Mulheres farão falsas denúncias de agressão em 2 novelas da Globo
Logo após episódios de assédio e agressão reais dentro da emissora, as ficções "Rock Story" e "A Força do Querer" vão retratar as mulheres como mentirosas
A frase #MexeuComUmaMexeuComTodas engajou as redes sociais no mês passado, após José Mayer ser acusado de assédio por uma funcionária da TV Globo. A comoção foi tão grande que o ator foi afastado do trabalho no canal. A atitude foi semelhante quando cenas pesadas de agressão começaram a ser filmadas pelas câmeras do Big Brother Brasil, e o participante Marcos foi expulso do programa por conta da forma como estava tratando Emilly.
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Toda a mobilização fez parecer que, finalmente, assédio e violência contra a mulher começariam a ser tratados com seriedade na TV. Por isso é chocante saber que em duas novelas diferentes, atualmente no ar, a Rede Globo vai contar histórias de mulheres que forjam agressões e exageram nas acusações de violência contra a mulher.
Segundo o colunista do UOL Mauricio Stycer, em “Rock Story” a personagem Mariane (Ana Cecília Costa) vai forjar uma agressão por parte de Gui (Vladimir Brichta). A ideia supostamente virá de Lázaro (João Vicente de Castro), que sugere que a moça grave um vídeo com a falsa acusação.
Já em “A Força do Querer”, Cibele (Bruna Linzmeyer) vai “exagerar” o fato de Ruy (Fiuk) a ter segurado pelo braço. “Me agrediu, quase quebrou meu braço, torceu meu braço, até arrebentou minha pulseira!”, ela vai alegar, na delegacia. “Estou com o ombro todo doído, de quando ele me empurrou”.
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Sim, é possível que esse tipo de situação aconteça eventualmente na vida real. Mas a inclusão desse tipo de história, duas vezes, em um programa tão popular quanto as novelas da Globo reforça um estereótipo enormemente difundido sobre as mulheres mundo afora: a ideia de que elas são mentirosas e loucas.
No Brasil a agressão contra mulheres é subnotificada – isso significa que apenas uma pequena parcela das mulheres que sofrem violência tem coragem de denunciar o agressor. Isso acontece por vários motivos, mas um dos principais é porque a palavra da mulher é colocada em questão pelas autoridades que recebem as denúncias. Isso desestimula as mulheres a lutarem por seus direitos e segurança.
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Sabemos que as novelas da Globo tem forte influência sobre a vida dos brasileiros. Sugerir que mulheres são ardilosas a ponto de fazer denúncias mentirosas e exageradas para prejudicar os homens pode atrapalhar – e muito – a vida de tantas mulheres que diariamente são agredidas e assediadas.
No Brasil, uma sugestão de lei criou polêmica também no mês passado, ao sugerir que se crie uma lei específica para as falsas acusações de estupro. A ideia se sustenta por histórias como a que a Globo está difundindo agora – e que faz muita gente pensar que há mais falsas acusações do que casos de estupro de fato.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), porém, só 10% dos estupros chegam a ser denunciados no nosso país. Diante destes dados, a crença reforçada pela maior emissora televisiva do país passa a não fazer nenhum sentido.
Será que, nesse contexto, a escolha de veicular histórias como estas é uma boa ideia? A gente do MdeMulher responde com todas as letras: não.