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Será o fim do gênero na moda?

Tendência que saiu das ruas e ganhou as passarelas nacionais e internacionais, a neutralidade de gêneros chamou a atenção das grandes redes de varejo e promete mudar a forma como compramos e usamos moda

Por Claudia Garcia (colaboradora)
Atualizado em 21 jan 2020, 08h11 - Publicado em 5 jul 2016, 12h25
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Chamada de genderless ou não-gênero, ou ainda gender-bender (algo como além do gênero), a neutralidade de gêneros tomou o mundo da moda. A discussão ganhou mais atenção no ano passado com a coleção de estreia do estilista Alessandro Michele para a marca italiana Gucci. Na passarela, além de rapazes e moças vestirem roupas similares, era difícil perceber quem era quem. Michele não está sozinho na exploração sobre o que significa vestir homens e mulheres numa época em que os estereótipos parecem cada vez mais sem sentido.

Pra Jaden smith, vestir uma saia é tão natural quanto seria para uma mulher, Nicolas Ghesquière

Outras grifes influentes, como Prada, Saint Laurent e Givenchy, também apresentaram propostas de neutralidade entre masculino e feminino em suas passarelas. Já a francesa Louis Vuitton chamou atenção ao divulgar as fotos de sua campanha feminina de verão 2016, em que o ator Jaden Smith, 17 anos, filho do também ator norte-americano Will Smith, aparece usando saia, ao lado de outras três modelos. Para o diretor criativo da marca, Nicolas Ghesquière, “ele representa uma geração que assimilou os códigos da verdadeira liberdade, que está livre de manifestos e questões sobre gênero. Vestir uma saia é tão natural para ele quanto seria para uma mulher que, há muitos anos, se permitiu vestir um casaco ou um smoking masculino. Jaden Smith transmite algo muito interessante sobre a integração de um guarda-roupa global”.

Um pouco de história

Mas essa história de aproximação dos gêneros é bem mais antiga e, na moda, é o resultado de um processo que começou com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando as mulheres precisaram assumir o trabalho que antes era dos homens, já que eles estavam nos campos de batalha. Dessa forma, “a mulher tomou iniciativas masculinas, passou a usar calças compridas para trabalhar e aprendeu a ser dona do próprio nariz”, como explica o professor de história da moda João Braga. Porém foi o escandaloso livro La Garçonne (1922), do francês Victor Margueritte, cuja protagonista vive com a liberdade de um rapaz e encarna os ideais de igualdade entre os gêneros, que acendeu o desejo de emancipação feminina naquele período. Para João Braga, “o romance lançou mais do que uma moda: um estilo de vida. O cabelo foi cortado bem curto como um sinônimo de liberdade, a cintura foi para os quadris e o vestido encurtou. A mulher também começou a fumar em público, a dirigir e a estudar”.

A mulher tomou iniciativas masculinas, passou a usar calças compridas para trabalhar e aprendeu a ser dona do próprio nariz, João Braga

Outra peça importante na difusão de uma nova maneira de se vestir e símbolo de mulher à frente de seu tempo, Coco Chanel já se inspirava no guarda-roupa masculino e nos uniformes militares e usava calças compridas em 1926, peça que só foi virar moda mesmo nos anos 1930, como saída de praia. Isso explica as manchetes nos jornais causadas pela atriz Marlene Dietrich, em 1930, quando foi vista caminhando pelas ruas usando calças, logo depois incorporadas em seus filmes, como Anjo Azul, do mesmo ano.

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Outro momento importante na aproximação dos gêneros aconteceu no fim da década de 1960 com o movimento hippie, quando a moda unissex prosperava e um jovem casal costumava dividir tudo, inclusive as roupas. Ícone da época e com um estilo andrógino muito próprio, o líder dos Rolling Stones, Mick Jagger, se apresentava de vestido, usava camisas com babados, tinha cabelos longos e vestia os looks das namoradas.

Num movimento das ruas para os ateliês, Yves Saint Laurent foi um dos que apresentaram essa ideia unissex de forma mais sofisticada, quando criou o Le Smoking, em 1966. Já a década de 1980 viu a mulher transitar entre o feminino e o masculino novamente ao tentar competir no mercado de trabalho, dominado pelos homens. Ao mesmo tempo, os homens se vestiram de mulher de forma caricata e exagerada na forma das divertidas drag queens. João Braga acredita que, nos anos 1990, “o grunge tenha sido, de uma maneira simples, uma espécie de falta de gênero na forma de se vestir e, em seguida, também os emos (do termo emotional hardcore), que são mais assumidos nesse sentido, com meninos e meninas adotando os mesmos franjões e a mesma maquiagem”.

