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Arquivo CLAUDIA: O movimento artístico que Ariano Suassuna criou no Nordeste

Além de poeta e dramaturgo, Ariano Suassuna foi um dos grandes fomentadores da cultura popular. Para homenageá-lo na semana de sua morte, CLAUDIA resgata uma conversa com o escritor sobre um movimento artístico que criou, publicada em julho de 2000.

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 28 out 2016, 03h03 - Publicado em 24 jul 2014, 22h00
Aline Angeli e Cláudia Alcione Pereira
Aline Angeli e Cláudia Alcione Pereira (/)
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Serpentes voadoras, bois misteriosos e as cores do folclore nordestino. Esses são alguns dos traços das pinturas e cerâmicas do Movimento Armorial, criado pelo escritor Ariano Suassuna para valorizar a cultura popular.

As portas estão sempre abertas na casa dos Suassunas. Ali, em meio à movimentação dos filhos e netos, funciona uma espécie de quartel-general da cultura popular brasileira, animado ainda pelo entra-e-sai de artistas e amigos: fala-se sobre arte, faz-se arte, respira-se arte. O responsável por toda essa efervescência é Ariano Suassuna (1927-2014), um dos maiores poetas, escritores e dramaturgos do Brasil, autor de peças como “O Auto da Compadecida”, sucesso há décadas em teatros de todo o país e na televisão, onde foi apresentada como minissérie.

No casarão colonial construído em 1870, no Recife, onde a família mora há quase meio século, é difícil não se contagiar pelo clima acolhedor. Cada detalhe da casa está ligado a uma recordação, uma preciosidade, uma história. A fachada, de azulejos brancos e azuis, foi um presente do amigo e artista pernambucano Francisco Brennand; o piso original de ladrilhos hidráulicos; os móveis antigos, herança de família. Mas o que mais chama a atenção dos visitantes são as esculturas, os quadros e as porcelanas, que deixam clara a preferência do dono.

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Apaixonado pelo Nordeste

Ariano é apaixonado pelo Nordeste, pelo Brasil. As peças trazem as cores fortes do maracatu, um tipo de cortejo folclórico local; os personagens fantásticos do cordel, com suas onças aladas e touros encantados; os traços típicos das xilogravuras; e os desenhos pré-históricos dos sítios arqueológicos do sertão. Juntos, esses objetos representam uma amostra da produção do Armorial, movimento artístico criado por Suassuna na década de 70 na tentativa de fazer com que a arte brasileira valorizasse suas raízes.

O regime militar havia banido a cultura popular do país”, conta Suassuna. “O que a gente queria era lutar contra essa desvalorização, contra essa vulgarização”, explica. O movimento conquistou várias gerações de artistas e reconhecimento internacional.

As peças podem ser vistas nas casas dos moradores, nos ateliês dos artistas, nas galerias. O Armorial alcançou tamanha dimensão que abrange áreas tão diversas quanto a música, a literatura, a dança e o teatro. “Com uma cultura tão rica bem debaixo do nosso nariz, para que buscar ideias fora?”, questiona o escritor. “A cultura brasileira é tão forte e inteligente que não temos o direito de desprezá-la.”

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O significado de Armorial

Não adianta muito buscar a ajuda do dicionário para compreender o significado da palavra armorial. Nos verbetes, ela aparece como algo relativo ao livro em que vêm registrados os brasões. Usá-la para batizar o movimento é mais uma das invenções de Suassuna. “É uma forma de designar os símbolos que representam a cultura de um povo”, explica. “Além disso, armorial tem um som bonito, é uma palavra que canta.”

A inspiração para o movimento vem dos folhetos de cordel, livretos rústicos que divulgam a literatura típica dos poetas nordestinos. É no universo fantástico desses romances populares, muitas vezes anônimos, que Suassuna e seus seguidores buscam elementos para fazer arte.

A influência do cordel, entretanto, não se resume ao enredo das histórias. A xilogravura, que ilustra as capas dos folhetos com traços toscos, é o ponto de partida da pintura armorial. Do ritmo dos textos e dos instrumentos que acompanham a recitação ao público, criou-se a música.

Herdeiros do movimento

O primeiro artista plástico a traduzir o mundo do cordel em seus trabalhos foi Gilvan Samico, um dos maiores gravuristas brasileiros. “Ariano me chamou a atenção para a cultura popular, a xilogravura nordestina. Fiquei fascinado”, conta Samico, que se pôs a pesquisar a linguagem dos folhetos, suas lendas, e a recriá-las em sua obra, abrindo caminho para toda uma geração de artistas, como Zélia Suassuna, mulher de Ariano, com suas porcelanas, cerâmicas e pinturas, e Alexandre Nóbrega, que explora em seus desenhos o contraste entre o preto e o branco das xilogravuras.

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Os desenhos pré-históricos, registrados pelos primeiros brasileiros nas rochas do sertão, são tão importantes para esse grupo quanto o cordel. Referências sobre eles aparecem em quase todos os trabalhos. Por trás de cada pintura ou cerâmica, há uma pesquisa extensa.

A maioria dos artistas armoriais, como Dantas Suassuna, filho de Ariano, Romero de Andrade Lima, Socorro Torquato e Joana Lira, dedica boa parte de seu tempo a observar as figuras dos sítios arqueológicos do interior da Paraíba e do Ceará. “As formas rupestres, além de belas, são muito simbólicas”, diz Dantas.

Se o Movimento Armorial busca inspiração na cultura popular, também é no meio das pessoas simples que encontra grandes artistas. Arnaldo Barbosa fez bicos de operário e de vigilante até ser descoberto pelo “mestre” Ariano. Hoje, é admirado pelas ilumiaras, esculturas e painéis colossais expostos ao ar livre.

Zé do Mandacaru, outro desses artistas temporãos, trabalhava como caseiro no ateliê de Dantas e Romero e pintava nas horas vagas usando os restos de tinta dos antigos patrões. Suas pinturas, traços ingênuos de personagens nordestinos, já foram expostas na Europa, a exemplo de vários dos artistas armoriais. “O reconhecimento internacional é válido”, diz Suassuna. “Porém, mais importante do que o mundo descobrir o Brasil, é que o próprio Brasil se descubra.” Palavras de mestre.

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