Letícia Sabatella: “Todos nós somos feitos de luz e sombra!”
A atriz fala de sua personagem em 'Amorteamo'
Não se deixe enganar pelos olhos de jabuticaba, a pele de porcelana e o jeito tímido de Letícia Sabatella. A atriz – que consegue ser ainda mais suave e bonita pessoalmente – fez questão de entender o lado mais sombrio de Arlinda, sua personagem em Amorteamo. A série, escrita por Cláudio Paiva, Newton Moreno e Guel Arraes, foi inspirada nas lendas que assombram o Recife (PE).
Na trama, ambientada na capital pernambucana no final do século 19, Letícia dá vida a essa senhora de engenho que cairá em desgraça após sua infidelidade ser descoberta. Ela e o amante, Chico (Daniel de Oliveira), são pegos no flagra por Aragão (Jackson Antunes), o marido traído, que ali mesmo dá cabo do rival. Porém, desse amor proibido nasce Gabriel (Johnny Massaro).
Arlinda, no entanto, ainda terá uma chance de se reencontrar com o amado. Os mortos, na série, levantam de seus túmulos para acertar as contas do passado.
Ao contrário de sua personagem, Letícia não quer saber do passado e não deixa o amor para depois. Por isso, divide uma cumplicidade única com o marido, o ator Fernando Alves Pinto, com quem se casou em setembro de 2013.
Os dois, aliás, se desdobram no show da atriz, o Caravana Tonteria, em que Letícia canta lindamente enquanto Fernando extrai som de um serrote com ajuda do arco de um violino e toca também trompete e violão. Nesta entrevista, a estrela conta como as apresentações a ajudaram a compor sua Arlinda e entrega que não tem medo da morte. Confira!
Sua primeira novela, O Dono do Mundo (1991), está em reprise no canal Viva. Você chegou a se ver na trama?
O Dono do Mundo é legal, mas tenho um pouco de medo de as pessoas estarem me vendo. Eu era péssima atriz, pelo amor de Deus (gargalhadas)! Eu não consigo ver. Mas, modéstia à parte total, acho que estou melhorando cada dia mais.
O tema central de Amorteamo é a morte. Tem medo de morrer?
Sou totalmente contra a morte dos outros. À medida que vou experimentando perdas que ela traz, vou me preparando para a minha própria morte. Acho a perda pior. Sou muito contra a morte de quem eu amo.
Depois da série, você planeja voltar às novelas?
Ainda não tem nada previsto, porque estou com a peça Trágica.3 e com o meu show. A maior parte das canções são minhas, mas também canto músicas de vários compositores que adoro, como Cole Porter, Kurt Weill, Duke Ellington, Louis Armstrong.
Você se considera uma atriz que canta ou uma cantora que atua?
Sou cantora, atriz, bailarina, diretora, compositora (risos). Um pouco de tudo.
Essa experiência nos palcos a ajudou a entrar no clima de Amorteamo?
Sim, porque esse show tem uma pegada dos cabarés antigos, encarno uma cantora maltrapilha, bem clown. Isso ajudou a me preparar para essa personagem que a gente nunca viu antes na televisão. É muito legal a oportunidade.
Como define a Arlinda?
Ela vive em um estado alterado de tensão. Não é só uma mulher romântica e pronto! Arlinda me permite passear por várias personalidades, uma hora é uma velha louca, na outra é uma pessoa perversa, vingativa, inconsequente. Tem todos os tons humanos numa expressão mais forte, exagerada e brinca com isso.
Vê semelhanças entre você e Arlinda?
Todo mundo tem vários lados, depende do momento. Arlinda e eu somos completamente diferentes. Mas todos nós somos feitos de luz e sombra.
Mas não queremos ser apenas luz?
Acho que por um tempo me idealizei. Hoje em dia, percebo que o reconhecimento do meu limite é muito amoroso também. Antes, eu sempre ia tentando alargar meu limite como se eu fosse muito capaz, porque queria perseguir essa generosidade absoluta como utopia. Cheguei à conclusão de que a generosidade vai ser encontrada no equilíbrio.
E qual é seu lado sombrio?
Nele reconheço que sou ser humano, posso sentir todas as coisas e que é correto esses sentimentos de inveja, ciúme, mágoa, medo…
Por que Arlinda se afasta completamente da luz?
Ela carrega muita culpa, mágoa, porque foi vítima de violência física e psicológica por parte do marido traído. Ela é jogada no bordel e violentada brutalmente. E sai de lá sem nenhuma pena ou compaixão. É uma senhora do engenho que vai tendo a alma poluída, corrompida, não passa incólume.
Mas ela deveria se sentir iluminada por seu amor voltar do mundo dos mortos, não?
Eles reencontram o amor, mas daí ela quer viver tudo o que não pôde porque ele foi assassinado. E isso a torna inconsequente e cruel. E ela sofre ao se dar conta disso, ao colocar o amante no lugar do marido.
É inquietante imaginar a possibilidade de reviver um grande amor, ainda que ele tenha acabado de forma trágica, como o de Arlinda e Chico, não é mesmo?
Num primeiro momento é uma utopia realizada. Mas nada acontece como antes. Depois vai chegando um reconhecimento de que temos que aceitar a morte, o fim de algumas coisas, e que elas não são as mesmas nunca.
Não são questões muito pesadas? Você deve chegar exausta em casa!
É irônico, porque a gente permite se divertir em meio a todo esse sofrimento dos personagens. Eu chego muito cansada em casa, sim, especialmente quando tenho que gravar alguma sequência mais pesada no porão. Mas o set é muito amoroso, as pessoas são divertidas. Vale a pena!