Diversidade

De Jean Paul Gaultier, em Paris, a Alexandre Herchcovitch, em São Paulo, o underground, a alta moda e as artes sempre chamaram a atenção para a diversidade, entre elas a de gêneros. Essa discussão cresceu muito quando, em 2011, a modelo bósnia Andreja Pejic (então Andrej) desfilou a coleção feminina de Jean Paul Gaultier e a masculina de Marc Jacobs, surgindo como menina ou menino de acordo com o momento. Atualmente, Andreja estrela campanha para a marca de maquiagem Make Up for Ever, abrindo caminho para outros modelos transgênero também no disputado mercado das grandes marcas de beleza.

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A brasileira Lea T, por exemplo, depois de representar a Givenchy, agora faz campanha de produtos para cabelo para a Redken, do grupo L’Oréal. Mas nada se compara ao maior fenômeno atual, Caitlyn Jenner, que dividiu sua transição com o mundo ao estampar a capa da revista Vanity Fair em 2015. Ela acaba de lançar um batom, chamado Finally Free, em parceria com a M.A.C – 100% da renda obtida será revertida ao M.A.C Aids Fund Transgender, que apoia a comunidade transgênero. Caitlyn também anunciou que será o rosto da nova linha esportiva da H&M. Mas o interesse nela vai muito além da causa transgênero. O mercado também está de olho nos mais de 6,5 milhões se seguidores que Caitlyn ostenta apenas no Instagram.

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Se o varejo de moda, entretanto, precisa de mais tempo para incorporar mudanças de comportamento, alguns exemplos recentes mostram que o não-gênero pode ter potencial para transformar a forma como consumimos. A primeira a se destacar foi a inglesa Selfridges, que há um ano lançou o projeto Agender, propondo uma nova experiência de compra sem a divisão das peças em seções masculina e feminina. Mais recentemente, a espanhola Zara lançou uma discreta coleção batizada de Ungendered, com peças que podem ser usadas por qualquer pessoa, independentemente do sexo.

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Aqui, no Brasil, a maior rede de varejo, a C&A, lançou a campanha Tudo Lindo & Misturado com o objetivo de encorajar as pessoas a ter uma leitura mais individual da moda. A marca diz que a proposta é celebrar a roupa como uma forma de expressão livre de qualquer preconceito ou estereótipo, reforçando que as peças podem ser combinadas e usadas de diversas formas, por homens e mulheres. Por outro lado, existem as marcas internacionais menores e autorais, como J. W. Anderson, Nicopanda, Gareth Pugh e Rad Hourani – o primeiro a realizar um desfile de alta-costura genderless –, que se destacam pela oferta de produtos sem distinção entre o feminino e o masculino.

No Brasil, não é diferente e algumas empresas já nasceram com DNA unissex, como a Också, dos designers Deisi Witz e Igor Bastos, que acredita que “o consumidor já busca peças que não tenham essa classificação, por estar em alta ou por realmente se sentirem amparados. Nunca pensamos em levantar bandeiras. Apenas queremos um mundo livre de preconceitos e expressamos isso nas nossas criações”. Para Suzy Okamoto, professora de pesquisa e criação em moda do Centro Universitário Belas Artes, de São Paulo, “a mudança de comportamento está nas ruas. A moda não é mais privilégio dos eventos oficiais. Ela está nas redes sociais, nas festas sem endereços, nas ruas. O genderless é a ponta do iceberg das mudanças. Quando fui ao Japão em 2006, eu não identificava os jovens das ruas de Tokyo. Não sabia se eram meninos ou meninas. Hoje isso já acontece nas ruas de São Paulo”.

Enquanto a C&A dá o primeiro passo para o fim dos estereótipos na moda com uma campanha (acima) ainda discreta sobre liberdade na hora de se vestir, as modelos transexuais (em sentido horário) Andreja Pejic, Caitlyn Jenner e Lea T estrelam campanhas para grandes marcas de beleza. Conheça os termos mais utilizados para entender a tendência da neutralidade de gêneros na moda.

Dicionário 

Cross-dressing Refere-se a pessoas que vestem roupa ou usam objetos associados ao sexo oposto.
Cisgênero ou cissexual Indivíduo que se identifica, em todos os aspectos, com o gênero designado em seu nascimento. Unissex Termo criado nos anos 1960 para designar roupas e penteados que podem ser usados indistintamente por ambos os sexos.
Plurissex Mais amplo e atual do que o unissex, abrange a ideia de todos os sexos ou da inexistência do gênero, principalmente na moda.
 Transgênero ou transexual Indivíduo que não se identifica com o seu gênero de nascimento e também aquele que está constantemente em trânsito entre os gêneros.
Androginia Fusão de características masculinas e femininas, tornando difícil a identificação de uma pessoa pelo gênero. 

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