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A paixão pela reportagem

Uma passagem pelo sertão alagoano, a visita à região metropolitana de Curitiba e ao Jardim Ângela, na periferia paulistana, renderão material para uma reportagem de CLAUDIA. Veja por que é importante andar por aí.

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 28 out 2016, 00h16 - Publicado em 27 nov 2015, 17h55
Victor Muriyama
Victor Muriyama (/)
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Reportagem, antes de qualquer coisa, é um estado de espírito. Estar por aí com o pé na estrada, vendo a vida real na poeira e longe da mídia, das redes sociais, do nosso pequeno mundo reanima meu ânimo e a crença no jornalismo. A reportagem salvará a imprensa, porque os usuários da web estão exaustos da falta de qualidade na informação e vão querer mais do que a chuva de falastrões opinando, dando notícias imprecisas, sob apurações rasas. O papel impresso e a internet querem bom jornalismo. Jeff Bezos, que de bobo não tem nada, percebeu isso quando colocou 250 milhões de dólares na compra do Washington Post, um Titanic da imprensa global afundado em dívidas e descrédito. Dono da Amazon, expert em negócios, Bezos sabe que, sozinha, a pirotecnia de softwares não faz nada além de expor o jornal no universo digital. É necessário muito mais: credibilidade. Por isso, ele investe pesado em reportagem. Contratou mais de 100 jornalistas este ano, que se juntaram a outros 580. Ali não se fala em economizar recursos para voltar ao prestígio que tinham no tempo do escândalo Watergate, revelado nas páginas do veículo nos anos 1970. As boas reportagens voltaram, o Washington Post ganhou o mais recente Pullitzer (maior prêmio do jornalismo mundial) e o respeito por parte dos leitores e internautas foi restaurado.

         Hoje, no Brasil, a imprensa enfrenta uma aflição terrível e o medo do encolhimento. E por isso está encolhendo. A primeira coisa que as redações cortam é a reportagem. É caro deslocar uma equipe. Então, repórteres têm feito quase tudo por telefone ou enviam perguntas por email — um crime contra leitores, internautas e espectadores, que perdem a vivacidade dos fatos, o frescor das declarações. CLAUDIA não tem esse medo, prefere botar olho no olho.

Eu estou em reportagem. Termino a imersão no sertão alagoano e logo começo a visita à região metropolitana de Curitiba, com uma parada no caminho, mais exatamente no Jardim Ângela, Zona Sul da capital paulista. Preparo o material para a edição de janeiro. Dias fora da mesa que ocupo às margens do Rio Pinheiros só me trazem ganhos. Por exemplo, pude notar melhor a vergonha causada ao país pelo senador Delcídio Amaral. Cheira mal a sua tentativa de empulhar a clareza das coisas e dos fatos que precisam ser investigados. Ele terá que provar que nada deve. Vendo Delcídio, traço um paralelo com as pessoas com quem tenho andado nestes dias – os invisíveis, na seca que há cinco anos definha o sertão nordestino.

CARRO DE BOI

Perto de Inhapi, um trânsito enorme de carros de boi – o que eu julgava extinto. Não há mais em Minas, no interior da Paraíba, Bahia, do Mato Grosso… Conduzindo os bois, homens e mulheres de chapéu de couro tentam achar água. Encontram um líquido salobro a quilômetros de casa. Gente como Eliane e Cícera Silva, nora e sogra, do povoado de Sítio Albino (AL) fazem milagres com essa preciosidade meio viscosa e dão a ela o uso possível. O cheiro e o gosto são fortes, só se bebe em último caso, e ele está próximo. Elas regram as doses, do contrário a água vai acabar rápido: tem que dar para o banho, lavar a roupa, limpar a casa, matar a sede dos dois bois, algumas cabras e galinhas que a família mantém. Outra água, a de beber e cozinhar, é comprada em carro pipa ou retirada de graça, mas de madrugadinha, nos reservatórios de escolas reabastecidos pelo poder local e estadual. Há inúmeras cisternas executadas pelo governo federal, mas é preciso chuva para que estejam no nível. Na casa de Cícera não nasce um pé de mandioca no quintal há um tempão; o chão está tão duro que nem se pode mais ará-lo. As cabras deixaram de dar leite. Termina mais uma temporada sem feijão e milho para vender.

NOMES CURIOSOS

Que outra atividade, além do jornalismo, me faria passar por riachos secos e esqueletos de açude? É isso que me permite contar tudo aqui e falar da necessidade de olhar para as dificuldades do sertão – onde também cresce a violência no embalo da venda de drogas. Como eu saberia das cidades alagoanas de nomes curiosos como Jacaré dos Homens, São José da Tapera, Olho d’Água das Flores. Fico querendo saber quem teria dado o nome Serra do Exu a uma região, Baldes a um povoado e Alto de Negras a outro. Por que Alto de Negras? A explicação: uma escrava, fugindo de seu explorador-fazendeiro, se escondia nas matas perto de Canapi e só saía à noite para beber e comer algo nas poucas casas do entorno. Depois voltava a se enfurnar. Até que se apaixonou, foi viver com um homem dali, teve filhos, recebia no seu pedaço outros negros fugidos. Seu quilombo tinha traços de matriarcado e recebeu o nome de Alto de Negras. Que bonito nome! Mas seu povo padece um bocado com as faltas todas que enfrenta. Quantas coisas descubro, quantas mulheres imprescindíveis para o país, eu encontro. Para ficar em duas: Maria José Inácio e Quitéria Maria Alves, facilitadoras de desenvolvimento local, da Visão Mundial, uma ong que atua em várias frentes para defender os direitos das crianças. As duas rasgam estradas de terra ruim, pilotando motos para atingir rincões abandonados. Elas estão engajadas até a medula na campanha nacional sertão.vc (https://sertao.vc/), que mira o apoio financeiro para aplacar os efeitos da seca sobre meninos e meninas da região, como explicou Gidália Santana, outra guerreira da Visão Mundial. Qualquer um de nós pode contribuir entrando no link.

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O PRAZER DE VIVER

A reportagem traz também um enorme deleite – é possível comer coisas diferentes, ouvir sotaques ritmados que soam bem aos ouvidos, notar o céu azul brilhante atrás da caatinga, saber histórias inéditas, observar os mandacarus que persistem, teimosos, e descobrir os arranjos que as pessoas inventam para sobreviver. Quando o fotógrafo Victor Moriyama montou o equipamento de luz, no meio da rua de uma das cidades visitadas, juntou um mundo de crianças. Isso também foi uma delícia: parecia que o circo tinha chegando. Não eram o alvo da matéria, mas elas se colocaram ali como agentes falantes, contando suas experiências, querendo se exibir, brincar e mostrar algo que elas intuem que a repórter esteja buscando.  A molecada desta foto me pôs a par de coisas sensacionais que elas vivem e com o que sonham – mas isso já é uma outra história… 

 

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