Berlim: Loyola Brandão dá as melhores dicas para você curtir a capital
O escritor nos conduz em um passeio encantador por Berlim - cidade na qual morou por quase dois anos e que adora revisitar.
Conheça a comida de rua
Um dia, me vi em Berlim. Corri à Kranzler, uma das famosas confeitarias, para tomar um café da manhã berlinense, com bolos cheios de creme, um dos símbolos da cidade. Naquele manhã, conheci outro símbolo, o berliner, que, surpreso, percebi ser o nosso prosaico sonho, esse mesmo que toda padaria vende, recheado com creme ou geleia.
A segunda parada foi em um imbiss, lanchonete de esquina (e elas estão por toda parte), para comer currywurst. Nada mais berlinense que essa comida de rua. Recomendo, vai adorar.
Invenção dos operários do bairro de Prenzlauer Berg nos anos 1920. Numa caixinha vem salsicha em rodelas, mergulhada em um molho espesso de ketchup preparado com curry levemente picante. Também é um símbolo local, ao lado da imagem do urso que está na bandeira da cidade. Falando em urso, essencial é visitar o panda no zoológico.
Imbiss, tradicional lanchonete de esquina. Foto: JA
Aventure-se nos arredores do Muro
O movimento seguinte foi visitar o maior dos símbolos por décadas, o Muro, de 165 quilômetros, que rodeava Berlim por inteiro, tornando-a isolada, prisioneira, daí o apelido “ilha no mar vermelho”. Ou “cidade com duas cabeças”, bicéfala. Também foi chamada de “baile sobre o vulcão”. Dependendo do que acontecesse ali, podia estourar a terceira guerra mundial. Durou 28 anos o Muro, célebre no mundo. Escrito em maiúscula. Die Mauer, The Wall, como cantou Pink Floyd.
Caiu em 1989, e voltei no início dos anos 1990, mergulhando em uma Berlim espantosamente dinâmica, remodelada, restaurada, iluminada. Tinha recuperado o título que ostentou nos anos 1920, de “capital da Europa”. É uma cidade que se lambe toda, consumista, egoísta, narcisista, divertida, cheia de prazeres.
Berlim era, e é, explosão, fermento. Agitada, frenética, louca, palco de manifestações de vários tipos, das artísticas às políticas de esquerda e de direita, de exilados, pacifistas, feministas, gays, lésbicas, árabes, punks. Quem der sorte pega uma Marcha das Vadias, a mulherada com seios de fora. A cidade de 4 milhões de habitantes é habitável, deliciosa, única na Europa que não fecha 24 horas.
Aventure-se. Apanhe o metrô (U-1, linha verde) e desça em Schlesisches Tor. Esse bairro é Kreuzberg, a Istambul alemã; reduto dos turcos, ali se come muito bem a verdadeira cozinha árabe. Ao descer do metrô, vire à esquerda pela Rua Oberbaum, atravesse um canal e estará na Mühlenstrasse, a rua dos Moinhos.
Lá se encontra 1 quilômetro de Muro original intacto, um trecho conhecido como East Side Gallery. Passado e presente mesclam-se a todo momento em Berlim. Se observar no chão uma linha de paralelepípedos paralelos, saberá que ali estava o muro, cortando ruas, atravessando casas, cemitérios, igrejas, bares.
Sim, o que interessa é a nova cidade, sei disso. Quem conheceu o chamado lado oriental nos tempos do Muro assombra-se hoje. O que era sombrio, cinza, escuro, triste, com marcas da guerra nas paredes tornou-se uma região iluminada, colorida e maluca.
Muro de Berlim. Foto: John Lamb
Use o transporte público sem preconceito
Todos os sistemas funcionam, as ruas são perfeitamente asfaltadas, lisas como se tivessem feito lifting. O ônibus chega no horário. Se no ponto está escrito 13h31, ele passará às 13h31. E os ônibus estão sincronizados com os horários do metrô – subterrâneo (U-Bahn) e elevado (S-Bahn). Num brasileiro, dá até raiva. De nós, claro.
Use o transporte público. Não tenha preconceito. Fui à Deutsche Oper, na Bismarckstrasse (há sempre programas imperdíveis), e nos vagões havia homens engravatados e mulheres de longo, perfumadas e com joias. O trem parou, subimos uma escada e estávamos no hall do teatro. Os ônibus têm dois andares, vá ao piso superior e a cidade desfilará como em um monitor de altíssima definição.
