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HIV: conheça a paulistana que luta há 26 anos contra o preconceito por ser soropositiva

A paulistana Valéria Piassa Polizzi, 43 anos, conta como tem lutado contra o isolamento e enfrentado o preconceito desde os 18, quando se descobriu portadora do HIV.

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 22 out 2016, 16h22 - Publicado em 1 dez 2015, 10h00

“Eu tinha 16 anos quando conheci meu primeiro namorado, dez anos mais velho. Ficamos juntos por dois anos e foi a primeira pessoa com quem transei. Naquela época, ainda se acreditava que a AIDS era doença restrita a grupos de risco, basicamente homossexuais e usuários de drogas, e dispensamos a camisinha. Quando fiz 18 anos, em 1989, em um exame de rotina, descobri que tinha me contaminado com o HIV. O pânico em torno da doença estava no auge.

As informações eram confusas e nem mesmo a ciência tinha respostas. Mas havia uma certeza: ter AIDS era uma sentença de morte. Quem vivia muito resistia, no máximo, dez anos. Enfim, uma tragédia daquelas sem tamanho. Mas, quando meu pai me deu a notícia, ele parecia muito tranquilo. Aliás, minha mãe, minha irmã e os tios que ficaram sabendo também encararam muito bem. Até hoje, acho que todos surtaram longe de mim para não piorar a situação. Entrei em choque. Fiz terapia, tomei antidepressivo, mas não via saída. Perdi naquele momento, e para a vida toda, a possibilidade de fazer planos.

Não fiquei com raiva do meu ex-namorado porque compreendi que a responsabilidade também era minha. Eu tinha concordado em não usar camisinha. Já diagnosticada, tentei, sem sucesso, levar uma vida normal a todo custo. Entrei na faculdade, mas decidi sair em três meses, já que, pelas minhas contas, morreria antes de terminar. Não fazia sentido me dedicar a algo tão distante. Resolvi ir para os Estados Unidos estudar inglês. O curso era rápido, durava só seis meses, e eu aprenderia mais sobre outra cultura. Viajei sem atender aos pedidos do meu infectologista de começar a medicação. O único tratamento disponível era o AZT, remédio que só funcionava por seis meses, e ninguém sabia ao certo quais eram os efeitos colaterais. Não tinha interesse nenhum em prolongar minha vida por apenas um semestre.

O médico também tinha me dito outra coisa: “Não conte a ninguém”

O tabu era pior naquela época do que hoje. Toda semana tinha um escândalo com aids. Era alguém com HIV demitido, uma criança expulsa da escola… Guardei segredo, mas aquilo virou um fardo. Sentia que mentia para os amigos e familiares. Acabei me isolando. Por quatro anos, não falei com ninguém sobre o assunto proibido, só ficava remoendo. Estava me sentindo sozinha quando decidi contar a uma professora lá na Califórnia. Ela foi tão compreensiva e ainda me levou a São Francisco, onde já havia grupos de apoio para portadores. Foi tão bom ver gente se mexendo para diminuir o preconceito. Um alívio!

Depois de acabar o curso, fiquei mais um tempo nos Estados Unidos. Voltei para casa em 1993. Era hora de encarar a situação. Cheguei ao Brasil mal de saúde e fui direto para o hospital com uma tuberculose renal. Fiquei internada e o tratamento longo me deu um tempão para pensar. Comecei a tomar o AZT e resolvi que era hora de revelar para os amigos e para as pessoas da família que ainda não sabiam.

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“É tão melhor viver sem segredos, poder trazer todos para perto de novo”

E mentiras alimentam os preconceitos. Meus amigos reforçaram uma ideia que já rondava minha cabeça: escrever um livro contando a minha história. Mergulhei nesse projeto por três anos. A editora Ática se interessou por Depois Daquela Viagem e consegui publicá-lo em 1997. Era, como eu queria, algo que poderia ser lido por adolescentes e crianças, pois os livros didáticos continuavam com aquele papo macabro de que aids era morte certa, mas o cenário já havia mudado. Rodei escolas do país fazendo palestras sobre minha vida. Fiquei feliz com a aceitação: as portas se abriam, em vez de se fecharem, como tinha imaginado. O livro foi uma espécie de terapia, ajudou a não alimentar mais mentiras.

Nesse meio tempo, surgiu o coquetel e, no mesmo ano de 1997, comecei a tomá-lo. Primeiro tentei uma combinação que não se mostrou muito legal para mim. Depois o médico achou a ideal. Ainda passei a frequentar um grupo de apoio. As pessoas eram mais velhas e com histórias bem diferentes da minha, mas era bom poder conversar abertamente.Então, fui viajar novamente, dessa vez para a Nova Zelândia. Lá, conheci um austríaco e namoramos. Contei logo de cara que tinha AIDS e ele aceitou numa boa. Ficamos casados por 15 anos.

“Com o coquetel funcionando, percebi que teria, sim, tempo para realizar sonhos antigos”

Voltei à escola, cursei jornalismo e uma pós. Trabalhei na área e agora parei para cuidar do meu pai, que teve um problema cardíaco sério. Vivo bem com a medicação, mas o que poucos sabem é que existem complicações. A longo prazo, o coquetel afeta a saúde. Meu colesterol ficou altíssimo. Além dos seis comprimidos por dia – três pela manhã e três à noite -, tomo remédio para controlar isso, antidepressivo e uma pílula para a sequela que restou no rim depois da tuberculose.

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quem lute contra a gordura no fígado ou contra a lipodistrofia, doença em que a gordura se acumula em uma parte do corpo e deixa a pessoa deformada. Não posso abrir mão dos exercícios diários, porque preciso fortalecer os músculos para não ficar com aparência de doente. E tenho que fazer um monitoramento constante da saúde, realizando certinho os exames.

“Hoje, vejo muitas pessoas se arriscando, mesmo com toda a informação que por aí”

Essa geração não pegou a fase de ver gente sofrendo e morrendo. Por isso, não tem aquela impressão tão ruim da aids. O resultado é que não se toma o cuidado que deveria. No fundo, porém, quem tem HIV ainda é bastante estigmatizado. É grande o número de contaminados que não sabem – e os que sabem, só que mantêm em segredo.

Você pode conviver com eles e nem desconfiar. Na prática, para trabalhar e construir uma vida, mas não é nada fácil. Imagine contar para um namorado novo ou um paquera. Já aconteceu de a pessoa simplesmente sair andando depois da revelação. E acho até normal! Acredito que é direito do outro ser informado, mas você precisa estar bem preparada para todo tipo de reação e resposta. Meu desejo é que um dia a aids não seja um assunto tão velado. Isso vira mais uma dificuldade para quem já enfrenta o dia a dia da doença.”

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