Como o golfe motivou uma comissária de bordo a lutar contra o câncer
Com cada vez mais adeptos no Brasil, o golfe ajudou Ruriko Nakamura, 51 anos, a vencer um câncer de mama e ainda dar uma guinada pessoal
Ruriko Nakamura: segunda melhor golfista amadora do país
Foto:Filipe Redondo
“Quando passei pela fase mais difícil e traumática da minha vida, aos 44 anos, me agarrei ao golfe, esporte que praticava como hobby. Foi minha tábua de salvação: ele me inspirou e deu forças. Em 2006, era casada e mãe de uma garota. Tudo parecia normal. Trabalhava como comissária de bordo da primeira classe nos voos internacionais da extinta Varig. Um dia, em um exame de rotina, o médico suspeitou de um cisto que apareceu na minha mama. No começo, achei que pudesse ser um engano. Fiz mais uma bateria de exames e, então, veio a confirmação: câncer. Essa doença tão temida agora fazia parte da minha vida. Questionei por que aquilo estava acontecendo comigo. Minha rotina de trabalho era agitada e exigia esforço, mas, por outro lado, eu seguia uma dieta equilibrada, fazia exercícios regularmente, mantinha horários para dormir e, mais importante, não tinha nenhum vício que colocasse em risco minha saúde. Por alguns dias, fiquei sem chão.
Era um tumor avançado já, tinha 1,5 centímetro. O médico alertou que não seria fácil passar por aquela situação. Eu precisaria ter fé e ser forte para enfrentar o tratamento intenso. Além dos desafios físicos, deveria lidar com a frustração de não ter mais uma saúde perfeita. Chocada, repeti várias vezes para mim mesma que venceria a batalha. Determinada a seguir adiante, dei início ao passo a passo dos cuidados, que começava com uma cirurgia para retirar as duas mamas.
Havia um campo de golfe perto de casa e, no meu tempo livre, costumava ir lá. Após a operação, fiquei em repouso, mas, assim que o médico liberou, fui jogar. Naquele dia, me lembrei da primeira vez que entrei em um campo, duas décadas antes. Estava com meu marido. Ele tinha virado adepto do esporte, eu quis experimentar e gostei. Logo no início, vi como uma terapia, uma fuga da rotina estressante. Durante o jogo, eu entrava em contato com a natureza, olhava os pássaros e as flores, respirava ar puro. Era um tempo reservado só para mim. O esporte ainda me ajudava a melhorar a concentração e o foco. Quando fiquei interessada em jogar, contratei um professor para me ensinar o básico. Depois, ia acompanhada apenas de um caddy, assistente que carrega os tacos. Na verdade, ele era um jogador bom, que virou profissional tempos depois. Em dois anos, eu deslanchei. Passei a competir pela Federação Paulista e pela Confederação Brasileira. Joguei o Mundial de Golfe e o Campeonato Sul-Americano, no qual minha equipe foi campeã. Aos poucos, fui me consagrando como uma forte jogadora amadora. Agora, sou a segunda melhor do país.
Conheço profundamente o esporte e costumo comparar uma partida de golfe à vida. Há altos e baixos, obstáculos, alegrias e lances perfeitos. É mais ou menos a mesma coisa que enfrentamos no dia a dia. As habilidades aprendidas e treinadas em campo foram importantíssimas no combate à doença. Tracei metas de superação, consegui equilíbrio para suportar a pressão e me concentrei na conquista do meu desejo de ficar curada. O golfe virou meu parceiro, era com ele que contava nas horas difíceis. Recuperada da cirurgia, me dediquei à fase mais desafiadora do processo: fiz oito meses de quimioterapia, quatro meses de radioterapia – em um total de 31 sessões exaustivas – e cinco anos de hormonoterapia. Cada vez que acabava uma etapa, eu voltava ao campo para recarregar minhas energias e comemorar. Funcionava como uma válvula de escape sem a qual não teria sobrevivido.
Nesse esporte, a responsabilidade pela partida é somente do jogador, já que não existe um time. Na doença, a batalha também era só minha. Apesar de o apoio do meu marido, da minha filha e dos amigos ter sido essencial, a luta era pessoal. A vitória dependia de até onde eu estava disposta a ir e quanto aguentaria. E mais: para vencer uma partida, é preciso controlar as emoções. A ansiedade pode destruir uma tacada muito bem calculada. A mente precisa estar afinada para encarar o adversário. É um esporte de controle emocional – e foi assim que enfrentei o medo de morrer.Há dois anos, o pesadelo finalmente acabou. Sou uma pessoa curada. Nunca fui tão feliz em uma conquista. Hoje, vivo os momentos como se fossem únicos, me entregando inteiramente. Meus valores mudaram tanto que optei por não fazer a reconstrução das mamas. Minha preocupação era preservar minha identidade, a pessoa que eu sou, e as mudanças do meu corpo não falam nada sobre mim. Não sinto falta dos seios nem pretendo fazer outra cirurgia no momento. Acredito que me tornei alguém melhor e mais forte.
Para minha alegria, voltei a competir. Não me vejo sem jogar golfe. Ele é parte de mim. Minhas roupas, minha personalidade, minhas atitudes, minha forma de pensar, tudo sempre remete ao jogo. Com o fim dessa longa batalha, percebi que precisava de novos desafios para vencer. Entrei de cabeça no projeto de abrir um negócio próprio: um restaurante japonês no interior de São Paulo, onde moro. Mesmo sem ter experiência no ramo, vi surgir uma força imensa dentro de mim. Tanto que ele já é considerado o melhor da região. O sucesso me deu ainda mais coragem e confiança para