Angelina Jolie: “A decisão de fazer mastectomia não foi fácil. Mas estou feliz de tê-la tomado”
A dura (e criticada) decisão de se submeter a um tratamento radical para evitar o mesmo câncer que matou sua mãe mostrou na atriz a coragem de lutar com todas as armas para poupar seus filhos da dor que ela própria sentiu
Mãe é capaz dos maiores e até inimagináveis sacrifícios pelos filhos. E é isso que vamos mostrar em detalhes. A atriz americana Angelina Jolie ilustra a capa da CLAUDIA de maio justamente como representante dessas mães guerreiras. Se muitas são capazes até de morrer por seus filhos (pequenos ou grandes), ela fez a opção de viver – e também por eles. Mesmo que para isso precisasse extirpar as duas mamas e os ovários (e, com isso, ainda entrar em menopausa precoce). “Eles sabem que os amo e que faria qualquer coisa para ficarmos juntos por todo o tempo que puder”, escreveu no jornal americano The New York Times, em 14 de maio de 2013, dois dias depois do Dia das Mães, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, e três meses após a primeira cirurgia. Ainda acrescentou: “Os riscos de desenvolver câncer de mama caíram de 87% para 5%. Posso dizer a meus filhos que eles não precisam ter medo de me perder para essa doença”.
Em 24 de março passado, em mais um artigo (Diary of a Surgery, “O diário de uma cirurgia”) na mesma publicação, Angelina contou o capítulo seguinte dessa história: em nova cirurgia, ela teve os dois ovários e as trompas de Falópio removidos. No emocionante relato, a atriz descreve como ficou abalada quando o resultado de exames de sangue recentes apontaram para a necessidade de operar novamente:
Passei pelo que, imagino, milhares de outras mulheres já passaram. Disse a mim mesma para ficar calma e ser forte que eu não tinha razão para pensar que não viveria para ver minhas crianças crescerem e para conhecer meus netos.
Todo esse esforço foi para reduzir ao mínimo os riscos de desenvolver o mesmo câncer que matou sua mãe, Marcheline Bertrand, aos 56 anos, em 2007, e também sua avó e sua tia. “Minha mãe viveu o suficiente para conhecer seus primeiros netos e segurá-los nos braços. Mas minhas outras crianças nunca terão a chance de conhecê-la e sentir quão amável e graciosa ela era.”
Angelina é portadora de uma mutação no gene BRCA1, que faz com que a probabilidade de desenvolver tumores mamários chegue a 85%, em média, e a de apresentar câncer de ovário seja 60% maior do que para o restante da população. Ela assistiu à mãe lutar contra a doença por quase uma década. “Meus médicos disseram que eu deveria fazer uma cirurgia preventiva cerca de dez anos antes dos primeiros sinais de câncer nas minhas parentes mulheres. O câncer de ovário da minha mãe foi diagnosticado quando ela estava com 49 anos. Eu tenho 39.”
Em família
Atriz premiada com três Globo de Ouro e um Oscar (por Garota, Interrompida, de 1999) e cineasta em franca ascensão. No fim do ano passado, Angelina lançou Invencível, seu segundo trabalho como diretora. Em 2016 chega às telas By the Sea (ainda sem título oficial no Brasil), em que dirigirá o próprio marido, o ator Brad Pitt. Eles voltam a contracenar pela primeira vez desde Sr. e Sra. Smith (2005), em que o relacionamento, que completa dez anos agora, começou. O casal tem seis filhos, sendo os três últimos biológicos: Maddox, 13, Pax, 10, Zahara, 9, Shiloh, 8, e os gêmeos Knox e Vivienne, 6. Angelina é daquelas mães que fazem questão de participar da rotina das crianças, seja levando para a aula de natação pela manhã, quando ficam todos reunidos em Los Angeles, seja jantando com elas em uma casa alugada perto do set de filmagem em que está trabalhando. Foi assim durante as gravações de Invencível, na Austrália, e também de Guerra Mundial Z, protagonizado por Pitt, e rodado em Malta.
Abraçada a Zahara e Shiloh, Angelina comemorou o prêmio de melhor vilã do ano por sua Malévola.
Os filhos, ela já deixou claro várias vezes, são sua prioridade. Educados em casa por uma série de tutores, eles estão sempre rodeados pelo casal. No Natal, os seis são estimulados a fazer presentes para os irmãos em vez de comprá-los. E, no dia a dia, não assistem a desenhos animados na televisão para “evitar anúncios manipuladores de brinquedos com um toque fantástico”, como já disse o pai. A organização da festa de casamento de Jolie e Pitt, em agosto passado, no castelo que possuem no sul da França, coube em grande parte às crianças: Angelina usou um véu decorado com desenhos feitos pelos seis; o bolo foi preparado por Pax; Shiloh e Knox levaram as alianças; Zahara e Vivienne jogaram pétalas no caminho até o altar e, juntos, os irmãos escreveram os votos de matrimônio. “Eles realmente fizeram um ótimo trabalho. Nós oito celebramos, e eu e Brad comprometemos nossa vida com a das crianças.”
Ao papel de mãe, ela combina a carreira no cinema e o trabalho como enviada especial do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados, atividade que já a levou para inúmeras regiões de conflito, como Líbano, Ruanda e República do Congo. Depois de receber um Oscar honorário por seus esforços humanitários (em 2013), em agosto passado a atriz foi agraciada com o título de dama pela rainha Elizabeth II por seu trabalho contra o uso da violência sexual como arma em tempos de guerra.
