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Monique Evelle diz que quase desistiu de militância após morte de Marielle

Aos 23 anos, ativista baiana comandará projetos de avanço social no Bossa Nova Studio

Por Anna Laura Moura Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 abr 2018, 15h19 - Publicado em 25 abr 2018, 14h11

A gestora de cultura Monique Evelle, 23, juntou-se à conceituada Bossa Nova Studio, no departamento responsável por desenvolvimento e criação. Formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e militante negra, Monique será responsável por projetos que abrangem produções audiovisuais, plataformas digitais e qualquer ferramenta que envolva entretenimento, avanço social e alcance virtual.

Conhecida nacionalmente após sua participação na equipe do Profissão Repórter (TV Globo), entre 2016 e 2017, a ativista é criadora do Desabafo Social, ONG de comunicação em direitos humanos, e também do Evelle Consultoria, empresa de consultoria em marketing e inovação com soluções em educação e pesquisas.

Em entrevista a CLAUDIA, Monique contou um pouco mais sobre sua trajetória e planos futuros. Confira:

CLAUDIA: Como foi a experiência de trabalhar na Globo e participar do “Profissão Repórter”? De que forma isso influencia na representatividade negra?
Monique: Foi importante. Quando você entra em um espaço grande, não é só você que está ali, pois você está representando toda uma massa. A briga é sobre proporcionalidade, entende? Não adianta nada gritar na internet que eu sou maravilhosa, sem discutir estratégias para colocar mais pessoas como eu nesses ambientes. É essencial a representatividade, mas eu sozinha não consigo mudar a estrutura. A indústria se acostumou a pensar que um negro sozinho funciona. Temos que mostrar que somente um não funciona mais. A representatividade demanda peso e saúde mental para quem abraça essa luta.

CLAUDIA: Você já passou por alguma situação discriminatória na sociedade por ter ocupado um espaço grande na TV?
Monique: 
A ascensão social de um negro é interessante, mostra que o capitalismo não embranquece ninguém. Vamos lá: eu estar como repórter para algumas pessoas significa que estou em alguma posição abaixo. Sempre que eu estava ao lado de algum colega branco do “Profissão”, perguntavam a esse colega se ele era repórter, e quando me olhavam, sempre pensavam que eu era estagiária, aprendiz… Todos os cargos são importantes, mas sabe quando duvidam da veracidade da sua posição? Que ser negra só pode significar que você está por baixo? Era assim.

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CLAUDIA: Tem algum caso mais grave de racismo que você tenha sofrido em decorrência da sua profissão?
Monique: Para tirar meu visto. Nunca vou esquecer… estava na fila, tinha uma menina na minha frente que disse para o representante que ganhava 10.000 como funcionária pública. Veja bem: você esquece que é negro, até alguém te lembrar. Quando chegou minha vez na fila, entreguei minha carteira de trabalho e o funcionário me fez perguntas redundantes, como se não acreditasse na minha palavra muito menos no próprio carimbo da emissora. Pediu vários documentos, até entreguei o crachá, vale alimentação, plano de saúde… esperei 40 minutos até que consegui o visto. Pra terminar, quando estou na porta, uma idosa branca que, ao notar que meu visto funcionou, me disse “É um absurdo! Meu neto de olhos claros, branquinho, não conseguiu”. Nunca vou esquecer.

