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“Contamos 71 tiros”, diz tia de João Pedro, morto pela polícia em casa

CLAUDIA conversou com Denise Roza e também com Daniel Blaz, que é primo de João. Eles dão novos detalhes sobre o caso.

Por Júlia Warken
Atualizado em 21 Maio 2020, 18h10 - Publicado em 20 Maio 2020, 17h51
 (Redes Sociais/Reprodução)
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Na tarde da última segunda-feira (18), a vida de João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, foi brutalmente interrompida. Enquanto estava na casa dos primos, ele foi morto por policiais que participavam de uma ação das polícias Federal e Civil e que contava também com o apoio da Polícia Militar. O caso aconteceu no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro.

Seis adolescentes estavam reunidos quando os policiais invadiram a casa. João Pedro foi atingido na barriga e outros diversos tiros foram disparados, como mostram as fotos das paredes da casa. O menino foi levado de helicóptero e nenhum familiar pôde acompanha-lo. A família também não foi informada sobre o destino de João e precisou procurar por 17 horas, até encontra-lo no Instituto Médico Legal (IML) de São Gonçalo.

“Foi assim que eles [os policiais] falaram para mim: ‘Os bandidos trocaram tiros conosco, tinha bandidos no seu quintal'”, relata Denise Roza, tia de João Pedro e dona da casa onde ele foi assassinado. Em nota, a Polícia Civil diz: “Durante a ação, seguranças dos traficantes tentaram fugir pulando o muro de uma casa. Eles dispararam contra os policiais e arremessaram granadas na direção dos agentes. No local foram apreendidas granadas e uma pistola”.

Em entrevista a CLAUDIA, Denise contesta a versão dos policiais de que houve troca de tiros no local. “Se tinha bandido lá [na casa], eles correram. Trocar tiro, eles não trocaram”. Ela afirma isso com base na localização dos furos de bala que podem ser vistos nas paredes. De acordo com a tia de João, há 68 furos em uma direção e apenas três na outra. “Tem três tirinhos lá na parede, que eles mandaram eu ver e falaram ‘tá vendo como eles trocaram tiro com a gente?’. Dá a entender que eles forjaram aquilo ali para dizer que teve tiro contra eles. No total, com esses três tiros, a gente que não é perito de nada, contamos 71 tiros. Três tiros na parede contra eles, quantos que sobram para a casa? Entendeu? Foi forjado. Ninguém precisa ser especialista pra ver”.

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Imagem de uma das paredes alvejadas na casa de Denise, a tia de João Pedro (RJTV/Globo/Reprodução)

Denise também aponta que eram muitos os policiais envolvidos, além de helicópteros. “Era muita polícia, não era pouca polícia, não. Tinha helicóptero dando tiro, polícia na rua a pé… bandido vai ficar aonde? Ninguém troca tiro com polícia em helicóptero, isso não existe”. Noutro momento da nossa conversa, Denise aponta o fato de que a polícia usa drones para monitorar a região onde ela mora. “Ninguém entra na casa de ninguém atirando. Mesmo que você ache que é casa de bandido, a polícia não pode trabalhar na base do achismo. Até porque, eles passam com drone lá todos os dias. Pra que eles estão com drone, então? Eles deviam saber onde tem e onde não tem [bandidos]”.

Além disso, ela dá detalhes sobre a maneira como os policiais entraram em sua residência. Segundo Denise, o portão não estava trancado, apenas encostado, mas a porta da cozinha foi arrobada. “E entraram atirando, porque a janela da sala, a primeira janela, tá toda cravada de bala”. A tia de João Pedro diz que está sendo muito difícil entrar na casa. “Você vê tudo bagunçado. O quarto da minha irmã todo quebrado. Eles quebraram o guarda-roupa, jogaram no chão. Atiraram a televisão também. É muito difícil estar lá”.

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CLAUDIA também conversou com Daniel Blaz, que é primo de João Pedro. Daniel não estava na casa de Denise no momento da invasão, mas foi ele quem conseguiu gerar repercussão para o caso nas redes sociais. Num primeiro momento, pediu que as pessoas ajudassem a família a encontrar João e, na manhã de terça-feira, fez o anúncio de que o primo havia falecido. “Eu tô fazendo de tudo pra que ele não seja esquecido e pra que a gente tenha justiça”, desabafa.

Na terça-feira, o assassinato de João Pedro era o assunto mais comentado do Twitter no Brasil e a hashtag #VidasNegrasImportam tornou-se a segunda mais usada do dia – só perdendo para #JoaoPedro. Na manhã de quarta-feira, os pais do menino, Rafaela e Neilton, participaram de programas na Globo, SBT e Record. O velório de João Pedro também teve cobertura midiática e o caso ainda promete gerar notícias, já que uma investigação foi instaurada.