Tratamento intensivo
Angelina contou ao mundo que decidiu ser proativa no combate à doença a fim de minimizar seus riscos o máximo possível. E optou por iniciar o processo pelos seios porque o risco de desenvolver câncer de mama era mais alto do que o de ovário, além de a operação ser mais complexa – o câncer de mama mata 458 mil pessoas por ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A primeira fase do tratamento, no Pink Lotus Breast Center, na Califórnia, nos Estados Unidos, começou no dia 2 de fevereiro de 2013 e durou cerca de três meses. A primeira cirurgia plástica utilizou a técnica nipple delay, conhecida como autonomização do mamilo, que tem por objetivo preservá-lo para a reconstrução. Duas semanas depois, foi feita a principal cirurgia, para extração do tecido mamário. “Você acorda com tubos e expansores nos seios. Parece uma cena de filme de ficção científica. Mas em alguns dias já pude voltar à vida normal”, escreveu. Passadas nove semanas, as mamas foram reconstruídas com implantes. “A decisão de fazer mastectomia não foi fácil. Mas estou muito feliz de tê-la tomado”, desabafou na época, no The New York Times, acrescentando que o marido lhe deu todo apoio: “Conseguimos encontrar momentos para rir juntos. Sabíamos que era o melhor que podíamos fazer para nossa família e que nos uniria ainda mais. E foi assim que aconteceu”.
Já a extração das trompas e dos ovários é uma intervenção relativamente simples e reduz em 90% o risco de câncer de ovário, tumor de alta agressividade e de difícil detecção que acomete uma em cada 70 mulheres no mundo. Seus efeitos, porém, são bem mais severos, pois levam a paciente à menopausa forçada, já que com os ovários vão embora também os hormônios femininos estrógeno e progesterona. Como consequência, Angelina pode esperar queda na libido, falhas de memória, depressão, aumento de peso e enfraquecimento dos ossos. Mas foi um risco calculado. “Todos os dias temos de tomar decisões que nos afetam. Por exemplo, ter filhos. Tento sempre fazer essas escolhas pelas razões certas”, disse ela em entrevista exclusiva a CLAUDIA no início deste ano.
Tornar o tratamento público, em detalhes, foi também uma escolha cuidadosa da atriz.
Decidi não manter minha história em segredo porque há muitas mulheres que não sabem que podem estar vivendo sob a sombra do câncer. Tenho a esperança de que elas também consigam realizar os exames genéticos e que, se tiverem um alto risco, saibam que há mais opções.
Uma das atrizes mais bem pagas do planeta, ela lamenta que o preço do teste para detectar a mutação genética do BRCA1, assim como a do gene BRCA2 (também responsável pelos mesmos tipos de câncer), seja um obstáculo para muitas pacientes – chega a custar mais de 2 mil dólares nos Estados Unidos, e entre 5 mil e 8 mil reais no Brasil.
Alternativas viáveis
Medidas preventivas como as tomadas por Angelina diminuem consideravelmente o risco de desenvolver câncer. Mas não são as únicas, explica José Claudio Casali, chefe do serviço de Oncogenética do Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, e professor de medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. “Tenho pacientes que optaram por não fazer a mastectomia preventiva, mas se submetem a exames periódicos, o que é uma alternativa viável. Pesquisas mostram que é possível diminuir o risco também com mudanças no estilo de vida, por meio de exercícios e dieta adequada”, diz Casali. Segundo ele, a redução de 10% do Índice de Massa Corpórea, por exemplo, é capaz de diminuir em 30% os riscos de a doença voltar. “A mastectomia é uma cirurgia mutiladora. A idade em que a mulher vai passar por esse procedimento também tem que ser avaliada. Por mais que a probabilidade de ter câncer caia em 90% dos casos, ainda existe um risco residual”, observa o médico.
Já com os ovários é diferente. A incidência desse tipo de tumor aumenta a partir dos 35 anos, mas não há exames periódicos preventivos capazes de detectá-lo. Geralmente, a doença é descoberta na retirada de cistos e, em 90% dos casos, já está em estágio avançado, fazendo com que a taxa de cura gire em torno de 20%. “Por isso, costumamos recomendar a retirada de ovários e trompas, principalmente no caso de mulheres que já têm filhos ou já passaram dos 50 anos”. Aquelas que têm anomalia no BRCA1 devem fazer isso aos 35 anos e, no caso do BRCA2, aos 40. Estudos demonstram que a cirurgia de retirada dos ovários reduz o risco de tumores malignos em 98%. Ainda assim, estima-se que, nos Estados Unidos, apenas uma em cada sete mulheres tome a mesma decisão de Angelina Jolie.
O depoimento da atriz foi importante para popularizar a discussão. E também para conquistas. Depois do seu relato, os planos de saúde passaram a cobrir os testes genéticos no Brasil. Em dezembro de 2013, a Agência Nacional de Saúde estipulou os critérios de acessibilidade a esses exames. “Agora falta chegar ao Sistema Único de Saúde”, alerta Casali.
Eu me sinto tranquila com o que vier, não porque sou forte, mas porque é parte da vida. Não é algo que eu deva temer”, diz a atriz, que sabe que, mesmo com todos esses sacrifícios, ainda pode desenvolver a doença, mas vai continuar lutando. “Sinto-me feminina e firme nas escolhas que estou fazendo por mim e pela minha família.
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