem, educar os filhos…. Vai ser com o seu marido, são os dois juntos. Acho muito importante o casal ter um projeto a mais, que seja um trabalho. Se eu também não tivesse entrado no meio da fotografia, não sei se teria compreendido muito a necessidade e a vontade de Sebastião de sair, de fotografar. E eu não entrei nessa por causa dele. Nós conhecemos a fotografia juntos.

Em Sal da Terra, vemos que a primeira câmera com que ele fotografou era, na verdade, sua.

Pois é, a gente se interessou por fotografia juntos. Por um tempo, eu também quis ser fotógrafa. Fotografei a Revolução dos Cravos, publiquei em revista e jornal. Mas não era a minha. No final das contas, notei que fazia aquilo pelas viagens (risos)! Mas prefiro viajar sem o peso dos equipamentos. Que bom que eu não quis ser fotógrafa porque talvez o nosso casamento tivesse acabado. Ia ser uma concorrência. E bem desleal porque ele se tornou tão bom no assunto…

Lélia Wanick Salgado Arquivo pessoal

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E ficou com você a criação dos filhos enquanto ele viajava…

Eu trabalhava como arquiteta, minha formação, mas já o ajudava a montar laboratórios, organizar as fotos, vender para as revistas. Até que nasceu meu segundo filho, Rodrigo, que tem síndrome de Down. Ele tinha um problema no aparelho respiratório quando bebê, e eu ficava com ele no colo o tempo inteiro para que pudesse respirar. Foi muito difícil continuar trabalhando, eu não dormia nada à noite.

E aí decidiu migrar para a fotografia de vez?

Sim. Como eu estava em casa, tinha tempo para isso. Comecei a vender fotos de amigos na imprensa, até que um deles me convidou para participar de um grupo que ia lançar uma revista de fotografia. Depois fui diretora da Galeria Magnum, montava todas as exposições. Passado dois anos, resolvi criar meu negócio, uma empresa que organiza exposições, faz livros de fotografia. Foi ótimo porque passei a produzir muita coisa com o Sebastião. Foi aí que ele passou a ser conhecido mesmo, quando botei suas exposições mundo afora. Quando lançamos Trabalhadores (um registro dos trabalhos mais penosos do mundo), eu não tinha mais tempo para outra coisa. A exposição passou por 70 museus do mundo inteiro. Fiz o livro e ele foi editado em sete línguas. Foi um trabalho enorme.

Como ficou a sua vaidade em relação a isso? Os louros pelo trabalho, naturalmente, vão primeiro para o Sebastião.  

Os louros vão todos para ele, como se os livros fossem feitos por uma varinha de condão, como se ele tivesse nascido com todos os talentos da vida. As pessoas pensam que tudo foi ele que fez, inclusive o Instituto Terra. Fomos nós que fizemos! Os livros trazem as fotografias dele, mas são meus. Sou eu que os edito. Meu ego é hoje bem curado, mas teve um tempo em que não era. É que não sobrava nenhum espaço pra mim, era muito difícil ser feliz. Evidentemente, fui infeliz nessa época, brigava com todo mundo. Mas hoje eu tenho o meu lugar e não quero que ninguém brilhe com as minhas coisas. Se alguém tiver que brilhar, quem brilha sou eu.

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