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“Saio do câncer melhor do que entrei”, diz Celulari a CLAUDIA

O ator compartilhou com o público sua luta contra o câncer. Menos de 4 meses após o fim do tratamento, ele volta às novelas - e conversa com a gente

Por Bel Moherdaui
Atualizado em 20 mar 2017, 09h00 - Publicado em 20 mar 2017, 09h00
 (Leo Aversa/CLAUDIA)
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A careca já não está mais à mostra. Foi substituída pelo cabelo fino acinzentado. O rosto carrega uma leve barbicha. E um sorriso. Às vezes discreto, às vezes menos comedido – especialmente quando conta das indecisões da filha, Sophia, a respeito da festa de 15 anos, no ano que vem. Às vésperas de iniciar as gravações como o empresário Dantas, na nova novela das 21 horas, da Rede Globo, A Força do Querer, de Glória Perez, Edson Celulari encontrou CLAUDIA para uma conversa sobre a superação do câncer, diagnosticado em meados do ano passado. “Reuni minhas forças, meus santos, um punhado de coragem… Coloquei tudo numa sacola e estou indo cuidar de um linfoma não Hodgkin. Foi um susto, mas estou bem, ao lado de pessoas amadas”, ele anunciou no Instagram, no dia 20 de junho, com uma foto sua, já careca.

O linfoma não Hodgkin é um câncer do sistema linfático, o mesmo que acometeu o ator Reynaldo Gianecchini, a ex-presidente Dilma Rousseff e a própria Glória Perez. Calcula-se que a cada ano surjam 10 mil novos casos no Brasil. Nos últimos 25 anos, o número de pacientes duplicou, especialmente entre pessoas com mais de 60 anos. Celulari completa 59 neste mês. Foi durante uma viagem de férias pela Patagônia com a mulher, a também atriz Karin Roepke, que sentiu os gânglios do pescoço inchados. “Estava gripado e achei que podia ser só isso, mas, mesmo medicado, eles continuaram lá”, conta ele.

A notícia do fim do tratamento, feito com a hematologista Yana Novis, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, veio cinco meses depois, com outra foto no Instagram: “Graça recebida. Graça agradecida. Um coração pleno de obrigados…” Agora, pelos próximos dois anos, ele fará apenas uma manutenção para aumentar a imunidade. Veja a seguir a entrevista:

Você teve medo da morte?
A morte é inevitável, todos passaremos por ela. Só espero que seja no momento certo. Aquela não era minha hora. Tinha muita coisa para fazer. O medo só aconteceu nos dias em que fiquei na escuridão, sem saber o que tinha. Não era medo da morte propriamente, mas de perder a vida, os encontros, os contatos. Assim que apareceu uma luzinha, caminhei sem medo. Gosto muito da vida.

Como descobriu a doença?
Ao terminar de gravar o filme Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos, que estreia no segundo semestre e no qual vivo um pizzaiolo cego, fui com a Karin para a Patagônia descansar. Lá, comecei a sentir um gânglio diferente. Como estava gripado, pensei que era um reflexo da infecção de garganta. Na volta, procurei um otorrino, que me receitou remédios e compressa quente. Uma semana depois, a gripe tinha ido embora, mas o inchaço, não. Fiz uma ultrassonografia. Ali, a moça falou que a textura era um pouco diferente e que puncionaria para analisar. Meu médico estava fora do país; então, me deu uma notícia sem ser definitiva: era sintoma de um possível câncer. Como era no gânglio, podia ser linfoma. Aí eu me assustei. Karin logo correu atrás da médica que havia atendido o (Reynaldo) Gianecchini. No dia seguinte, estávamos lá no Sírio. Internado, passei por uma bateria imensa de exames. E esse período foi o mais difícil. Quando ela veio com os resultados, me apresentou também o protocolo de tratamento e todas as explicações, as chances de cura e me perguntou quando eu queria começar. “Agora”, respondi.

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A quimioterapia me abatia fisicamente, mas eu me permiti viver aquilo como tinha que ser, com meus deveres e disciplinas.

