Caio Blat conta à CONTIGO!: “Maria é meu oposto. Tem sérias dúvidas se Deus existe ou não”
Em um papo com a revista, o ator de Joia Rara fala sobre sua viagem pelo Nepal e sobre a espiritualidade de sua família
Caio segura a chamada mala (ou japamala) budista, um cordão com 108 contas usado para orações e mentalizações, em uma das salas da Casa Daros, no Rio
Foto: Miguel Sá
Foram apenas 20 dias viajando pelo Nepal, nos Himalaias. Mas lá estava Caio Blat, 33 anos, sob um baita sol em uma praça, de olhos fechados, encostado em uma vaca igualmente sonada. “Quando vi, eu estava domindo ali mesmo”, diverte-se o ator de Joia Rara. O conveniente “travesseiro” ali estacionado é sagrado, desde as antigas escrituras hinduístas às leis posteriores, que garantem a proteção total do animal. “Tem vacas dormindo no meio da rua”, continua em um papo com a CONTIGO! no belo espaço de arte da Casa Daros, em Botafogo, zona sul do Rio.
Não havia pessoa mais adequada e despojada para o papel do monge Sonan para mandar a um laboratório do outro lado do Atlântico e do Índico – a chance de ele sair porta do hotel afora desacompanhado para explorar era grande. “Ficava andando sozinho pela cidade. Não tenho dificuldade de adaptação. As pessoas que têm isso sofrem muito. Primeiro o ambiente: a rua é parecida com a Índia, o trânsito é caótico, todo mundo dirige em todas as direções, pouquíssimas ruas são asfaltadas. É tudo muito sujo, as pessoas andam com máscaras, pano no rosto. Falta estrutura, saneamento básico, como nas favelas brasileiras”, explica ele sobre o país, pobre e com altíssima densidade demográfica, entre o Tibete e a Índia. Parece exagero, mas um ocidental pelo Nepal tem de tomar certos cuidados. “As pessoas da nossa comitiva eram instruídas a nem escovar os dentes com a água da torneira. Havia uma preocupação para que ninguém se contaminasse. E eu dormia no chão, no meio das vacas, comia qualquer coisa”, vai contando, imerso na experiência.
Passeio de menino
Ele quer voltar ao país, mas, da próxima vez, a turismo – e não vai levar a família, Maria Ribeiro, 37, e os filhos, Bento, 3, e João (10, filho de Maria com Paulo Betti, 61). “Quero ir com meu grande amigo Ângelo Antônio (49)”, explica. O motivo para ir sozinho não é desfeita, é afinidade com a aventura mesmo – inclusive a religiosa e espiritual. “Maria é meu oposto. Tem sérias dúvidas se Deus existe ou não. Ela é freudiana, é a favor da terapia. Mas isso é muito legal, a gente tem uma combinação maluca. Sou religioso e ela toda científica e analítica. Faço até terapia, de tanto que ela me incentiva. Mas a coisa da reencarnação, por exemplo, ela detesta, não gosta nem de falar do assunto. Já com outros temas ela fica mais comovida”, revela. A viagem o fez mais sincretista, somando aprendizados a seu lado espírita kardecista e também amante do taoísmo. Voltou revitalizado.
“O budismo é muito construído em forma de parábolas, pequenas histórias em que os valores são ressaltados. Eu acho que se Buda ou Cristo voltassem, seriam diretores de novela ou cineastas, porque sempre ensinaram a partir das parábolas – e a parábola moderna é o cinema e a novela”, compara. Outra impressão que caiu por terra foi o ambiente tenso, de concentração e total silêncio que imaginou entre os monges. “Eles são muito espontâneos, brincam muito, são amistosos. É todo mundo conversando, rindo. Um vai e bate na cabeça do outro. Você olha para o lado e tem um mongezinho dormindo em posição de lótus”, conta ele às gargalhadas.
No Nepal, o ator aprofundou seu conhecimento dos monges e dos costumes
Foto: Divulgação/Rede Globo
Ele cuida das crianças
Isso está dentro de casa também, em frente aos filhos, com a mãe mais cética e o pai mais espiritualizado. “Acho que criança aprende pelo exemplo, não se ensina nada. Eu medito todo dia pelo menos dez minutos e eles me veem. Fico no meu quarto, tenho um cantinho com Buda, São Francisco de Assis, Shiva, tudo misturado. Tem as sete oferendas do budismo, onde coloco água, flor, perfume, comida, música… Tudo diante deles e fico em posição de lótus”, afirma. E não é só meditação, tem muita mão na massa em casa. Cuidar das crianças? É com ele mesmo, que adora. “Sou muito caseiro, fico dez vez mais em casa que a Maria. Tenho mais tempo livre. Então sou eu que levo as crianças à escola, faço o almoço e cuido do jardim”, conta.
Caio também usa o que aprendeu espiritualmente para lidar com situações que outros talvez enfrentassem com maior conflito, em um processo muito mais longo e doloroso. Como no caso do filho adotivo que quase fez parte de sua vida, Antônio, 10, da relação de três anos com a cantora Ana Ariel, 32, com quem casou em uma cerimônia em um centro espírita em 2001. O contato foi totalmente perdido depois do término do casal, em 2004 – Caio até tentou lutar pela guarda, registrar um boletim de ocorrência contra Ana, pois não conseguia, na época, ver o garoto de 1 ano e 5 meses… Um tormento.
“Eu já sofri muito, mas percebi que é aquela coisa do budismo, em que precisamos estar abertos para os caminhos da vida. Eu vi que a minha vida e a dele não tinham nada a ver. Ele tinha uma história lá em Campinas e permaneceu na cidade com a mãe. Isso foi muito importante para dar estrutura a ele. Quando saí de São Paulo, perdi o contato. E seria uma loucura da minha parte ir para a Justiça, lutar. Achei melhor preservar a tranquilidade da criança, o desenvolvimento dele e me afastar. A gente tem de ter essa humildade”, explica. Quando decidiram adotar, já estavam se separando e o menino estava em situação de risco. “Nunca me tornei realmente pai dele, não teve a formação do vínculo, já estava saindo de casa e a Ana não soube administrar a situação”, lamenta Caio, que não pensa reencontrar o menino no futuro. “Quando você perde o contato nessa primeira infância, é difícil. Foi uma tentativa que não vingou, que não deu certo. Rezo para ele ser feliz”, diz.
Mais trabalho
Além da novela, Caio Blat se prepara para ser uma das principais estrelas do Festival de Cinema no Rio, a partir do dia 26 deste mês, com três produções: Entre Nós, em que é protagonista ao lado de Carolina Dieckmann, 34, Os Amigos e Alemão, sobre a ocupação do Complexo do Alemão, zona norte do Rio, em 2010.
Como virar… um careca!
Para dar vida a Sonan, Caio teve de repetir um dos gestos dos monges e raspar totalmente a cabeça. Fácil? “Nos primeiros dias você faz isso em frente ao espelho, dá um pulo e diz: ‘Quem é esse cara!?’ É bem engraçado se olhar e tomar esse susto. Pareço um estranho para mim. Agora sempre passo máquina zero”, diverte-se. “É um gesto bonito. É abrir mão da vaidade”, afirma passando a receita.
ESTA ENTREVISTA FAZ PARTE DA EDIÇÃO 1984 DA REVISTA CONTIGO!, NAS BANCAS A PARTIR DE 26/09/13.
Caio lê What Makes You Not a Buddhist, de Dzongsar Jamyang Khyentse
Foto: Miguel Sá