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Autoboicote

Nossa editora Liliane Prata fala sobre o (péssimo) hábito de dificultar nossa própria vida

Por Liliane Prata
10 fev 2016, 17h31

Fazendo uma pesquisa para o livro que estou escrevendo, cheguei a um artigo de um psicólogo sobre adolescentes que se cortam. Elencando os motivos que levam um jovem a se cortar, o texto (cujo link infelizmente perdi e não consegui encontrar mais) fala sobre causas que vão de depressão a pedido urgente de socorro e autoboicote. Então, para explicar aos pais do que trata esse autoboicote, o autor escreve mais ou menos assim: “os adultos têm outras maneiras de se boicotar, como beber demais ou abrir mão dos próprios sonhos”.

Uau. Beber demais ou abrir mão dos próprios sonhos. Que forte e interessante essa comparação!

Sou do time que se contenta com uma ou duas taças de vinho e contabilizo apenas dois porres nos últimos dez anos, e não acho que meus amigos que exageram uma ou duas vezes por mês estejam necessariamente se boicotando. Mas entendi (e concordei com) o recado. Os hábitos nocivos em geral são uma espécie de boicote. E, se álcool em toda festa faz mal para o fígado, abrir mão dos sonhos deve comprometer junto o coração e alma toda.

Ao longo da vida, a gente precisa fazer muita coisa que não quer, não está a fim, não gostaria (aliás, hoje é um dia que estou concordando demais com isso, já que precisei resolver chatíssimas pendências no banco, no cartório…). Mas viver abrindo mão do que a gente quer porque não tem coragem, porque não tem tempo, porque os vizinhos não vão gostar… Aí é autoboicote dos mais destruidores.

A gente também se boicota quando está mal, sabe que está mal, se sente mal por estar mal e… Não procura desabafar/resolver/fazer terapia/fazer uma autoavaliação/fazer as malas. Em vez disso, a gente se isola, enrola, finge que não é com a gente. Pior, oferecem ajuda e a gente não aceita: poucas coisas me parecem mais a imagem do autoboicote que isso, negar uma corda vindo em nossa direção.

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Jogar a culpa na mãe, no mundo, no ascendente: autoboicote clássico. Não que os outros não nos atrapalhem muitas vezes – atrapalham, claro. Meu ascendente, por exemplo, é Sagitário e vive me tirando do eixo. Mas repare: tem gente que sempre joga a culpa nos outros, terceirizando a responsabilidade pelas próprias escolhas e arrastando um mal-estar por anos. Em geral tenho muita condescendência com minhas falhas e as dos outros – mas, para mim, arranjar culpados demais e fazer autoanálise de menos parece uma bela forma de autoboicote.

Para mim, estão se boicotando aqueles não se jogam a corda, não aceitam a corda que lhe jogam, confundem realização com hedonismo, prazer com descontrole e dores da vida com dor para uma vida inteira. Quem exagera no sofrimento ou esquece de se dar a mão uma vez ou outra é apenas humano: apenas bebeu demais em uma festa. Quem tem isso como estilo de vida já vai estar um pouco morto na hora da própria morte. 

Certa vez, o psicanalista Winnicott afirmou: “Eu quero estar vivo na hora da minha morte”. Acho que é uma bela imagem. Pois estar vivo, claro, não significa apenas ter um coração batendo no peito, mas sonhos em andamento e uma expressão, ao menos na maior parte do tempo, aberta à vida, aos outros, ao aprendizado e mesmo às incertezas: achar que sabe tudo sobre si e sobre a vida é só uma forma de se fechar para o novo. Afinal, quem está vivo não escapa do movimento incessante. E me parece que quem não tem o hábito de se autoboicotar sente menos náuseas nesse caminho.
 

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