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Perguntamos a Daniel se ele acredita que essa repercussão toda pode ajudar a família a encontrar a justiça que tanto procura. “É muito difícil essa questão de justiça no Brasil. Os policiais pegaram o vizinho que viu tudo e coagiram ele, pra ele dar depoimento errado na delegacia. E uma das meninas – que tinham duas meninas, a irmã da Denise e uma outra – eles pegaram ela, colocaram ela dentro do quarto e começaram a conversar com ela lá dentro. E o advogado agora se pronunciou, falando totalmente ao contrário, falando que essas duas testemunhas viram o bandido na casa, sendo que não tinha bandido nenhum.”

Mesmo assim, o primo de João Pedro se mostra confiante. “Eles têm o poder de manipulação, de fazer tudo lá dentro, mas eles esquecem o poder da internet, das pessoas, da proporção que isso tá tomando… eu tenho muita fé de que vai ser maior, sabe? Que a gente vai conseguir desvendar tudo, mostrar, provar. O que eu puder, vou fazer de tudo para a verdade ser posta. Não tenho medo de dar minha cara a tapa”.

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Além de falar sobre coerção, ele é muito direto ao dizer que não acredita na versão dada pelos policiais sobre o caso. “Quando acontece operação, quando alguém descobre e conta aos bandidos, todos os bandidos desaparecem. Eles procuram os piores lugares possíveis para se esconder”, aponta. Daniel também chama a atenção para a altura dos muros da casa de Denise e para o fato de que helicópteros estavam no local. “O muro é muito alto, de verdade, não tem como passar. E outra: foram quatro helicópteros em cima, sobrevoando. Agora você para para pensar, se tivesse bandidos na casa invadindo, rapidamente teriam que pular o outro muro para sair da residência. Com quatro helicópteros ali, eles não iam conseguir dar tiro nos bandidos vendo de cima? É surreal o que eles estão contando”.

Ele não para por aí e aponta a sua versão sobre o que levou a polícia a invadir a casa de Denise. “Os policiais que estavam no helicóptero viram as crianças que estavam do lado de fora correndo para dentro da casa, porque o helicóptero tava sobrevoando muito baixo e soltando tiro para tudo quanto é lado, por isso as crianças correram. Nisso, provavelmente, um dos policiais que estava no helicóptero mandou os outros entrarem na casa. E saíram metralhando tudo”.

Segundo Denise, foi ela que mandou as crianças entrarem em casa, pois falou ao telefone com João Pedro quando os tiros começaram. Assustado, o menino ligou para o celular do pai e a tia atendeu, pois ela e Neilton trabalham juntos em um quiosque. Denise conta que os adolescentes estavam jogando sinuca num espaço para festas que é ligado à parte principal da casa através do quintal. Tanto ela quanto Daniel também apontam para uma alegação da polícia de que uma festa estaria acontecendo no local. Ambos negam, dizendo que aquele era apenas o encontro de alguns adolescentes. “A gente não bebe, não fuma, não usa droga, nem faz festa. Onde as crianças estavam brincando de sinuca tá sujo, porque faz muito tempo que a gente não usava aquela área”, garante Denise.

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Denise falou com João Pedro ao telefone quando os tiros começaram a ser disparados em São Gonçalo (Reprodução/TV Globo)

Se por um lado, Daniel fala muito abertamente sobre detalhes do caso e acredita que a repercussão pode ajudar sua família, por outro, ele também diz que está tomando consciência a respeito dos perigos da exposição. “Eu até fiquei com medo das coisas que eu postei, acabei postando até o meu telefone. Na hora do desespero eu saí postando um monte de coisa, marcando todas as polícias. Agora eu fico com medo disso. Mas tenho muita fé de que tudo vai ser resolvido”.

Assim, como toda a família, Denise também pede por justiça e diz que, até agora, nenhuma autoridade do governo entrou em contato com eles. “Do estado, a gente não recebeu nenhuma ligação até agora. Só escutei a nota passando na televisão, dizendo que a Polícia Federal reconhece que o João era um inocente. Isso pra mim já é um alento no meu coração, sinceramente. Mas tem que punir quem realmente foi culpado”, finaliza.

Sobre a perícia, a Polícia Civil enviou a CLAUDIA a seguinte declaração:

“A Corregedoria Geral da Polícia Civil instaurou sindicância administrativa disciplinar para apurar a conduta dos policiais civis que participaram da ação no Complexo do Salgueiro. A apuração corre em paralelo ao inquérito policial instaurado pela Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI).
A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) instaurou inquérito para apurar a morte do adolescente João Pedro Matos Pinto ferido durante operação da Polícia Federal com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, nesta segunda-feira (18/05).  Foi realizada perícia no local e testemunhas prestaram depoimento na delegacia. Os policiais já foram ouvidos e as armas apreendidas para confronto balístico. O piloto do helicóptero prestará depoimento e familiares também serão ouvidos. Os laudos periciais estão sendo analisados e outras diligências estão sendo realizadas para esclarecer as circunstâncias do fato.”
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