“Nós, mulheres, estremecemos quando vemos um homem desconhecido”
A escritora e colunista de CLAUDIA descreve a sensação emocionante, mágica e inesquecível de encontrar um homem que nos faz estremecer
Há quanto tempo você não vê um homem e perde a noção de quem é, do que está fazendo, de onde está, com quem está, o que é? Nada mexe mais com uma mulher do que encontrar um homem assim; é a melhor coisa que pode acontecer e também a pior, pois você não é mais dona de si mesma. E, pensando bem, quem quer ser dona de si mesma? E para quê?
Atenção: existem detalhes essenciais nesses raros momentos – porque eles são raros, e ainda bem. Já pensou se isso acontecesse todas as semanas? É importante que o homem seja um total desconhecido e a maneira como ele está vestido não seja nem percebida. O encontro não deve acontecer nem em um restaurante de luxo, nem em um cinema, nem em qualquer lugar que possa dar a mais vaga ideia, por mais ínfima que seja, de quem ele é. Quer dizer, um lugar bem neutro, de preferência. Um aeroporto seria o ideal.
Um homem num aeroporto pode ser qualquer coisa. Pode ser que ele esteja indo para o Acre ou para Londres. Faz parte da impressão que ele vai causar não conseguir imaginar absolutamente nada sobre quem ele é e o que faz da vida. Tem que ser um homem tão incrível que não passe pela nossa cabeça tentar identificá-lo pelos sapatos, sejam tênis ou de que modelo for, nem pela sacola de mão, não importa se é de uma marca famosa ou se é uma de náilon preta, bem obscura. Detalhe: ele olhou para ela longamente, sem aflição, longe de qualquer paquera, mais como se estivesse querendo decifrá-la. Irresistível.
Indecifrável, é assim que deve ser esse homem. E é fundamental que ele não tire do bolso um celular. Se estiver lendo alguma coisa, pode ser uma pista, mas não. Nem jornal, nem revista de mulher nua, nem ao menos um livro. Ele estará lá observando, com algum interesse, mas não muito, as pessoas que passam, sem impaciência, sem pressa. Quem será ele? Nem bonito nem feio, calmo, um homem com quem ela passaria o resto da vida. Ela sabe que é exagerada: o resto da vida talvez não, mas bem que ela gostaria de trocar sua passagem e ir com ele para onde fosse, assim, para nada.
Para nada e para qualquer coisa, quem sabe para tudo. Não é disso que falam certos livros, que encontros assim podem acontecer de repente, a vida mudar e ficar tudo para trás? Família, emprego, casa, marido, e com o sagrado direito de não ter que explicar nada a ninguém. Não se trata de egoísmo, é para ela não pensar em nenhum momento que teve uma vida antes de conhecê-lo. E será que teve?
Mas a vida real teima sempre em se impor, e o alto-falante do avião dá o aviso de que é a hora de embarque do voo – o dela. Ainda se fosse o dele, ela poderia qualquer coisa, sei lá. Só que era o dela. Ela se levanta e pensa que, mesmo não tendo acontecido nada, teve a maior história de amor de sua vida. Então, lembrou de um documentário que tinha visto uns dias antes sobre Glauber Rocha. Guardou o que disse uma moça que se chamava Teca, que deve ter tido um grande amor pelo cineasta baiano. Guardou sobretudo o que ela contou que sentiu quando o viu pela primeira vez.
“Ele me estremeceu”, foi o que ela falou. Não há nada mais forte e emocionante e inesquecível e mágico e maravilhoso do que um homem que faz você estremecer. E, só de vê-la dizendo isso, eu também estremeci.
Danuza Leão é cronista e dona de um lirismo característico com que encara os fatos da vida cotidina. Escreveu vários livros, entre os quais “Fazendo as Malas” (Cia. das Letras) e “É Tudo Tão Simples” (Agir). |