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Marieta Severo relembra momentos de sua vida no exílio ao lado de Chico Buarque

Com quase 50 anos de carreira, a artista que alcançou sucesso no teatro, no cinema e na televisão, se declara feminista (sem militância) e revela detalhes do casamento com Chico Buarque, com quem viveu por 30 anos e teve três filhas.

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 28 out 2016, 02h47 - Publicado em 25 jun 2014, 22h00

A atriz Marieta Severo ganhou o troféu hors-concours no 18º Prêmio CLAUDIA
Foto: Reprodução/ Facebook Incêndios – A Peça

Certas verdades ninguém pode nos revelar. Precisamos descobri-las sozinhos. O mote, tão caro às tragédias gregas, norteia a peça Incêndios, do dramaturgo libanês Wajdi Mouawad, que Marieta Severo protagoniza no Rio de Janeiro até julho/2014.

Sob a direção de Aderbal Freire-Filho, com quem namora há oito anos, a atriz interpreta Nawal Marwan, ex-militante política que guarda um segredo terrível. Marieta demonstra que continua capaz de transitar por diversos gêneros, do drama rasgado à sátira de costumes – ela segue incorporando a espirituosa dona Nenê, no seriado A Grande Família, da Globo.

A atriz – que vive sozinha na Gávea, bairro nobre do Rio – ganhou o troféu de hors-concours no 18º Prêmio CLAUDIA por suas contribuições à arte em quase 50 anos de carreira. A votação para a premiação de 2014 já está aberta.

Por que você decidiu montar uma peça com um viés tão político quanto Incêndios?
Quando escolho um trabalho, atendo principalmente ao desejo de contar uma ótima história, seja engraçada, seja dolorosa – uma história que me toque de diferentes modos e que toque o público. Não entro em cena para passar mensagens. O que me interessa é o enredo. Incêndios trata de uma guerra civil no Oriente Médio. Presa por participar do conflito, a personagem que interpreto, Nawal, sofre tortura. Lógico que uma trama assim nos faz refletir sobre o Brasil e a trajetória da minha geração. Eu, Marieta, 66 anos de idade e quase 50 de carreira, atravessei a juventude embaixo de ditadura.

Pressionado pela ditadura, o compositor Chico Buarque, seu marido à época, se exilou na Itália em janeiro de 1969. Você o acompanhou e permaneceu por lá até março de 1970. Que recordações guarda daquele período?
Eu me recordo de ter ficado muito apavorada. Acabara de completar 22 anos, e o exílio me pegou de surpresa. Viajamos à Europa com a intenção de retornar logo, dentro de uns 20 dias. Chico participaria de uma feira musical em Cannes, na França, e depois seguiríamos para Roma. Foi quando nos chegaram recados do Gilberto Gil e do Caetano Veloso, que se encontravam presos no Brasil: “Não voltem!” Falavam que, se voltássemos, o Chico iria diretamente do aeroporto para o xadrez. Tínhamos as roupas do corpo, umas tantas nas malas e nada mais. Mesmo grávida de minha primeira filha, a Silvinha, perdi 8 quilos em dois meses! Precisei arranjar ginecologista às pressas e fiz curso de gestante em italiano, língua que mal arranhava.  

Quando vocês retornaram, o medo persistiu?
Persistiu porque recebíamos ameaças constantemente. Todo fim de ano, nos enviavam cartões com advertências do gênero: “Chico será o próximo”. Certa manhã, enquanto dormíamos em nosso apartamento, na Lagoa (bairro da zona sul carioca), a polícia o invadiu e agarrou o Chico. Me lembro também de sentir o coração apertado toda vez que o Chico saía com nossas três filhas, ainda pequenas. Eu os observava da varanda e pensava: “Ai, meu Deus…” Temia que colocassem uma bomba no carro da família, sei lá. Mesmo assim, não os impedia de passear juntos. Procurava tocar a vida sem paranoias excessivas e sem transmitir minhas angústias para as meninas. Tentava agir como se nada daquilo existisse.

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Você já militou politicamente?
Não, nunca ingressei em sindicatos, partidos ou algo que o valha. Mas sempre me posicionei. Costumávamos discutir política em casa. Embora não seja nenhuma estudiosa da área, interessei-me pelo assunto desde cedo. Digamos que faço o mínimo: acompanho o noticiário e busco me manter informada sobre o que se passa no Brasil. Claro que, logo após o golpe de 1964, participei mais ativamente de assembleias e passeatas. Muitos jovens da época participavam, ainda que não se engajassem nesta ou naquela sigla. A política se confundia com a rotina da gente.

Em 1964, já trabalhava como atriz?
Estava terminando o curso de normalista e estudava teatro no Tablado (célebre escola do Rio). Estreei profissionalmente um pouco depois, em 1965. Tinha 18 anos e imaginava que, sendo atriz, mudaria o mundo (risos). Veja quanto a política nos influenciava.

Marieta Severo relembra momentos de sua vida no exílio ao lado de Chico Buarque

A artista ao lado de Chico Buarque, com quem foi casada por 30 anos, e da filha Silvinha
Foto: José Antonio

Você se considera feminista?
Talvez me considere, mas uma feminista sem militância. Me esforcei desesperadamente para continuar trabalhando fora enquanto criava as meninas. Minha mãe, típica dona de casa, não me compreendia direito. Eu, na realidade, adorava aquela correria. Faço parte de uma geração e de um “gueto” – a Ipanema dos anos 1960 e 1970 – que se guiavam por uma palavrinha mágica: “experimental”. Tínhamos de experimentar, de inovar, de mudar os costumes. Questionávamos tudo: a escola das crianças, o próprio casamento, a obrigação de botar uns saiotes tenebrosos sobre o biquíni quando engravidávamos.

Saiotes?
Saiotes! Grávidas não podiam exibir a barriga na praia. Então punham saiotes em cima do biquíni para cobri-la. Eu me negava àquela humilhação (risos). Leila Diniz, minha amiga querida, também (ícone da emancipação feminina, a atriz niteroiense conheceu Marieta em 1966 e morreu em 1972, com apenas 27 anos). Uma ocasião, a fotografaram no mar, grávida e de biquíni, mas sem saiote.  Foi um escândalo! Como nós duas sempre quisemos filhos, nos projetávamos morando juntas numa comunidade alternativa, repleta de crianças. Bastávamos nós e os bebês (risos).

Vocês imaginavam ter filhos sem se casar?
Imaginávamos! Só que acabei me casando com o Chico e permaneci assim por três décadas. Uma relação que fluiu muito bem, aliás.

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Era um casamento aberto – ou experimental, para usar o termo da sua geração?
(Risos) Não, vivi meu casamento da maneira tradicional.

Chico dividia as tarefas domésticas com você? Trocava fralda das meninas, por exemplo?
Você quer saber se o Chico trocava fralda?! Que deselegante! (risos) Eram outros tempos, malandro! Os homens só se conscientizaram de que tinham de assumir novos papéis na família depois de as mulheres encherem bastante o saco deles. De fato, a gente se sobrecarregava à beça, nos sentíamos na obrigação de atender a todas as demandas. Enquanto pipocávamos feito malucas, de lá para cá, os homens se mantinham quase que exclusivamente presos às funções masculinas mais convencionais.

Resumindo: Chico não trocava fralda.
Não trocava. Mas buscou muita criança em festinhas de aniversário (risos).

Entrevista publicada em novembro de 2013 na revista CLAUDIA.


Conheça outras histórias de mulheres inspiradoras finalistas no Prêmio CLAUDIA 2014

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