Edson Celulari, ator

Como seus filhos, Enzo, 19 anos, e Sophia, 14, reagiram?
Não pude começar o tratamento imediatamente porque havia alguns cuidados preparatórios. Então voltei para o Rio e resolvi contar. Até ali, ninguém sabia de nada. Nem que eu estava internado. Não queria apavorar ninguém antes de saber exatamente o que era. Só a Karin, minha companheira, nunca me deixou sozinho. Ela foi incrível. Então, naquele fim de semana, voltei para o Rio de Janeiro e fui arrumar minha mala antes de começar o tratamento. Chamei minha mãezinha, que tem 82 anos, e minha irmã e contei: “Tenho isso. O tratamento é assim, a chance de sucesso é tal”. Minha mãe na hora respondeu: “Que bom, filho! Então você está seguro? Essa medicina é boa? Tudo certo?”. Fiquei muito surpreso com aquela tranquilidade. Pensei: “Ou eu estou convencendo bem ou elas têm uma maturidade impressionante!”. Fui buscar meus filhos no aeroporto à tarde. Quando estava chegando em casa, na garagem, contei. Eles desmoronaram. Pensei: “De manhã foi mais simples”. Dei mais argumentos, mas eles não paravam de chorar. Aí entrei com um plano C e falei: “Calma, eu preciso de vocês. Preciso que vocês entendam”. Eles se acalmaram. E não me largaram mais. Foi lindo, porque é claro que temos uma ligação eterna, mas quando vem um carinho assim… Eu até me emociono. Não que você não saiba que seus filhos te amam, você sabe, mas quando vem assim, explícito… Eles iam ao hospital quando eu estava lá, ficavam comigo, me faziam carinho. O Enzo raspou a cabeça como a minha. Meus sobrinhos também. Eles foram muito valentes. E a gente se aproximou ainda mais.

Você chegou a preparar a Claudia (Raia), sua ex-mulher, antes de contar para eles?
Não. Contei primeiro para os meus filhos, depois liguei para ela. Disse o que estava acontecendo, que estava tudo bem, para ela segurar a onda com as crianças. Mas eles não fraquejaram em nenhum momento, não precisaram de nenhuma assistência extra.

Leia também: Claudia Raia: “Quando soube do câncer de Edson, quase desabei”

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E como foi o tratamento?
Muito agressivo. Foram seis sessões de quimioterapia, uma a cada 23 dias, mais a radioterapia. A primeira vez que tomei a químio, tive uma reação alérgica forte. A Karin e as enfermeiras ficaram nervosas, mas a médica, muito segura, falou para todos se acalmarem, aplicou um antídoto e perguntou se eu não queria almoçar.

Você teve outras reações?
Enjoo, cansaço, queda de cabelo. A qualidade e a cor da pele mudam, as olheiras aumentam. Perdi o olfato, mas não o paladar nem o apetite. Eu enjoava um pouco, mas tinha uma fome danada e inclusive engordei. A quimioterapia me abatia fisicamente, mas eu me permiti viver aquilo como tinha que ser, com meus deveres e disciplinas. Se estava cansado, descansava. Se estava enjoado, tomava um remédio ou parava de comer. Não fiquei deprimido.

Como foi para você perder o cabelo?
Não fiquei esperando caírem os tufos, raspei logo. Minha filha foi ao hospital e me ajudou. Você não quer criar uma tragédia com tudo. Dentro do possível, tentava jogar o moral pra cima, tornar algo engraçado. Então ela cortou primeiro só dos lados, fez um moicano, e a gente riu muito. Quando me olhei no espelho, careca, aquilo não me abateu, não foi uma constatação de derrota. Vi que surgia ali um personagem interessante, que eu até posso usar algum dia.

O que foi pra você receber esse diagnóstico?
Uma loucura. Sempre tive uma vida muito saudável, nunca fumei, nunca bebi, sempre fiz exercícios.

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Seu pai morreu do quê?
De câncer, há 20 e tantos anos. Naquela época, nem se falava o nome da doença, porque era feio. Ele não queria nem saber o que tinha. Mas ele fumou a vida inteira, e o câncer foi no estômago, de outro tipo. Não se pode afirmar que seja genético.

O linfoma tem uma razão?
Quando descobrirem isso, descobrirão a cura definitiva.

Pacientes HIV positivo têm maior risco de desenvolver linfoma não Hodgkin do que o restante da população. Você é HIV positivo?
Que eu saiba, não. Já fiz vários testes. Não sou, não.

De uma coisa tenho certeza: eu saio do câncer melhor do que entrei. Pela reflexão, pela parada, com algumas certezas, com mais dúvidas, mas melhor.

