Movimento busca divulgar origem racial de Machado de Assis
Escritor negro teve fotos embranquecidas para se assemelhar a homens brancos. Até retrato na Academia Brasileira de Letras terá de ser trocado
Machado de Assis, um dos maiores escritores da história do Brasil, foi um homem negro. O fato, que pode não parecer surpreendente para os desavisados, só foi constatado no ano passado. Sim, somente em 2018, quando o pesquisador Felipe Rissato encontrou uma foto do autor em uma edição de janeiro de 1980, da revista argentina “Caras Y Careta”.
Num evidente reflexo do racismo, os escritor foi retratado por todos esses anos com pele clareada e traços distorcidos, passando-se por um homem branco. A ideia, acredita-se, seria driblar o preconceito da elite cultural brasileira. “Na sociedade escravocrata e pós-escravocrata brasileira dos séculos 19 e 20, Machado de Assis saía do estereótipo de tudo o que era esperado do negro. Era um homem culto, letrado e autodidata. Ocupava um espaço que pertencia somente aos brancos na época. Retratá-lo como branco e naturalizar essa imagem nos livros e na mídia é documentar que um negro jamais conseguiria chegar nessa posição de destaque”, analisa a socióloga Najara Lima Costa.
De carona no Dia Mundial do Livro, comemorado em 23 de abril, a Faculdade Zumbi dos Palmares em parceria com a agência Grey Brasil, lançou o movimento Machado de Assis Real para reparar a arbitrariedade histórica e a injustiça racista e apresentar a imagem mais fiel à realidade das origens raciais do escritor. O projeto também espera encorajar e inspirar jovens artistas negros de todo o país. A atualização da foto de Machado de Assis deve acontecer até na Academia Brasileira de Letras, instituição fundada e presidida por ele mas que até hoje, exibe em suas paredes, fotos do escritor embranquecido.
Movimento atualizará obras do escritor

Uma das ações do movimento é chamar leitores para atualizar gratuitamente os livros de Machado de Assis que têm em casa, com a foto certa do escritor. Em evento aberto ao público, realizado no dia 23, aconteceu uma roda de conversa com o tema “Embranquecimento do Negro na Literatura”, com participação do escritor e jornalista da Nova Frente Negra Brasileira, Abílio Ferreira, e da poetisa e escritora brasileira Ryane Leão. Estiveram por lá também, integrantes dos coletivos Cadernos Negros e Cenário Urbano, o grupo de humoristas Coisa de Preto e o grafiteiro André França, além de outras personalidades da comunidade negra.
Agora, adesivos trazendo a imagem de Machado de Assis recriada serão encartados em livros na biblioteca da Faculdade Zumbi dos Palmares e em bibliotecas públicas, livrarias, sebos e centro culturais de todo o Brasil, para alcançar mais leitores a atualizarem seus exemplares de obras do autor. O projeto conta ainda com o site Machado Assis Real, onde será possível baixar a imagem recriada do escritor, para imprimir e atualizar seus livros remotamente.
Por fim, é possível participar de um abaixo-assinado online, solicitando que editoras e livrarias deixem de imprimir, publicar e comercializar livros em que o escritor aparece embranquecido e substituam a imagem preconceituosa pela foto certa de Machado de Assis.
“Machado de Assis já é reconhecido por todos pela sua genialidade. Agora está na hora de ser respeitado como um brasileiro negro, como realmente foi. Esse movimento vai corrigir um erro grave da história brasileira e encorajar novas gerações de autores negros a mostrarem sua identidade numa sociedade que é mais rica e diversa quando respeita a cultura negra”, diz Vanessa Holanda, estudante da Faculdade Zumbi dos Palmares e profissional envolvida no desenvolvimento da campanha na Grey Brasil.