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O dia em que conheci o cantor Biel, durante uma viagem para o Prêmio CLAUDIA

Por Giuliana Bergamo (colaboradora)
Atualizado em 12 abr 2024, 15h16 - Publicado em 3 ago 2016, 15h16
Reprodução Instagram
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“Eu não fazia a menor ideia de que ele existisse antes disso”. Entre tantos outros, foi este comentário que chamou minha atenção quando acessei o Facebook ontem. A mensagem dizia respeito a um post sobre o cantor Biel, o garoto que assediou a jornalista Giulia Pereira durante uma entrevista concedida em maio. O caso veio à tona só no dia 3 de junho, quando Patrícia Moraes, então editora executiva do IG, onde Giulia trabalhava, publicou na internet um texto em que denunciou o ocorrido. Dias depois, as duas jornalistas foram demitidas. Como resposta, surgiu a campanha Jornalistas Contra o Assédio, um crime que, infelizmente, faz parte da rotina da nossa profissão e costuma passar incólume.

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Tenho 35 anos de vida, treze de profissão e já perdi a conta de quantas vezes sofri assédio enquanto trabalhava. Teve a vez em que fui perseguida na rua, enquanto apurava uma reportagem sobre turismo em Dubai. “Devem ter confundido você com uma prostituta russa”, me explicaram depois, como se fosse uma justificativa razoável. Teve a outra em que o personagem de uma reportagem sobre homens que curtem motos achou que só a entrevista não era o suficiente para que eu conhecesse de verdade o seu hobby. Eu precisava, mesmo, dar uma volta na motoca dele. Topei “uma voltinha só”, dentro do condomínio onde o sujeito morava. Só que ele resolveu estender até o quilômetro cento e sei lá quanto da Rodovia Castello Branco.

Teve também a vez em que fui salva pela fotógrafa Bia Parreiras, muito mais experiente do que eu na vida e nas emboscadas do jornalismo. Durante uma viagem aos Estados Unidos em que acompanhávamos um grupo de turistas brasileiros, um dos caras resolveu que ia me cantar. Eu estava trabalhando. Ele estava passeando. Eu tinha namorado. Ele era solteiro. Eu tinha vinte e poucos anos. Ele já passava dos 40. Eu não queria. Ele queria. E insistia. E me irritava. E passava dos limites. Até que Bia foi falar com o cara: “Ser mulher e viajar sem um homem à tiracolo não significa estar disponível para qualquer um. Respeite-a. Estamos trabalhando”. Foram tantos os episódios que, por um tempo, tentei adotar um comportamento mais, digamos, recatado e abandonei o batom vermelho. Mais tarde e mais velha, resolvi que isso era uma idiotice. Substituí o recato com boas enquadradas nos entrevistados mais saidinhos e voltei a pintar minha boca do jeito que eu gosto.

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Com batom vermelho no beiço, eu viajava a trabalho também quando conheci Biel. Lembro a data exata: 4 de junho, um dia depois da publicação da denúncia por Patrícia Moraes. Foi chocante. De franjinha jogada no olho e smartphone nas mãos, uma dupla de adolescentes compartilhava aquela risadinha típica de menina que está descobrindo – e adorando – a sensualidade. Acho lindo ser testemunha desses pequenos extravasamentos de frisson. E aquela cena tinha uma importância ainda maior. Estávamos no Parque Nacional Indígena do Xingu, aonde fui para conhecer o trabalho da cineasta Mari Corrêa, candidata aoPrêmio CLAUDIA pela categoria Cultura.

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Na casa reservada para os “hóspedes” (pessoas não indígenas que visitam a região), feita de madeira e palha, exatamente como as construções onde moram os índios Ikpeng, a dupla de adolescentes esperava para participar da oficina de audiovisual ministrada pela finalista. O que eu observava, portanto, não eram duas meninas urbanas, como as que estou acostumada a ver todos os dias. Eram duas índias, nascidas e criadas no Xingu. Eu não sabia (não sei muita coisa ainda) nada sobre como se comportam os adolescentes indígenas. Não conheço os códigos, os gostos, os hábitos. E fiquei curiosa para saber o que causava aquela excitação contida na Alice e na Luana – os nomes indígenas elas não quiseram dizer, preferiram se apresentar a mim como brancas. E quem sou eu para discordar da decisão, não?

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“Posso ver?”– perguntei, pedindo permissão para espiar o que havia na telinha. Com balanços de cabeça, elas consentiram. Foi então que vi um dos clipes mais toscos da minha vida. E olha que eu passei boa parte da minha adolescência assistindo à MTV brasileira. Em uma locação que parecia ser um terreno abandonado, com construções mal-acabadas, um rapazinho meio malhado, sem camisa, topetinho na cabeça e corrente dourada no pescoço era perseguido por várias meninas com uma maquiagem meio sexy, meio zumbi: olhos exageradamente pretos e a face toda pálida. “Vocês gostam disso?”, perguntei, já esperando a resposta óbvia. Sim, gostavam. “Acham ele bonitinho?” E, de novo, o “sim” veio em gesto. Dessa vez em risadinhas. Alice e Luana são fãs do MC Biel. Suspiram quando o veem sem camisa. Acham graça quando ele canta.

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Sem sinal de celular ou 3G, isolada na reserva onde só há um ponto de wi-fi disputado pelos poucos que conseguem a senha, eu ainda não tinha lido nada sobre o abuso cometido pelo cantor. Cogitei puxar um papo feminista com as mocinhas, mas achei que seria invasivo. Fiquei com medo de parecer “conversa de branco”. Além disso, eu não estava ali neste papel. Eu estava ali apenas para observar, registrar, perguntar e aprender. Mas antes de ir embora deixei meu batom vermelho para Alice.

O comentário citado lá no início deste texto estava junto de uma discussão bacana (não uma briguinha de internet, que fique claro) sobre se devemos ou não gastar saliva e espaço nas redes sociais com sujeitos como Biel. Afinal de contas, ele acabou ganhando publicidade com tudo isso. Por mais que eu ou outras mulheres que já passaram da adolescência só tenhamos conhecido o cantor por causa do abuso que cometeu, não dá para deixar o caso passar em branco. Fechar os olhos é também ignorar o fato de que, assim como Alice e Luana, outras milhares de meninas já sabem muito bem quem é Biel. E precisam saber também que a forma com ele se comporta não é aceitável.

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