Edson Celulari, ator
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Você optou por compartilhar com o público o que estava vivendo, via redes sociais. Como foi a resposta?
Logo publiquei uma foto careca e foi bacana. Recebi muito retorno, não só do público mas também de amigos e outras pessoas que passaram pela mesma experiência. Isso, aliás, é bem tocante. Encontrava gente na rua que vinha compartilhar histórias lindas que tinha vivido. No último dia do tratamento, estava no aeroporto, em São Paulo, com a Karin quando um senhor, bem forte e determinado, me cutucou e falou: “Tudo bem, Edson? Sou fulano de tal. Estou vendo que você está ótimo. Li que terminou seu tratamento. Vai dar tudo certo. Eu fiz cinco cirurgias, cinco cânceres diferentes. E estou ótimo agora! Siga em frente! Um abraço!”. E saiu caminhando. Olhei para a Karin e disse: “O que eu tive não é nada perto do que teve esse senhor. Olha a energia dele!”. É muito legal receber esse tipo de carinho.

Alguma reação surpreendeu você especialmente?
Alguns colegas que passaram pelo câncer e não quiseram se expor dividiram a luta deles comigo. A fé e a boa energia das pessoas, neste momento terrível que estamos passando no país, foram incríveis. De uma coisa tenho certeza: eu saio do câncer melhor do que entrei. Pela reflexão, pela parada, com algumas certezas, com mais dúvidas, mas melhor.

Você se apegou mais a alguma crença ou religião?
Sou católico de formação, passei pelo budismo e acredito em algumas coisas, mas não sou praticante de nada. Sei que há alguma força superior e foi nisso que me apeguei e me apego. Admiro quem tem uma escolha religiosa, mas não é o meu caso. Adoro São Francisco de Assis, mas mais pelas ações sociais – sou Edson Francisco porque meu pai era devoto dele. Recebi muitas coisas, rezei, sim, mas foi isso. Por acaso, nessa época recebi a imagem de Nossa Senhora das Graças, que circula entre amigos meus há dois anos, ficando com cada um por cerca de dois meses. Então sou grato a ela. Sem dúvida, é uma graça recebida e muito agradecida. Sou grato a todos que rezaram por mim, que ligaram e torceram por mim, não importa o credo.

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(Leo Aversa/CLAUDIA)

Você pedia ajuda?
Eu pedia tudo. Algumas vezes eu ligava para amigos, até para a Glória (Perez): “Escuta, como é que é? Estou sentindo tal coisa”. O Gianecchini me ligou também, contou como ia ser. Ele foi muito generoso, muito querido. Depois de passada a experiência, você vê com mais naturalidade. Hoje, se eu encontrar alguém passando por isso, também vou falar: “Enfrente. Parece duro, mas tudo passa. Não sei a gravidade exata da sua doença, mas enfrente com coragem, pense positivo, seja forte e disciplinado”.

O que mudou em você depois do câncer?
É uma experiência particular, difícil de narrar. Há um recolhimento, uma reflexão. Você acaba entendendo a vida de outra forma, assim como sua relação com o tempo e com seus valores, suas prioridades. É claro que minha vontade era continuar vivo. Pensava muito no que ainda tenho para fazer; nos meus filhos, que ainda precisam de mim; na minha história de amor com a minha mulher; nos meus projetos de vida; meu trabalho… Tenho muita coisa para fazer. Se alguém está me escutando (e olha para cima), já aviso: “Não quero ir, não”. Eu mudei por dentro. Essa experiência me deu maturidade, relaxamento. Só tenho a agradecer. Ganhei uma segunda chance; então vou aproveitar. Agora me aguardem! Voltei com tudo. Não quero, porém, ser porta-voz de nada. Estou aqui conversando sobre isso porque acaba sendo um serviço bacana, uma experiência que pode ser dividida. Mas depois quero voltar a tocar minha vida, falar da minha carreira, dos meus projetos e dos meus personagens.

Continua jogando tênis de mesa?
Jogo e estou voltando para as minhas aulas. Inclusive eu fugi, no meio de tratamento, de boné e máscara às vezes, para assistir a algumas partidas nas Olimpíadas.

Como é voltar a trabalhar já?
Gosto muito do que faço, e é um ofício que posso levar para sempre. Enquanto eu tiver discernimento e memória, quero continuar atuando. Há jogadores de futebol, bailarinas, que se aposentam com 26 anos. No meu ofício, não, e isso é um privilégio também. Posso trabalhar até os 100 anos. Quero produzir; e estar vivo para mim é trabalhar.

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