CLAUDIA: Fale um pouco sobre sua trajetória. Como chegou ao “Profissão Repórter”? Recebeu mensagens de ataque?
Monique: 
O convite chegou uma semana depois da matéria do “Profissão” sobre mapa da violência. Eu estava numa lanchonete com um amigo, e Caco Barcellos apareceu com a editora-chefe. Eu quis falar com ele para dar parabéns pela matéria, quando, na verdade, ele que veio falar comigo perguntando se eu pensava em trabalhar na TV. Em dezembro, Caco me liga perguntando se eu tinha me decidido e eu aceitei, é claro. Foi um processo bacana interno, de viver aquilo. Chocou com algumas ideologias, ser militante e entrar na Globo, mas eu super entendi que estamos num momento em que não dá mais pra ficar escolhendo se ocupo ou não. Eu crio coisas desde os 16 anos, e o “Profissão Repórter” foi o momento em que decidi ocupar. Aparecer em rede nacional com pautas minhas na maior emissora nacional? Na televisão é diferente. Na internet, por exemplo, falamos com pessoas que já fazem parte do nosso ciclo de ideias. Na TV, falamos com quem compactua e com quem discorda. Eu estava falando com mais de 100 milhões de pessoas! Maior ocupação que isso, não existe. Sobre o hater, tem que filtrar. Não dá pra sofrer por posts e mensagens de redes sociais. Afeta muito, mas tem que saber lidar.

CLAUDIA: Você recebeu alguma crítica de pessoas do movimento negro por entrar na Globo?
Monique: Indiretamente, sim. Me deparava com alguns “textões” no Facebook e pensava que aquilo poderia sim ser pra mim (risos), mas não de amigos. Os mais próximos me apoiaram. É uma contradição, na verdade. Algumas pessoas que foram no programa da Fátima [Bernardes], por exemplo, também foram atacados, incluindo eu. É aquela coisa: as pessoas não querem que você esteja, até o convite chegar até elas… Porém, fazendo um paralelo, eu entendo que muitas pessoas como eu estão batalhando em seus projetos nas mídias alternativas, e não recebem o devido reconhecimento.

CLAUDIA: Como foi esse processo de deixar a Globo para se juntar à Bossa Nova Studio? Quais são seus projetos dentro da Bossa?
Monique: Eu já estava pensando em sair para me dedicar aos meus projetos paralelos, desde dezembro. Conversei com o Caco e expliquei a situação. No meio do caminho encontrei Paulo Perez e comentei com ele por alto como que funcionava lá. Ele já veio me falando que tinha um espaço que era minha cara. Voltei do Carnaval e fui para lá, em fevereiro. Eu trabalho na criação de modelos audiovisuais, e tudo que acredito posso colocar minha energia ali. Criando esses modelos, sinto que minha função está mais com o entretenimento, pode ter um impacto social, entende? A Bossa se adapta às perspectivas do mundo. A Bossa tem coisas interessantes, mas estamos mudando a cultura organizacional do estúdio. O que significa? Se eu prego diversidade, preciso ter uma equipe diversa. Estou contratando pessoas que abracem essa diversidade, que são essa diversidade. Hoje temos grandes projetos que envolvem inovação e habilidades do século XXI, até mesmo um novo projeto que ainda é confidencial, mas a única coisa que posso dizer é a citação de Angela Davis: “se as mulheres negras se movimentam, o mundo todo se movimenta junto”. Ou seja, estamos gestando um propósito comum junto com a sociedade e temos consciência que nada se inicia e se esgota na gente. Mas estamos em movimento. Não posso falar mais! (risos) 

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CLAUDIA: Você se considera feminista?
Monique: 
É complexo… eu me encontro em crise. Acredito que todas as linhas são válidas se mulheres negras conseguem reagir. Estética, por exemplo: muitas pessoas criticam, falam da “geração tombamento”, mas as mulheres negras conseguiram reagir a partir daí, isso já vale. Sou feminista? Pode ser! O feminismo me abriu um olhar muito mais forte quando comecei a entender o machismo e o racismo, aos 18 anos. O feminismo foi um pontapé inicial para que eu entendesse o que as mulheres passam.

CLAUDIA: O movimento negro sofreu um grande impacto com a morte de Marielle Franco (vereadora do PSOL). Isso  prejudicou de alguma forma a sua militância?

Monique: Deu uma impactada. Eu literalmente quase parei com tudo. Fiquei três dias fazendo nada da minha vida trancada num quarto de hotel. Pra nos matarem, é super fácil, sabe? Quem tem medo somos nós. Quando discordam de você, querem te matar. Não é brincadeira.

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