Cidade plana, de edifícios baixos, quase todos de seis andares (exceção à esquisita Potsdamer Platz, praça que é cópia de Nova York), Berlim foi feita para caminhar. Ou alugue uma bicicleta e não tenha receio: nenhum motorista vai se atirar neuroticamente sobre você. Ciclovias cruzam a cidade. Há semáforos especiais para ciclistas.
Alexanderplatz, grande praça aberta e terminal de transportes públicos no centro de Berlim. Foto: Paolo Cordelli
Aproveite a área verde
Busque os parques, é o que não falta. O Tiergarten é central. No verão, as alemãs ficam nuas tomando sol nos gramados. Brancas, rosadas ao fim do dia. Muitos são os voyeurs camuflados nas moitas. Nunca entendi por que se escondem; pode-se andar e olhar, as nudistas não se importam, ninguém se importa.
Para ler e amar, você pode ir ao Tempelhof Park, antigo aeroporto, hoje um gramado imenso, espantosamente silencioso. Ou decida entre o Mauerpark, o Volkspark de Friedrichshain – o mais antigo de Berlim – ou a Berliner Grunewald-Forst. Tomando o S-Bahn, você chega ao distante Wannsee, lago rodeado por mansões, centros culturais, museus e restaurantes, onde se esquia, se veleja, se toma sol, se bebe.
Um barco nos leva à Ilha dos Pavões (Pfaueninsel), onde há um bizarro castelo. Nessa ilha, o ministro da propaganda do Terceiro Reich, Goebbels, promovia bacanais com estrelinhas dos estúdios de cinema.
Vença ou lute durante as compras
A Avenida Unter den Linden é a Champs-Élysées local, a Quinta Avenida. Fundamental é percorrer a Friedrichstrasse e se deixar vencer ou lutar. Comece pelo número 90, entre na Dussmann, maior loja da Europa de DVDs e CDs, com músicas do mundo inteiro.
São andares e andares, também com livros, revistas, o que você quiser e imaginar. Quase vizinhas, estão as Galeries Lafayette, para excitar qualquer mulher. A rua é relativamente curta e nela habitam a Zara, a H&M, a Birkenstock, a Strauss Inovation, KPM (de porcelanas) e demais grifes. Quem procura eletroeletrônicos encontrará na Alexanderplatz, o coração da região, nas lojas Saturn e Media Markt.
Não perca os restaurantes
Não deixe de comer no restaurante russo Pasternak, na Knaackstrasse. Peça a vodca da casa, que vem direto da antiga União Soviética, para acompanhar os antepastos, e experimente os blinis (são como crepes típicos da Rússia). Óbvio que há um prato chamado Dr. Jivago. Não distante está o Zander, dos melhores para mim. Sofisticado, delicioso. Cerca de 100 euros por pessoa, mas vale cada centavo.
Fica na Kollwitzstrasse, rua mais do que conhecida em Prenzlauerberg. Tradicionalíssimo é o Lutter & Wegner, um dos preferidos da atriz Marlene Dietrich e da cantora Josephine Baker. Foi ali que conheci a também atriz Hanna Schygulla, apresentada pelo escritor Peter Schneider. Peça schnitzel com aspargos e vitelo.
No restaurante do Hotel Hyat, vi Tom Cruise almoçando. Estava em Berlim filmando Operação Valquíria. A comida é de primeira. Se você – ou seu marido, namorado, amigo – é intelectual, passe pelo Café Einstein, em uma casa do século 19 que pertenceu a Henny Porten, atriz do cinema mudo alemão perseguida pelos nazistas por ser casada com um judeu.
Minha vontade é caminhar muito mais com você, mostrando o Memorial do Holocausto, o Portão de Bradenburgo e o Altes Museum, onde está o busto de Nefertiti, a mais bela mulher da antiguidade. Eu a levarei finalmente para almoçar em um pequeno restaurante chamado Il Sorriso, na Kurfürstenstrasse, onde comi por dois anos.
Depois de delgadas fatias de presunto de Parma, desfrutaremos o Maremonti (peixes e caça num prato só) ou uma massa com frutos do mar, terminando com uma grapa gelada. Auf Wiedersehen.