O negócio é dividir: conheça brasileiros que adotaram a economia do compartilhamento
A nova ordem é alugar ou trocar. Pode ser uma bolsa de grife, um carro ou até uma casa. E a internet tem um papel importante nessa tendência. Confira relatos de pessoas que já entraram na onda do compartilhamento.
Hoje, é possível vender roupas que não se quer mais, alugar bolsas e até bicicletas.
Ilustração: Marcela Scheid
O conceito de consumidor está mudando. Ele não é mais apenas o cidadão que compra, compra e só compra. O perfil passou a incorporar a ação de oferecer o que se adquiriu, permitindo que mais gente usufrua. E – por que não? – obtendo lucros com isso. Nesse processo, as redes sociais e a tecnologia da mobilidade tiveram um papel-chave: com um smartphone, acessamos, da rua, o aplicativo para chamar o táxi sem precisar ligar para a central – ou nos conectamos com um grupo que dá carona a um preço quase simbólico. A mesma conexão vale para alugar o cortador de grama, vender o vestido de festa empacado no armário, trocar aulas de espanhol por lições de violão.
Veja a seguir quatro histórias de brasileiros que surfam na onda do compartilhamento e o que eles fazem para se dar bem.
1. A casa é nossa
Após alugar apartamentos em viagens, a guia de turismo Silvia Ferraz resolveu fazer o mesmo com a sua casa.
Foto: Acervo pessoal
“Quando viajo, prefiro alugar um apartamento pelo site Airbnb a ficar em hotéis. É mais gostoso, tenho privacidade e posso viver uns dias em bairros não turísticos – onde ficam os hotéis. Adoro ir ao supermercado, fazer uma comidinha… Há uns dois anos, inspirada por essa experiência, resolvi alugar o meu apartamento na Gávea, no Rio de Janeiro. Faço isso sempre que estou fora, e o dinheiro é bem-vindo. Um fotógrafo do site fez fotos, e elas revelam o aconchego que criei ali. Nunca tive problema com os hóspedes. Seleciono olhando o histórico oferecido pelo próprio Airbnb. Para a Copa, só aceitei casais e famílias. Mas, depois que o hóspede entra, aí é na base da confiança. Conhecer antes não é garantia de nada. Tive amigos que vieram e largaram a casa revirada. Já pessoas que nunca vi na vida arrumaram, limparam, deixaram tudo um brilho. Entrego as chaves acreditando que vão zelar pelo que é meu. A sensação é de ter uma relação mais íntima: peço para cuidar das plantas, deixo a senha do wi-fi, a lista de comida delivery e dicas do bairro. Tranco coisas importantes, o resto fica à vontade. Podem usar meus temperos, ver fotos, pegar um livro na estante. Na casa de outra pessoa, também me comporto como se fosse minha.”
Silvia Ferraz, 51 anos, guia de turismo
2. Hospedagem e assessoria
“Eu e meu marido trabalhamos com imóveis, comprando, reformando e vendendo. Eventualmente, alguns a gente não consegue negociar de imediato. Tive a ideia de usá-los de outra forma quando ouvi falar de sites de compartilhamento. Mobiliamos, fotografamos e anunciamos. Antes, fomos até a Alemanha e a Turquia para ver como as pessoas eram recebidas nesses lugares, o que os apartamentos ofereciam de diferente… Em Berlim, escolhemos um que era clean, todo branco. A entrega das chaves foi no horário, tudo certo, mas muito protocolar: o dono nem apareceu para falar com a gente. Já na Turquia, foi bem diferente. A dona vivia lá e saiu enquanto o ocupávamos. Era meio bagunçado, tinha um gato que morava no corredor. Mas ela deu uma volta conosco pela região, mostrou onde era legal comer, deu muitas informações. Os apartamentos de que dispomos em São Paulo são um meio-termo em relação aos dois que visitamos. Dependendo do que o hóspede quer, a gente se aproxima, auxilia, convive um pouco. Outro dia, chegaram duas arquitetas estrangeiras que queriam conhecer os cortiços do centro de São Paulo. Indicamos quem pudesse acompanhá-las, e elas deixaram um livro de presente. Teve gente que não usou o imóvel de maneira correta, outros usuários foram ótimos. Depois que a pessoa se hospeda, pode postar no site um review, uma avaliação do que oferecemos. Para o negócio, é importante receber elogios. Se um hóspede não agiu bem, também avisamos ali.”
Patrícia Diana, 36 anos, arquiteta
3. Carona amiga
A historiadora Nathália Rodrigues dá e pega caronas para ir à sua cidade natal.
Foto: Acervo pessoal
“Descobri uma comunidade de caronas no Facebook e achei a ideia ótima. Antes de ter meu carro, eu usava quando queria ou precisava ir a cidades próximas de São Paulo, onde moro. Agora ofereço para pessoas que estão indo para minha cidade natal, São José dos Campos, distante uma hora. É bom, me ajuda na gasolina quando visito a família e sai mais barato para quem pega. A passagem de ônibus custa 33 reais, minha carona sai a 15 por pessoa. Levo até quatro no carro. Por segurança, prefiro só agendar se o interessado tem algum amigo em comum no Facebook. Como na comunidade de que participo é todo mundo da minha cidade, a maioria é conhecida, estudou na mesma escola… Ou daria um pouco de medo. Nunca tive nenhum problema sério. O que acontece é de um ou outro marcar e não aparecer. E já ocorreu, quando eu pegava carona, de ir com um motorista que corria muito na estrada. Uma menina que também estava no carro botou um aviso no mural digital do grupo: ‘Não pegue carona com fulano porque ele corre’. O Facebook é público. Se um motorista fizer algo que não é legal, você posta e todos vão evitá-lo.”
Nathália Rodrigues, 24 anos, historiadora
4. Mesa para 15
“Sempre fiz pequenos jantares para amigos no Copan (edifício projetado por Oscar Niemeyer, cartão-postal de São Paulo), onde moro. É um apartamento gostoso, com uma vista linda do centro da capital. Mas, aí, o número de pessoas foi aumentando e começou a ficar caro oferecer comida a todos. Então, me juntei a dois amigos e decidimos organizar uma vez por mês os Jantares no Copan. Virou evento. Chamamos alguém para cozinhar – cozinheiro profissional ou não – e passamos o domingo inteiro juntos comprando ingredientes e conversando em volta do fogão. Os convidados nem sempre são amigos, mas costumam ser pessoas que conheço minimamente e admiro de alguma forma. A ideia é reunir gente animada ao redor da mesa e compartilhar experiências gastronômicas. Há uma taxa fixa de 40 reais para cada um, e as reservas são feitas via e-mail. O número de lugares é reduzido: 15. Montamos uma grande mesa quadrada, em que todos conseguem se enxergar. Depois dos encontros, os participantes continuam amigos, fazem coisas juntos. E eu fico conhecendo melhor várias pessoas, descubro ingredientes novos, aprendo receitas. Gosto de ver todo mundo ali se relacionando.”
Pablo Saborido, 34 anos, fotógrafo