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Alô, alô, exagero: Lady Gaga traz de volta o estilo Camp

Segundo a ensaísta americana Susan Sontag, é o amor pelo artificial e pelo exagero

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 16 jan 2020, 08h47 - Publicado em 23 out 2012, 21h00

Numa era em que as pessoas fazem qualquer coisa para aparecer, só triunfam de verdade aquelas que se jogam sem pudor em um estilo que tem até nome-cabeça e voltou à moda: o camp

POR_ ARTHUR DAPIEVE, em texto publicado na revista LOLA

O que têm em comum Lady Gaga, Carmen Miranda, o grupo de rock Queen, o filme Hairspray, Elke Maravilha, Madonna, Elton John, Paris Hilton, cantoras baianas em geral e super-heróis espremidos em malhas coloridas? Chegou perto quem respondeu “o exagero”. Existe, porém, uma maneira mais exagerada — e mais intelectual — de dizer isso. “O amor pelo artificial e pelo exagero”, na definição da ensaísta americana Susan Sontag. Existe, ainda, uma maneira bem sintética — e até meio chique — de dizer o mesmo. Camp.
 
A palavra acaba de voltar à moda, mas começou a circular nos países de língua inglesa no começo do século 20, possivelmente importada da França. Já naquela época, significava algo ou alguém que exagerava na pose, ou seja, não tinha a ver só com as roupas usadas mas também com a atitude adotada e, num sentido mais geral, com um estilo de vida. Durante a maior parte dos últimos cem anos, o camp foi uma subcultura, quase marginal se, em tempos, não irrompesse espetacularmente — comme il faut — no meio da cultura de massas. Afinal, como diz outra definição popular na internet, atribuída a alguém de nome Indra Jahalani: “Camp é popularidade, mais vulgaridade, mais inocência”.
 
Pode ser difícil identificar alguma inocência em Lady Gaga, nos clipes que lembram pornochanchadas ou nas roupas que valem por uma visita ao consultório ginecológico. Mas ela se fez a representante mais notória de um fenômeno do nosso tempo: o camp parece ter deixado de ser um nicho de mercado para se tornar o próprio mercado. Basta olhar em volta e perceber que praticamente tudo o que se enxerga na mídia mundial passa pelo exagero. Aliás, talvez esteja aí a chave para entender esse avanço do camp: numa era em que as pessoas fazem qualquer coisa para aparecer, só conseguem aparecer de verdade aquelas que se jogam de cabeça nisso, com descomunal exagero.

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Ironia vence a tragédia

A exemplo de Madonna Louise Veronica Ciccone — espécie de santa padroeira do camp moderno —, Lady Gaga descende de italianos. Seu nome de batismo é Stefani Joanne Angelina Germanotta. Isso pode ter ajudado a dar impulso genético à trajetória de exageros. Nele, a música, supostamen te seu ganha-focaccia, é detalhe. E, como se sabe, exagera-se bastante na Itália. Pesar a mão é um esporte nacional. Ho je, poucas coisas são mais camp do que o primeiro-ministro Silvio Berlusconi em seu cabelo preto asa-de-graúna cometendo gafes grandiloquentes. Italianos também são bons em ópera, e esse é um terreno camp por excelência, cheio de heroínas me gainfelizes envolvidas em tramas espalhafatosas.
 
Em um texto de 1964, Notas sobre o Camp, Susan Sontag buscou mapear o estilo em 58 proposições numeradas. Foi a primeira pensadora séria a se debruçar sobre o assunto, destacando, de cara, a estratégia que o camp adota para assediar nossa sensibilidade. “Sou fortemente atraída pelo camp e, quase tanto, fortemente ofendida por ele”, escreveu Susan, antes de assinalar o gosto dessa falta de gosto pelo artifício e pela estilização, não pela beleza.Longe de querer ditar regras, ela registrou as características do camp, entre elas a despolitização e a an droginia. Lady Gaga, por sinal, já teve que vir a público para desmentir que fosse um homem, depois que uma foto sugerira um volume suspeito dentro de sua calcinha.
 
Susan, uma intelectual, não podia deixar de enxergar a sensibilidade camp em áreas onde não a enxergaríamos. Para ela, o fato de a palavra ter se tornado corrente no século 20 não implica que o fenômeno seja recente. Daí ter arrolado o pintor italiano Caravaggio (1571-1610) e o arquiteto catalão Antoni Gaudí (1852-1926) como tes temunhas, além do escritor irlandês Os car Wilde (1854-1900). Suas citações, como “ser natural é uma pose muito difícil para se manter”, pontuam Notas sobre o Camp. Embora ela não entre nesse particu lar geográfico, os três nomes mencionados indicam que Susan não enxergava o camp só nos Estados Unidos, terra dos livres, lar dos bravos e passarela dos exageros. Entre nossos contemporâneos, podemos citar o cineasta espanhol Pedro Al modóvar e a cantora islandesa Björk como ícones camp.
 
O camp relaciona-se bastante bem, a ponto de às vezes ambos se confundirem, com a subcultura gay. Nem todo homossexual, é óbvio, se caracteriza pelo exagero, no vestuário ou no comportamento (a perua típica é vorazmente heterossexual, vide Sarah Jessica Parker e sua turma de Sex and the City). Contudo, a comunidade gay é atraída pela exacerbação de características seja de um sexo seja de outro — rapazes musculosos vestidos de couro ou drag queens de meia arrastão sobre pernas cabeludas.
 
No Brasil, o camp pode ainda ser percebido como o primo rico do brega. Basta verificar seus muitos pontos de contato com Chacrinha, o cantor Falcão ou com a banda Mamonas Assassinas. De certa forma, Susan dá licença para a apreciação sem culpa do camp, pois enxerga ali “a vitória do ‘estilo’ sobre o ‘conteúdo’, da ‘estética’ sobre a ‘moralidade’ e da ironia sobre a tragédia”.
 
Essa pode ser mais uma boa definição para camp, certo? Mas também serve para os nossos tempos.
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